Crítica | Sexy e Marginal
Em primeiro lugar, temporalmente como é o caso aqui, nos é mais do que injusto esperar algo revolucionário de um cineasta revolucionário que ainda não havia chegado nesse patamar, exceto se o nome desse cara for Orson Welles. Mas é sempre estranho consumir algo, digamos, “lugar-comum” de alguém que você sabe das coisas maravilhosas que esse alguém já foi capaz – feito aquele livro rotineiro, ou a música mais ou menos de quem você já provou algo melhor.
Segundo que, Sexy e Marginal, o segundo longa oficial de Martin Scorsese após o seu debute de qualidade com Quem Bate à Minha Porta?, é uma clara preparação para um dos seus melhores filmes que viria logo a seguir: Caminhos Perigosos (Mean Streets, num título mais apropriado em inglês). Aqui, a estrada é devidamente pavimentada para sua carreira, mas a falta de habilidade do grande mestre na direção atrapalha em vários momentos, em especial se o espectador está acostumado com a excelência cinematográfica que Scorsese viria a conquistar.
Contudo, Scorsese já observava a realidade, no passado ou no presente, de uma forma bem conflituosa, como quem encara o mundo, independente das gerações no comando, com uma ótica de competitividade e ação progressista. Para isso, usa da tensão política que os EUA viveu nas suas primeiras décadas do séc. XX afim de nos apresentar Bertha Thompson, uma dócil Lolita progressivamente transformada numa Bonnie Parker devido a condição difícil que passa a enfrentar nos idos da sua vida de temores, principalmente após a morte do seu pai. É um dos desabrochar filmados de uma flor, menos frágil e mais destemida a cada dia, para encarar os conflitos de um mundo masculino e machista a base de jogatina, tramoia, traição e revolução.
O cineasta, inserido numa época e no drama de uma garota desamparada, mira no passado sem deixar de olhar para o futuro, através das mudanças que as novas tecnologias acarretaram e sempre produzirão no cotidiano dos lugares, e seus habitantes. Um amanhã simbolizado pela ferrovia que avança feroz pelos EUA, significando os avanços positivos e negativos que irromperam pela pátria afora e sem pedir licença, a despeito dos moradores mais tradicionais, e do complexo espírito humano que sempre continua o mesmo. Scorsese sabe disso, e cria momentos que demonstram ou apenas, com certa sutileza, evidenciam a nossa relação com as questões que moldam nosso caráter, ações e relações, sem cair no sentimentalismo piegas que tanto seduz os mais precipitantes dos artistas. Scorsese jamais se permitiu ser qualquer um.
Iria fazer alusão novamente aos períodos difíceis do seu país no conturbado Gangues de Nova York, talvez um de seus menos recomendáveis filmes, posto que não é diretor de filmes genuinamente ruins. Em Sexy e Marginal, Scorsese fez encenar o recorte de um tempo através do comportamento de uma personagem feminina e dos acordes de uma música folk vindos da gaita de um negro. Dois grupos sociais marginalizados na época, cujo os caminhos tortuosos repleto de fugas, matanças e reviravoltas, identificam-se por diversas semelhanças. Alheio a quaisquer estereótipos como sugere o título em português (de novo, a tradução brasileira erra feio acerca da essência de um filme do diretor), e evidenciando a força de uma mulher em sua filmografia, como iria demonstrar mais uma vez no ótimo Alice Não Mora Mais Aqui, eis um pequeno e esquecido filme nacionalista, assim como merece ser visto, e total merecedor da nossa visita estimada, ainda mais se você for fã de um dos mais famosos filhos da Big Apple.
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