A estrutura do universo Marvel se sustenta como uma projeção paralela da Terra em que super-heróis habitam nosso cotidiano. Direta ou indiretamente, a editora sempre refletiu acontecimentos mundiais como parte de suas narrativas. Quando em 2001, o ataque terrorista em solo americano deflagrou a destruição do World Trade Center, em Nova York, uma revista em homenagem às vítimas foi lançada. Inserindo os heróis no mutirão de apoio e ajuda como reflexo da sensação americana na época.
Diante deste fatos, diversas representações artísticas em frontes variáveis surgiram. No cenário realista desenvolvido pelo estúdio, havia a delicada questão de como abordar o tema de maneira plausível para que a existência de heróis mundiais possibilitasse um ataque como este, desenvolvendo a reação de seus personagens sem descaracterizá-los. Coube a John Ney Rieber e John Cassaday realinhar o Capitão América após onze de setembro.
Lançado no país na revista Marvel 2002 na época, e compilado recentemente na Coleção Graphic Novels Marvel da Salvat, O Novo Pacto se divide em dois momentos narrativos. A primeira história apresenta uma análise metafórica sobre os fatos, com Steve Rogers refletindo o acontecimento. De maneira poética, a trama evidencia o Capitão como um homem comum, um cidadão americano como outro qualquer que, heroísmo à parte, compartilha a dor, o luto e o sentimento de impotência perante o fato. Em meio a cores carregadas de tons cinzas, o herói lamenta o acontecimento, explicitando a força de seu ideal como um símbolo de liberdade. Esta primeira parte da história funciona como metáfora para a o mote da trama, envolvendo uma pequena cidade sofrendo um concentrado ataque terrorista.
A forte vertente realista posiciona a personagem de maneira emocional diante de um cenário que parece repetir o fato real. Expiando a raiva contida, Rogers assume um papel ativo além de seu símbolo, promovendo uma cisão entre Capitão América e o homem por trás desta figura. Como soldado, Rogers falhou em proteger a nação. A dor simbolizada como uma batalha perdida desenvolve a reflexão sobre a necessidade da guerra, pontuando as motivações de ambos os lados. Rogers e o Capitão adquirem ideais divididos. Enquanto o símbolo permanece indelével, o homem se mostra em dúvida sobre sua trajetória.
O roteiro é preciso ao estabelecer a metáfora sobre a guerra, pontuando que o lado terrorista também possui motivações e uma coerência interna nos atos. Mas falha ao desenvolver uma ação pontual que expande a trama além da reflexão natural. Como primeira história após tais acontecimentos, é uma bonita homenagem mas, a cada edição concentrando-se mais no desenvolvimento de ação, percebe-se um desequilíbrio. A dupla acerta na vertente mais delicada, falha na execução simples de uma boa história com a personagem. Talvez preocupados em excesso em situar o Capitão América neste novo tempo, a trama em si permaneceu em segundo plano.
O Novo Pacto se mantém como homenagem maior que a narrativa. Marcando uma transição comentada na época mas que, em futuro próximo, tornou-se fundamental à personagem, quando o homem por trás do símbolo adquiria contornos gerais focados na liberdade, sem nenhuma ideologia como bandeira.