Crítica | Julieta
O diretor espanhol Pedro Almodóvar é um autor admirado pela sua filmografia. No entendimento de uma parcela do seu público, Volver foi seu último grande filme, sendo seus filmes subsequentes uma tentativa de encontrar uma nova identidade para contar histórias. A Pele Que Habito e Os Amantes Passageiros são exemplares de uma abordagem completamente distinta entre si, e Julieta segue da mesma forma que os seus dois filmes anteriores.
O texto é baseado em três contos de Alice Munro, começando com a personagem-título vivida por Emma Suárez, uma mulher de meia-idade, bonita, que ao se encontrar com uma jovem de seu passado decide mudar todo o rumo de sua vida para continuar em Madrid, a fim de encontrar Antía, sua filha. O argumento passa então a mostrar o passado da mulher, que é interpretada em sua juventude por Adriana Ugarte, e a qual, por sua vez, encontra o pai da menina, Xoan (Gabriel Grao), um homem cuja intimidade envolve um sem número de traumas amorosos.
A construção do roteiro do filme é curioso e toma emprestados elementos retirados de Tudo Sobre Minha Mãe, além de conter em si referências óbvias a Alfred Hitchcock em relação a uma das fortes personagens femininas, vivida por Rossy de Palma. O modo como Almodóvar expõe o comportamento masculino é peculiar, mostrando os homens como seres aproveitadores e até, de certa forma, desalmados, por não haver neles a necessidade ética de justificar sua sede sexual em detrimento da incapacidade de seus pares em viver de modo plenamente saudável, uma vez que o arquétipo da esposa moribunda é usada mais de uma vez, e em gerações diferentes, e se torna ainda mais curioso que tal repulsa não faz de Julieta imune a esses mesmos encantos, retratando uma faceta fálica do destino, que teima em reproduzir essa maldição hereditária.
O mise-en-scène de Almodóvar segue afiado, seja na escolha dos tons vermelhos, como também nas figuras esculturais trabalhadas por Ava (Inma Cuesta), de homens decepados (quase sempre cabeça e genitália), servindo novamente de argumento dúbio em relação ao caráter masculino. A duplicidade está presente em quase todas as tramas e sub-tramas do filme, desde a escalada de insanidade pela qual passa Julieta – pontuada por uma estranha transição das duas atrizes no papel – quanto na origem do afastamento ocorrido entre mãe e filha.
O cineasta preenche seu roteiro com incertezas em relação a fidelidade, tanto argumentativa dos pares quanto em relação a romances e bissexualidade. O mistério em relação ao presente de Antía soa cansativo algumas vezes, mas condiz com a abordagem escolhida para o filme, que se foca em Julieta, mostrando que a fragilidade sentimental e carência não necessariamente suprimem a capacidade e força do ser feminino.
Apesar de cauteloso, Julieta ainda é um produto interessante, emocional e poderoso no montante de seus dramas. As informações sonegadas de certa forma ajudam na composição da obra, que mistura um drama novelesco e uma estética comum à narrativa policial clássica, servindo mais uma vez de ode à mulher.