Terras paralelas sempre foram um elemento chave da DC Comics, embora a editora tenha tentado acabar com o conceito nos anos 1980 com a maxi-série Crise nas Infinitas Terras. Para tornar seu universo de personagens mais coeso e aberto a novos leitores, a Crise serviu como uma forma de simplificar as muitas Terras tornando-as uma só. Isso facilitou a vida tanto de roteiristas quanto de novos leitores, embora elementos cruciais da cronologia da editora tivessem sido varridos pra baixo do tapete. Na saga em questão, universos inteiros morreram, e o primeiro a ser extinguido da existência foi o que comportava a Terra-3. Esse planeta era uma cópia às avessas da Terra principal, onde havia uma versão maligna da Liga da Justiça e o único herói era Alexander Luthor. O conceito de “cópia maligna”, apesar de parecer uma solução preguiçosa pra arranjar bons vilões, sempre foi usado na editora e se perdeu com a reformulação.
No entanto, muitos personagens e várias linhas narrativas acabaram ficando prejudicados com a Crise. Se não existiam mais Terras paralelas, os roteiristas pós-Crise passaram a ter que justificar a existência de heróis que tinham sua origem fortemente ligadas a esses mundos. Assim, malabarismos precisaram ser feitos para explicar as origens de personagens como a Supergirl, a Legião dos Super-Heróis e a Poderosa. A maioria dos roteiristas apenas aceitou as mudanças e fizeram o melhor que puderam com um universo único.
Mas Grant Morrison não era como a maioria dos roteiristas.
Na metade da década de 90, Morrison reformulou a Liga da Justiça trazendo de volta vários elementos clássicos da Era de Prata, principalmente a formação da equipe com os sete maiores heróis do universo. Sua fase na revista LJA foi aclamada por público e crítica – cometendo alguns deslizes típicos do autor, de certa forma perdoáveis – e revitalizou o título, que havia se tornado uma comédia pastelão com heróis secundários desde o final da década de 80 até então. A Liga de Grant Morrison era grandiosa e empolgante.
Morrison pretendia trazer de volta o conceito de Terras paralelas – algo que recentemente se mostrou fixação do autor, com a série Multiverso DC – mas parecia que não havia um jeito, devido à Crise. Mas o universo de antimatéria ainda era um conceito válido na época, e foi disso que ele se aproveitou para escrever LJA: Terra 2.
Lançada nos Estados Unidos como uma graphic novel, Terra 2 passou quase que despercebida pelas terras brasileiras. Na época, a Editora Abril lançou uma ousada e questionável iniciativa na sua linha de hqs de super-heróis, abandonando o consagrado formatinho e adotando a linha Premium. Essa nova linha, embora maior e melhor, tinha um preço pouco acessível aos leitores da época, e muitos acabaram abandonando o hábito de ler quadrinhos. LJA: Terra 2 foi publicada na primeira edição de Superman Premium e nunca mais relançada em português, até agora com a Coleção de Graphic Novels da DC Comics, da editora Eaglemoss.
Na trama, Morrison revela que o universo de antimatéria abriga uma versão espelhada da nossa Terra, tal qual a extinta Terra-3 pré-Crise. Mas esse universo parece muito mais sombrio do que sua extinta versão, adaptada para a realidade do fim do milênio (mais sombria e realista). Alexsander Luthor, único herói dessa Terra (tal qual a versão pré-Crise) descobre um universo livre da tirania do Sindicato do Crime e pede ajuda aos heróis da Liga da Justiça. Após um momento de deliberação, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde (Kyle Rayner) e Flash (Wally West) resolvem ajudar, ficando apenas Aquaman e Caçador de Marte na nossa Terra. Os heróis descobrem que nesse universo, as coisas funcionam de forma bastante diferente do que estão acostumados: lá, o Mal sempre ganha!
Temos alguns momentos interessantes, como o encontro de Batman com a versão de seu pai – o Comissário Thomas Wayne – e descobrimos que Ultraman e seu Sindicato do Crime dominam a Terra. Supermulher (versão da Mulher-Maravilha) tem um relacionamento com Ultraman, mas mantém um caso com o Coruja (o Batman de lá). Há uma “troca de lugares”, e o Sindicato do Crime vem parar na Terra da Liga e, invertendo a ordem das coisas, passa a chama-la de Terra 2! A Liga da Justiça vê-se então forçada a retornar para reestabelecer a ordem. Com uma trama bastante simplória, vence o Sindicato. Isso porque, em nosso mundo, o bem sempre vence o mal.
É sempre interessante perceber como Grant Morrison utiliza conceitos simplistas de forma magistral. O autor costuma pegar elementos que a maioria dos fãs prefere ignorar e fazer deles algo bem construído e agradável de se ler. Além disso, a arte de Frank Quitely casa perfeitamente com o estilo de narrativa do autor. Quitely colabora com Morrison eu outras ocasiões, como em Novos X-Men ou Grandes Astros: Superman, e sempre adiciona a dose certa de modernidade e saudosismo à trama.
Morrison prova, mais uma vez, que até o mais simples dos conceitos pode ser bem trabalhado e render uma boa história. A Eaglemoss acertadamente nos traz essa pérola há muito esquecida pelas editoras nacionais, ainda com uma história secundária de 1961 que mostra, pela primeira vez, o conceito de Terras paralelas. A história O Flash de Dois Mundos é simples e direta, mas alicerça a longa tradição de infinitas Terras da DC Comics.
LJA: Terra 2 foi o pontapé inicial para que as Infinitas Terras voltassem com força total nos anos posteriores e retomassem lugar de destaque nas histórias da DC.
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Li algumas edições da liga do morrison, e vi mais elementos dos vingadores, do que propriamente da liga clássica