Após a saída dos quadrinhos Disney da editora Abril Jovem, ficou a dúvida entre os leitores se as coleções dedicadas a Carl Barks e Keno Don Rosa teriam continuação em alguma outra editora, uma vez que a Culturama assumiu apenas as edições mensais das revistas. A aflição passou quando a editora Panini anunciou ter assumido a publicação dessas e de outras séries em capa dura da Disney. Assim, continuando de onde a editora anterior parou, a Panini lança Tio Patinhas por Carl Barks: A Coroa Perdida de Gengis Khan primeiro volume da série a abordar o tio do Pato Donald tanto no título quanto nas histórias. Embora tenha Tio Patinhas no título e no conteúdo, não se trata de uma nova série, e sim do volume 16 da chamada “Coleção Carl Barks Definitiva”, que não é publicada em ordem cronológica.
Para uma edição de estreia na casa, a Panini acertou em cheio na escolha do material. O livro traz as histórias publicadas originalmente em Uncle Scrooge nos anos de 1956 a 1961, e apresenta verdadeiros clássicos que já foram revisitados por outros artistas e outras mídias. Além da história que dá nome ao volume (que aliás, é uma história bem pequena se compararmos a outros épicos da edição), temos vários clássicos de Barks que valem a pena serem lidos.
Fabricantes de terremotos é um desses clássicos que atingiram outras mídias. Além da excelente adaptação no desenho Duck Tales de 1987, os habitantes rechonchudos do subterrâneo de Patópolis apareceram em videogames (no antigo Nintendinho e na remasterização para PlayStation 3) e no reboot dos Caçadores de Aventuras de 2017. Na história, Patinhas descobre uma civilização responsável pela criação de terremotos, e teme pela sua caixa-forte.
Em Qual o mais rico do mundo? vemos a primeira aparição do Pão-Duro Mac Mônei, o “duplo do mal” do Tio Patinhas. Diferente de suas aparições em Duck Tales, Mac Mônei é originalmente sul-africano, e não escocês (algo que o reboot de 2017 resolveu de forma inteligente). Essa história é bem interessante por mostrar que, apesar de tudo, Patinhas não é inescrupuloso e mantém ainda alguns princípios morais – coisa que seu rival não apresenta nem de longe.
A edição ainda conta com pérolas como O elemento mais raro do mundo e A fantástica corrida de barcos, mas talvez a melhor ou mais importe história seja Os índios Nanicós. Nela, Patinhas demonstra que nem tudo deve ser lucro – embora seu espírito capitalista mantenha-se presente o tempo todo, o velho rico percebe que, embora possa extrair recursos naturais de uma reserva florestal, talvez ele não deva fazê-lo. Talvez hoje a história traga alguns problemas com a retratação estereotipada dos nativos-americanos, mas a mensagem final é boa, num saldo geral. Vale notar o cuidado que o tradutor Marcelo Alencar teve ao adaptar a fala dos índios, que no original é toda rimada como num poema de Henry Wadsworth Longfellow – diferente do que a tradução da Abril havia feito em sua continuação na coleção de Don Rosa.
Ainda sobre tradução, um ponto a se destacar é a decisão da editora de manter alguns termos que talvez não façam mais sentido nos dias de hoje. Traduzir dólar por “pataca” talvez fizesse sentido décadas atrás, quando as revistas eram regionalizadas e nosso dinheiro mudava de nome como o Donald muda de emprego, mas hoje com internet e tudo mais, podemos esperar que as crianças entendam que Patópolis não fica no Brasil e sim nos Estados Unidos. Da mesma forma, manter o sobrenome de Tio Patinhas como “Mac Patinhas” ao invés de “McPato” é uma decisão um tanto polêmica, já que o segundo se assemelha mais ao original. Além disso, o personagem é chamado de Patinhas McPato nas duas séries animadas de Ducktales, nos quadrinhos da Culturama e até mesmo nas próprias novas publicações da Editora Panini. O tradutor Marcelo Alencar explicou em suas redes sociais que manteria Mac Patinhas apenas nas coleções de Barks e Rosa, por se tratarem de continuações da outra editora e que, em possíveis reedições da série completa, haverá alteração nesse detalhe. Outra mudança significativa na troca de “casa” foi o letreiramento, que passa a ser de responsabilidade do Studio Animatic. Nas edições da Abril as letras ficavam a cargo da veterana Lilian Mitsunaga, sempre extremamente competente e que faz falta nessa nova empreitada. Ainda sobre os diálogos, chega a incomodar muito os erros de revisão dos textos, que não são poucos.
O formato do álbum se mantém o mesmo, e o padrão de qualidade gráfica não se altera, o que nos dá uma sensação tranquila de continuidade. Para o fã de quadrinhos Disney e, mais especificamente, de Barks, fica o alívio de não ter sua coleção definitivamente interrompida, mas também a esperança de vê-la, num futuro próximo, em uma nova reedição, com formato maior e mais parecido com o original da Fantagraphics.
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