Crítica | A Travessia
Depois de uma carreira quase toda dedicada a brincar com o imaginário infantil, Robert Zemeckis voltou sua filmografia para dramas mais realistas, cujo caráter era bem mais adulto (a exemplo de O Náufrago e O Voo especialmente), ainda que o cunho de fantástico ainda estivesse presente em todas essas sequências. Em A Travessia, cinebiografia do equilibrista Phillippe Petit, existe uma amálgama destas distintas fases da carreira do cineasta, uma vez que as proezas mostradas em tela, beiram o irreal, graças às belas descrições do próprio.
Baseado no livro do personagem documentado – To Reach the Clouds – o filme conta a trajetória de Phillippe (Joseph Gordon Levitt) através de uma narração óbvia, que faz mais lembrar as películas de Ron Howard do que as de Zemeckis, ainda que Levitt consiga imprimir muito mais emoção e carisma do que o usual. Cada detalhe é contado com um inedistimo ímpar, desde o deslumbre do biografado enquanto criança, até a ascensão como artista circense.
Zemeckis orquestras belas cenas filmadas dentro do formato 3D, em um ambiente que propicia uma atmosfera deslumbrante, graças ao comum imaginário infantil e juvenil, que glamouriza demais os artistas de circo. Aos poucos, outros entes se reúnem ao redor do enorme sonho de Phillippe, ditos pelo mesmo como cúmplices, pessoas que em cooperação gratuita e empática fariam ocorrer a difícil execução do que seria o maior feito do homem. A primeira delas é Annie (Charlotte Le Bon), uma bela cantora que o acompanha desde o início em sua obsessão em atravessar através da corda as duas torres do ainda não solidificado Word Trade Center.
O período de construção do plano engloba a preparação para se tornar cada vez mais exímio, reunindo mentores, abandonos da família e muitos eufemismos franceses. O ethos de Petit é o mesmo de uma artista desbravador, não conhece limites normativos, tampouco se permite deixar de viver seu sonho em tempo integral. A mensagem central do filme é viajandona, flertando até com o anti-capitalismo, resultado especialmente pela recusa tardia de Papa Rudy (Ben Kingsley), que dedica ao seu pupilo seu tempo e segredos, muito além de qualquer interesse monetário.
Apesar do término bastante piegas – relembrando a tragédia de 11 de setembro, mas ainda assim não tão grave quanto no anterior O Vôo – o diretor consegue amarrar uma história interessante, sentimental e apaixonante, com cenas bonitas que não ousam do ponto de vista de realizador , como é bastante comum na filmografia do diretor. A história presente no roteiro de Zemeckis e Christopher Browne consegue ludibriar a realidade e tocar os sentimentos de plateias adultas e infantis, resgatando uma questão idosa como o mundo, o homem em busca do sonho de sua vida e querendo fugir do ordinário e da mediocridade, com um clima de suspense que fita o espectador em sua cadeira em todo o tempo de duração do filme.