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  • Resenha | Batman 70 Anos: Volume 1

    Resenha | Batman 70 Anos: Volume 1

    Batman 70 Anos - Vol. 1

    Na celebração dos 70 anos de criação do Cavaleiro das Trevas, a Panini Comics lançou quatro volumes em homenagem ao Morcego. Batman 70 Anos – Volume 1 apresenta um compilado amplo de histórias publicadas em décadas diferentes, demonstrando como a personagem sofreu modificações durante vários períodos.

    Mesmo um leitor de anos das histórias do Batman precisa confiar no editor quando se tratam de edições compiladas. Salvo quem se aprofundou na personagem e conseguiu lê-la em sua totalidade, a seleção é filtrada pela visão do editor, cuja exigência é de que tais histórias não possam ultrapassar as tradicionais 25 páginas. Deixa-se de fora, portanto, a maioria das narrativas de 20 anos para cá em que se difundiram os arcos em diversas edições.

    A capa é dedicada a uma das imagens mais realistas do herói, desenhada pelas talentosas mãos de Alex Ross. O conteúdo apresenta nove histórias, cada uma representada por uma década, salvo a década de 80, com três aventuras.

    A primeira história é a única que foge da cronologia temporal com uma narrativa de 1986, Origens Secretas: Estrelando o Batman da Era de Ouro. É uma abertura interessante se considerarmos que a edição pode ser a porta de entrada para novos leitores. Mesmo contando uma história de um Batman anterior ao contemporâneo, a base de sua origem está presente, sendo uma boa alfabetização-morcego que resume a essência da personagem.

    Professor Hugo Strange e Os Monstros é o primeiro gibi de Batman a ser lançado oficialmente – na primavera de 1940 – e a segunda história a ser apresentada na edição. A questão de escolher uma primeira aventura é arbitrária. Poderia ser a estreia do herói na Detective Comics, mas optou-se por uma das histórias do primeiro número de Batman (1940). Com desenhos de Bob Kane, criador do herói, a trama apresenta o retorno de Strange de maneira simples se comparada às tramas atuais.

    Mais de 100 edições à frente, mesmo tendo estreado quase que em sincronia com Batman, o menino prodígio Robin entra em cena em uma história lúdica. O Morcego ajuda um carro desgovernado e salva a família Jones. De presente, o bebê do casal ganha o nome de Batman e, ao crescer, sente-se impelido pelo senso de justiça. A trama não tem nada do conhecido lado sombrio da personagem e chega a cometer um erro referencial estranho. No interior das histórias, não se passaram dez anos para que o garoto – recém-nascido nas primeiras páginas – alcançasse uma idade suficiente para se aventurar em ser um Batman postiço. Por outro lado, observamos como o herói era visto na época e como os temas eram mundanos, sem uma elaboração maior de sagas.

    Sob este aspecto, há exagero didático. As narrativas, que acompanham os desenhos, ainda não pareciam compostas para o mesmo objeto. Considerando que os quadrinhos engatinhavam na época, é perceptível a falta de arrojo técnico entre texto e imagem, ainda não tão bem integradas neste início. Outro ponto de referência sobre a mudança paradigmática do Morcego é que não havia problema algum com eventuais baixas de vilões, elemento que, hoje, impede Batman de dar um fim definitivo a diversas personagens.

    Publicada em fevereiro de 1963, Prisioneiro de Três Mundos dá um passo além na narrativa, melhor integrada entre desenho e texto e demonstrando talentosamente como uma história de 25 páginas pode ser enxugada em três partes bem desenvolvidas. Indo além dos crimes mundanos, Batman lida com a chegada de um alienígena que o transporta para outra dimensão. Se a história parece diferente de início, ao menos é bem explorada e demonstra bom crescimento narrativo com tramas narradas em paralelo. Há a presença das primeiras encarnações de Batwoman e Batgirl, personagens da Era de Prata que sumiram (recentemente Batwoman foi reintegrada no reboot). Apresenta também um Bruce Wayne tão devotado ao crime que evita deixar-se seduzir pela Batwoman, evidenciando sua retidão em relação ao crime e somente ela.

    Estas histórias também apresentam um recurso não mais utilizado atualmente, o de fazer a primeira página da história uma abertura que apresenta um quadro significativo da narrativa. Nos dias de hoje, as tramas utilizam o flashback narrativo como gancho, porém as primeiras páginas com um desenho impactante eram um bom teaser do que iria acontecer e, sem dúvida, agitaram os leitores da época que folheavam as edições.

    As três histórias seguintes foram lançadas na década de 80 em período anterior a Crise Nas Infinitas Terras. De Quantas Maneiras Pode Se Matar Um Robin traz parte do elemento sombrio que atualmente parece necessário para o funcionamento de uma boa narrativa do encapuzado. A trama é um jogo psicológico entre Batman e um vilão que sequestrou Robin e demonstra quantas formas o menino-prodígio poderia morrer. Novamente, o habilidoso recurso de utilizar capítulos em uma história de 25 páginas é utilizado, dando dinamicidade à trama, além de uma boa dose de suspense.

    Dialogando com a morte dos pais de Bruce Wayne e com a tradição de que Thomas Wayne sempre foi um exemplo dentro de Gotham, O Último Natal do Batman é um retorno ao passado que coloca em xeque a integridade de Thomas. Na época, o herói encapuzado possuía traços mais pesados, com uniforme mais ameaçador e os olhos na máscara funcionando como traços pontudos de um olhar sempre irritado. Helena, sua filha com Mulher-Gato, é o apoio que o ajuda a desvendar se o pai foi um criminoso ou apenas incriminado.

    Todos Os Meus Inimigos Contra Mim! é a primeira menção ao Coringa, o conhecido grande arqui-inimigo do Morcego. Apesar de aparecer somente na quinta história do compilado, o roteiro de Gerry Conway produz um grande plano em que o vilão convoca diversos outros comparsas conhecidos para um ataque definitivo a Batman. A trama marca a 500ª aparição de Batman na Detective Comics, o que explica a reunião épica para a edição. Também marca a primeira aparição de Jason Todd, que se tornaria o futuro segundo Robin. Antes da Crise, a origem de Todd era exatamente a mesma de Dick Grayson, menino-prodígio primordial. A diferença é que é o próprio Grayson que adota o garoto nesta história, terminando em final feliz, com direito à união das personagens de mãos dadas caminhando juntas em um dia ensolarado.

    A primeira história pós-Crise surge seis anos depois, originalmente publicada em The Batman Chronicles 5: uma aventura infantil do pequeno Bruce Wayne e de sua relação com Alfred. Embora demonstre com eficiência o paternalismo do mordomo, a escolha desta história serve como diferencial das habituais tramas do Morcego. Até porque nesta época a maioria das narrativas era dividida em diversas partes.

    Fechando a edição, mais um exercício dentro de muitos que surgiram a partir da origem oficial de Bruce Wayne como herói. Dessa vez, Brian Michael Bendis e Michael Gaydos situam a biografia da personagem em uma história em preto e branco que faz referência direta ao clássico de Orson Welles, Cidadão Kane. Uma bonita história que aproxima os elementos do filme – popular e rico homem é morto e um repórter investiga sua história para uma matéria –, entrelaçado com os amigos e inimigos do Morcego, num interessante final que trata a origem da palavra Rosebud neste contexto.

    Como primeiro volume de uma seleção comemorativa, o início é mais funcional do que seu fim. Como todo compilado, a escolha é limitada, dando-nos a impressão de que muito ficou de fora em razão das páginas dentro das necessárias. Infelizmente, há total falta de textos informativos ou qualquer aditivo que ampliem o brilho desse panorama que, apesar de não parecer completo, é uma edição importante, ainda mais se considerarmos que boa parte desse material nunca saiu em formato americano no país.

  • Resenha | Batman: Contos do Demônio

    Resenha | Batman: Contos do Demônio

    Contos do Demonio - Batman

    O principal fator que motivou a criação de Ra’s Al Ghul por parte de Denny O’Neil e Neal Adams era a necessidade que o herói possuía de ter um grande vilão. Isso já acontecia com o Batman, levando em consideração a presença do Coringa, mas, nos idos dos anos 70, sua figura já não era muito condizente com o teor mais adulto e sério de sua abordagem. O contraponto ao senso de justiça do detetive vem com o Cabeça do Demônio, que tem uma motivação semelhante à do nêmese, que, ao invés de olhar somente uma metrópole como algo de necessária proteção, procura abranger o salvamento do mundo todo. Porém, tal método se realizava por vias muito mais radicais que as do cruzado encapuzado e de forma muito mais egocêntrica, visto que Al Ghul se via como o futuro ditador do planeta.

    A edição Contos do Demônio da Panini reúne os trabalhos de O’Neil e Adams e também contém o texto introdutório de Sam Hamm — um dos roteiristas de Batman – O Filme e Batman – O Retorno —, além de um posfácio de O’Neil. A primeira história do encadernado é No Covil dos Assassinos, com arte de Dick Giordano, no qual introduz a voluptuosa Talia Al Ghul. Publicado em 1971, Batman se esgueira pela cidade num contraste entre o lodo das ações dos marginais e o ponto alto, a Estátua da Liberdade, onde encontra um informante, morto pelo misterioso Daaark. A curta história desemboca numa tentativa de fuga atabalhoada em que Talia demonstra uma faceta de moça em perigo, bastante diferente do estereótipo de femme fatale que assume mais tarde.

    Em A Filha do Demônio, Adams assina a arte com Giordano, e a identidade secreta do encapuzado é mostrada muito facilmente desbaratada. Ao ter de se deslocar ao subúrbio para ir até a bat-caverna, Batman, no subterrâneo da mansão, se depara com Ra’s Al Ghul, que teria raptado Talia assim como mantinha o Garoto-Prodígio cativo. Nas cenas recordatórias do incidente que deu origem ao herói, o lápis de Adams emula os primeiros momentos da arte de Bob Kane à frente do título da Detective Comics. Mesmo antes da virada no final, é possível prever o que ocorrerá. Ubu, o guarda-costas de Ra’s, faz questão de sempre lembrá-lo que “O Mestre vai primeiro”, mantendo seu líder na dianteira — como ocorre com a divindade do Candomblé, Exu, Orixá que sempre recebe as oferendas logo de início. Al Ghul é um exímio jogador, pondo-se passos adiante de todos que com ele competem, incluindo Batman. Sua face é curiosamente esculpida em montanhas pelas quais eles passam, e as armadilhas parecem feitas cuidadosamente para assustar os aventureiros, mas não para matá-los, como notado pelo investigador, que reage de forma justificadamente irritada pela fracassada tentativa dos vilões em ludibriá-lo. Após esse fato, ele trata de expor as intenções vis de seu opositor, tendo ainda uma última surpresa.

    Como no número anterior, a história Pântano Sinistro começa com um susto de Alfred e a aparição do Cabeça do Demônio  no que seria quase uma fórmula para O’Neil. Os desenhos dessa vez são de Irv Novick e Dick Giordano, e a trama envolve o roubo de um experimento dos laboratórios do novo nêmese do Morcego. Uma cena de ressurreição é mostrada, ainda que seja somente a imaginação de Bruce baseada na narração de Al Ghul, portanto sendo muito diferente das descidas ao Poço de Lázaro.

    Da mesma equipe criativa da história anterior, esta Vingança Para Um Homem Morto mostra o Morcego sendo salvo por Talia em uma de suas investigações. A imagem da moça consegue transitar facilmente entre a de um gato preto — belo e atraente, porém azarado — e a de um talismã que produz sorte e faz o herói sair da enrascada, ainda que a origem desse imbróglio seja por vezes ligado ou originado por ela. Somente após ver a falta de escrúpulos de Ra’s Al Ghul ao manipular os restos mortais de um ser humano para lograr êxito em seus intuitos, o herói percebe o falho caráter do dito imortal. Mas, apesar disto, o Cabeça de Demônio se assemelha mais ao arquétipo do anti-herói do que ao de um vilão clássico, uma vez que suas intenções não são necessariamente más, e sim extremas, visando sempre algo bravo e justo ao menos sob seu ponto de vista.

    O herói volta a passar por histórias mais soturnas, bem diferentes das aventuras burlescas dos anos 60, as mesmas que inspiraram o seriado de Adam West. Tal retorno às sombras foi muito anterior ao Cavaleiro das Trevas de Miller, pois já dava os seus primeiros passos com estas histórias de O’Neil, ainda que o início tenha sido realizado timidamente. Primeiro, a polêmica parceria com Robin é deixada de lado, visto que Dick Grayson está estudando em Hudson, o que faz com que suas participações sejam muitíssimo esporádicas. Em Bruce Wayne… Descanse em Paz! é arquitetado um sequestro farsante do milionário filantropo, cuja intenção envolve diminuir as chances do herói em ser pego com sua identidade civil, já que ele estaria em uma “guerra” contra o mais astuto dos antagonistas. Nessa e na próxima história (O Poço de Lázaro) o Morcego cria “aliança” com o gangster Fosforos Malone, o que possibilita a ele conseguir chegar a meios que ele não alcançaria sozinho. Após uma longa viagem, Batman finalmente ataca seu adversário, vendo-o voltar do mundo dos mortos. O embate entre os dois inimigos deixa de ser teórico e intelectual para finalmente chegar às vias de fato, em O Demônio Vive Outra Vez, ainda que de modo abreviado, em virtude de contratempos com os aliados do Morcego. O duelo é finalmente concluído com uma disputa de esgrima na qual o valor dos contestes é provado.