Crítica | Inferno
Certos autores são conhecidos pelo estilo e uma estrutura narrativa facilmente identificáveis em suas obras. Algo que podemos chamar de assinatura. Isso se reflete nos livros de autores como Nicholas Sparks, Stephen King, John Grisham, Nora Roberts, em maior ou menos grau. Em alguns casos, esses estilos são configurados pela crítica especializada como excessivamente formulísticos, e por vezes, repetitivos. É o que ocorre com Dan Brown.
A cada lançamento de um novo livro, há grandes discussões acerca dos temas levantados pelo autor, gerando debates infindáveis sobre suas teses e teorias apresentadas em seus livros, geralmente discutidas por leitores que desejam refutar seus argumentos. No entanto, pouco se explica sobre seu sucesso e os milhares de exemplares vendidos a cada novo livro lançado. Roger Ebert dizia que não se deve analisar obras com objetivos distintos da mesma forma, assim deve-se estabelecer uma diferença ao analisar uma obra literária como Inferno, de Brown, e a Divina Comédia, de Dante Alighieri. Ou será que algum crítico escreveria sobre o poema épico de Dante alegando ser uma história menor, já que não conta com o dinamismo, divertimento e a tensão ininterrupta de um livro de Brown?
A adaptação para os cinemas de Inferno, novamente dirigida por Ron Howard, traz às telas os pontos mais frágeis das obras do escritor. Inferno é excessivamente expositivo, irritantemente bobo e rapidamente esquecível. A trama intensa e rápida, típica dos livros do autor, serve apenas como um meio para que o público esqueça dos problemas narrativos de sua versão cinematográfica e que não se atenha aos absurdos e buracos que aparecem pelo caminho.
Nesta nova aventura de Robert Langdom (Tom Hanks), o bilionário Bertrand Zobrist (Ben Foster) cria um agente patogênico capaz de dizimar metade da raça humana, já que esta estava em perigo devido a superpopulação mundial. A fórmula de Brown se mantém como de costume em pistas deixadas por um homem morto, arte renascentista, organizações secretas, investigações, diálogos expositivos e perseguição ao protagonista.
Howard inicia a trama como um bom thriller hitchcockiano, ao captar uma cena de perseguição ao personagem de Zobrist encurralado ao topo de uma torre, remetendo ao clássico Um Corpo Que Cai. Na cena seguinte, Langdom está no hospital, aparentemente ferido e sem memória, apresentando ao espectador a história que ele irá contar nos próximos minutos. Deixando de lado o fato de se tratar de uma muleta narrativa que utiliza a amnésia dos seus protagonistas para empurrar sua história, infelizmente o longa abusa da boa vontade e sempre introduz alguma lembrança convenientemente nos momentos em que o protagonista mais precisa daquela informação. Isso é realizado até mesmo em pontos-chave da trama onde esta atinge um clímax, para logo após ser interrompido por seções de flashback ou de diálogos explanativos, apesar da obviedade da informação fornecida.
Se a trama gira em torno de um senso de urgência, o que motiva essa corrida contra o tempo não se reflete de maneira justificável, já que a desculpa utilizada soa risível. O mesmo pode ser dito sobre a participação de Langdom na série, já que suas intervenções aqui são bem menores, podendo ser substituído por qualquer outro personagem sem o menor problema, servindo até mesmo como mero fornecedor de dados históricos da obra de Dante Alighieri, diferente dos filmes anteriores. O que fundamenta o tom genérico do roteiro.
O roteiro de David Koepp não consegue amarrar as pontas soltas ao longo de sua narrativa. O amigo de Langdom, Ignazio Busoni (Cesare Cremonini) é trazido à trama, mas é rapidamente ignorado, pouco importando o destino da personagem, bastando um e-mail dizendo que ele havia fugido de seus perseguidores. O mesmo vale para a personagem Sienna Brooks (Felicity Jones, realizando uma interpretação burocrática e ligada no piloto automático), apresentada como uma mulher metódica – curiosamente o diretor cria um plano-detalhe da personagem arrumando cuidadosamente os objetos deixados na mesa – no entanto, isso é prontamente esquecido na composição da personagem.
Tom Hanks segue mais solto como Robert Langdom do que nos filmes anteriores, mas quem rouba cena é Irrfan Khan e Omar Sy, ambos confortáveis em seus papéis. A trilha sonora de Hans Zimmer não erra, e certamente é um dos pontos altos da trama, mesclando o clima renascentista existente na obra do autor florentino com o clima de ação e suspense de Brown.
Ron Howard entrega um filme excessivamente didático, onde os maiores méritos de seu trabalho como cineasta se transmuta com sua retratação da obra máxima de Dante, idealizado pela obra Inferno de Dante, de Sandro Botticelli. Infelizmente o roteiro peca pela sua falta de personalidade, burocratismo e furos, não transmitindo o dinamismo e a urgência dos livros de Dan Brown. Um desfecho amargo para a trilogia.