Resenha | Superman: O Homem de Aço
Em 1986, a DC Comics deu carta branca a um dos maiores desenhistas da Marvel para recriar a seu modo o maior herói da casa. A editora havia acabado de publicar a maxi-série Crise nas Infinitas Terras e a intenção era reorganizar os 50 anos de cronologia e deixar as histórias mais agradáveis para um público novo. Assim, John Byrne ficou encarregado de reformular o Superman. A mini-série em seis partes O Homem de Aço foi escrita e desenhada por ele, com arte-final de Dick Giordano, e até hoje é motivo de discussões entre os fãs do personagem, por ter, segundo alguns, “marvelizado” o Superman.
Byrne quis deixar a história do personagem a mais simples possível. Para isso, varreu pra baixo do tapete muito da mitologia que o cercava, como os super-mascotes (Krypto, Raiado, Beepo, Cometa), e qualquer outro sobrevivente de seu planeta natal (como sua prima Kara Zor-El ou os criminosos da Zona Fantasma). Kal-El era, em sua visão, o Último Filho de Krypton.
A primeira edição abre com um prólogo narrando os momentos finais do moribundo planeta Krypton. Usando uma estética que combinava com a ficção científica da época, Byrne descreveu um planeta com uma sociedade bastante desenvolvida nos mais diversos campos da ciência, porém estéril em seus relacionamentos. Jor-El e Lara não eram mais os pais amorosos de encarnações anteriores. Na verdade, o casal mal se tocava e o bebê Kal-El fora gerado em uma matriz, através de um processo parecido com o de clonagem, e ainda não havia nascido. Também diferente da versão clássica, onde o bebê é colocado em um foguete para ter sua vida preservada da catástrofe, Kal era apenas um embrião quando foi enviado para a Terra. Krypton, que estava sofrendo com a instabilidade de seu núcleo, explode, matando todos os seus habitantes com exceção do embrião na matriz gestacional.
Isso já foi o suficiente para irritar muitos fãs do Superman na época. Parte importante de sua origem, de sua personalidade, sempre tinha sido sua ligação com o passado. O Superman pré-Crise era duas vezes órfão, o que lhe concedia uma bagagem emocional muito forte. Tudo isso se perdeu. Jonathan e Martha Kent estavam vivos e muito bem nessa nova versão, e qualquer coisa envolvendo Krypton não fazia sentido nenhum para o jovem Clark Kent. Mesmo a perda de seus pais biológicos não significaria nada, uma vez que nem mesmo os havia visto quando bebê.
A história dá um salto para a época em que o jovem Clark Kent jogava futebol americano no colégio, em Smallville. Também diferente da origem anterior, aqui Clark se vale de seus poderes para ser um atleta, querido por todos na escola. Morre a identidade introspectiva de outrora, quando o disfarce do Superman era o pacato repórter, meio abobalhado, que não lembrava em nada a figura do campeão de Metrópolis. Clark, na visão de Byrne, era popular o suficiente para almejar uma carreira no futebol. Ao final do jogo, Jonathan Kent o chama para lhe contar o segredo há muito guardado, e revela que é seu pai adotivo. Mostrando-lhe o foguete que o trouxe ao Kansas, o velho pai conta que o encontrou e criou como filho biológico desde então. Jonathan imaginou que fosse um foguete russo (a Guerra Fria ainda não tinha acabado quando a história foi publicada), e aproveitando-se de uma nevasca que durou meses e impediu que saíssem de casa, o casal apresentou o bebê aos amigos como se fosse seu.
Esse capítulo até hoje é bastante controverso, e muitos consideram John Byne xenofóbico por tê-lo escrito. Clark “nasceu” em terras norte-americanas, o que significa que o maior símbolo dos Estados Unidos não é mais um “imigrante ilegal”. Essa essência do “sonho americano”, da “terra das oportunidades”, onde qualquer um poderia alcançar o sucesso, cai por terra. O Superman de Byrne não era um imigrante, e sim totalmente americano como qualquer pessoa destacável deveria ser… Reflexo de sua época, quem sabe?
Clark inicia uma jornada de auto-conhecimento pelo mundo que o leva a salvar vidas anonimamente, até ser forçado a se revelar publicamente em um desastre envolvendo um ônibus espacial. Inicialmente, esse ônibus seria a Challenger, mas devido ao desastre que ocorreu no mundo real (a nave explodiu em um voo que levava, além da tripulação, a primeira civil a ir ao espaço – a professora Christa McAuliffe), os editores alteraram isso de última hora. Clark salva a nave e seus tripulantes e não pode mais esconder sua identidade. Assim, volta ao Kansas e com a ajuda de Jonathan e Martha Kent, cria um uniforme para usar nos momentos heroicos, surgindo assim como Superman. Dessa forma, seu traje não é mais indestrutível e nem veio com ele na nave de Krypton, bem como o símbolo no peito foi criado por ele mesmo e nada tem a ver com a Casa de El. Nenhuma referência ao planeta natal – até aqui, ele ainda não sabe de onde vem.
A segunda edição apresenta Lois Lane e a equipe do Planeta Diário na busca pela matéria mais importante do ano. Lois está bem caracterizada, assim como a equipe do jornal, e passa todo o capítulo buscando a primeira entrevista com o novo herói. Ousada, provoca um acidente de carro para ser salva e assim entrevistar o Superman, mas de nada adiantou: um novo repórter já havia escrito a matéria e seu nome era Clark Kent. Isso fez com que a relação entre os dois colegas fosse de rivalidade, pois Lois jamais o perdoaria por ter roubado seu furo de reportagem.
As edições seguintes apresentam, cada uma, um aspecto da vida do herói focando em seus coadjuvantes. Temos então o primeiro encontro com Lex Luthor (não mais um gênio do mal e sim um mega-empresário inescrupuloso), com o Batman (e a relação entre os dois não seria mais de “superamigos”, e sim de leve rivalidade), com Bizarro (uma tentativa de Luthor clonar o Homem de Aço que deu muito errado)… Até a última edição, na qual ele retorna a Smallville e descobre sua verdadeira origem.
Infelizmente, muitos “ganchos” espalhados pela história não são explicados. Claro que, nas edições posteriores de John Byrne, tudo fica esclarecido (quem é a figura misteriosa que o observa? por que ele passa mal ao chegar perto da nave?), mas falta um pouco de ação no último capítulo. Entretanto, a representação do Superman como um ideal a ser seguido é excelente, e Byrne consegue fazê-lo ser um bom-moço sem parecer chato. Em uma época em que os quadrinhos estavam começando a se tornar mais sombrios, é importante ver o Superman sorrindo com tanta frequência, voando com suas cores vivas e brilhantes pelos céus da Cidade do Amanhã.
Compre: Superman – O Homem de Aço