Resenha | Vida – Keith Richards
Keith Richards passou de músico à rock star e hoje em dia já está muito acima disso. O guitarrista se tornou um ícone da história da música que não será esquecido, seja pela sua importância como músico ou pelos exageros vividos em sua carreira. Muitos o consideram apenas um drogado, outros a personificação do Rock and Roll. Keith é um pouco disso tudo, o herói renegado esquisitão do Rock. Em sua biografia, Vida, Keith deixa claro que é e já foi um pouco de tudo e derruba o mito que envolve sua imagem.
Quase todos os Stones já tiveram suas histórias contadas em livros, agora foi a vez de Keith. Nesse ano os Rolling Stones completam 50 anos de carreira, desde o início da banda o guitarrista sempre foi peça fundamental para que ela continuasse existindo. Vida conta um pouco sobre toda a trajetória de Keith, desde os anos dourados do rock and roll à pouco depois da sua turnê A Bigger Band.
James Fox, biográfo de Keith assume a tarefa de contar sua história e que por incrível que pareça, é muito minuciosa, como descrito em sua capa, “Esta é minha vida. Acredite se quiser, eu não me esqueci de nada“. O livro conta um pouco sobre a infância difícil, seus primeiros contatos com a música ouvindo Django Reinhardt, a descoberta do Rock and Roll, suas primeiras aulas de música com seu avô, seu temperamento rebelde, entre tantos outros detalhes de um jovem nascido numa Inglaterra estilhaçada pela Segunda Guerra.
Uma parte de destaque é sem dúvida os relatos de Keith durante o início da banda, a falta de dinheiro e como a inexperiência não os impediram de tocar o que queriam. Apesar da banda ter se revelado como um sucesso muito rapidamente, o livro deixa claro o comprometimento de todos. O apartamento onde Keith vivia com Mick Jagger e Brian Jones era paupérrimo e por vezes passaram fome pela falta de dinheiro. Todos esses detalhes são narrados de maneira clara e fascinante.
Em todo livro, Keith mostra não se importar ao contar sobre seus problemas com drogas ou mesmo a crise criativa no início da carreira, um tabu para boa parte dos músicos. O músico não mede palavras para falar do seu relacionamento conturbado com Brian e Mick, as brigas internas pelo poder dentro da banda, seus problemas com as autoridades. O interessante do livro é que em nenhum momento você sente uma postura de autocensura, aparentemente, o que há para ser dito está escrito, sem meias palavras.
As brigas internas, o consumo de drogas e o relacionamento conturbado com Anita Pallenberg são capítulos à parte da história de Keith, nenhum retratado de maneira que tente transformar o homem em mito, o biógrafo mostra uma faceta que o humaniza. Sua dependência é mostrada de forma transparente, Richards afirma ter abandonado a heroína no final da década de 70, mas não tenta fazer um discurso anti-drogas como o da biografia do Eric Clapton. O mesmo ocorre para as suas notórias prisões.
Apesar de sempre alegar que as drogas nunca afetaram seu trabalho, sua própria biografia demonstra o quanto afetou toda a banda. Esse quadro acaba culminando numa postura de líder obsessivo do grupo por parte de Jagger, no entanto, no entanto, ao se recuperar do vício, Keith bate de frente com o frontman ao se tornar um membro mais participativo, principalmente dos negócios da banda, o que quase culmina no fim dos Rolling Stones. Esse ambiente é muito bem relatado durante as gravações de alguns álbuns dos anos 80.
Sua relação com as mulheres é interessante, diferente de Mick, Keith se apaixonou poucas vezes e diz não entender a obsessão de Mick e Bill Wyman em se deitar com inúmeras mulheres. A cereja do bolo fica por conta de detalhes de execução de músicas e gravações, a forma como o guitarrista encara a música, sua postura em relação as pessoas que o influenciaram. Um capítulo interessante é dedicado aos músicos pela forma como Keith toca sua guitarra e as afinações que ele utiliza.
Em certo ponto do livro, Keith fala sobre o preconceito racial que existia no meio musical, algo que ele nunca entendeu, já que pra ele o que sempre importou era apenas o som. Sua paixão pela música é relatada de forma simples em um trecho que transcrevo a seguir:
“…ficava fascinado assistindo às pessoas fazerem música. Se estavam na rua, eu ficava orbitando em volta delas. Meus ouvidos captavam nota por nota. Não importa se estava desafinado, havia notas acontecendo, havia ritmos e harmonias, e tudo isso começou a entrar em foco nos meus ouvidos. Era muito parecido com as drogas. A bem da verdade, era uma droga muito mais forte que a heroína. Eu consegui chutar a heroína; mas não consegui me desvencilhar da música. Uma nota leva a outra e você nunca tem exatamente certeza do que vem depois, nem quer saber. É como andar numa corda bamba maravilhosa.”
O livro é recheado de detalhes relatados de maneira sincera, desde sua vida pessoal, seu distanciamento com Mick, a descoberta do câncer de Charlie Watts, entre tantos outros. Tudo isso em mais de 600 páginas biográficas, repletas de fotos, cartas e depoimentos de pessoas próximas, de um mito da música mundial. E para quem insiste em afirmar que os Stones já deveriam ter terminado, concluo essa resenha com uma frase do próprio Keith:
“Tem gente que me pergunta por que eu não paro. Só vou me aposentar quando bater as botas, Acho que eles não entendem o que isso me dá. Não é só pelo dinheiro ou por você. Faço isso por mim.”