Crítica | Os Implacáveis
Costuma-se dizer que o único filme que sobreviveu ao ano de O Poderoso Chefão foi o musical Cabaret, com suas cenas extravagantes e Liza Minnelli roubando os corações. Todo o resto foi eclipsado pelo monumento definitivo da máfia italiana na América, o fenômeno crítico e de bilheteria que se tornou o começo da saga dos Corleone. Mas ainda em 1972, Lágrimas da Esperança não estava sozinho em sua escandalosa esnobada, já que um heist movie (filme de assalto) também sobreviveu ao impacto liderado por Marlon Brando e cia com o tempo ajudando-o a não ser esquecido para sempre. Os Implacáveis é um desses filmes que não poderia faltar no currículo de Sam Peckinpah, especialista em filmar homens caóticos em situações impossíveis de dar certo. Seus filmes parecem panelas de pressão, assisti-los é esperar uma explosão inevitável, e ao contar uma história de assalto ao banco, tudo e todos irão voar pelos ares a qualquer momento.
Doc McCoy é um velho ladrão condenado, liberto da cadeia por um político corrupto que o contrata, junto de outros dois, para roubar uma pequena agência bancária dos Estados Unidos. Como todos são cúmplices e imorais (vilões de si mesmos) e amam o cheiro do dinheiro, cada um possui um esquema para matar o outro e ficar com tudo. Só que ninguém sabe atirar tão bem igual o Doc, e logo, o veterano fora-da-lei é o alvo de todos os envolvidos, incluindo a sua namorada, a qual é a única que ele pode confiar (será?).
A produção é um retrato explícito de como a América é o lar da corrupção e da paranoia que existe entre os cidadãos. Um país cujo Deus sempre foi o dólar, que aguça a desumanidade e a ganância do homem. Uma cena que simboliza isso é a do menino negro, brincando de bandido com sua arma de mentira no trem que Doc usa em uma de suas fugas com o dinheiro. Tudo em nome do Deus de papel, cultuado (e somente ele) desde os tempos do bang-bang.
Peckinpah construiu seu cinema em torno disso, desta crítica ao sistema financeiro que corrompe os corações e estimula as competições desiguais, e aqui o diretor manipula duas horas de pura tensão e ação, como um político de terceiro mundo a manobrar as multidões perdidas. Um cineasta magistral, é dele que veio Meu Ódio Será sua Herança e, em 1972, estava prestes a produzir o soberbo Pat Garrett e Billy the Kid.
Ao adaptar o romance de Jim Thompson, Peckinpah ainda contou com o grande ator Steve McQueen e coadjuvantes de peso para compor um elenco que encarna com precisão figuras marcadas pela tragédia à espreita, nômades sempre em movimento, adiando a morte. O visual tampouco decepciona, já que sabemos estar assistindo a uma obra do diretor desde a sua montagem típica de quem controla totalmente a realidade na tela e o seu ritmo, até a fotografia naturalista, sem filtros na imagem. Assim, como filme de assalto, Os Implacáveis expõe (de novo) a alma da América, e ela não é nada convidativa. Filmaço.