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  • Crítica | A Comédia Divina

    Crítica | A Comédia Divina

    Os letreiros do começo de A Comédia Divina avisam que a história a ser contada é levemente baseada no texto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis. Tal associação se complica graças ao filme que Toni Venturi concebeu, não por motivos ideológicos, e sim pela concepção bem equivocada com que o novo filme do diretor de Cabra Cega traz à luz.

    O espectador é apresentado ao tal diabo, vivido por um Murilo Rosa canastrão, mas que não incomoda em nada a plateia. O que de fato causa desconforto é a atmosfera criada em torno de si. O anjo decaído é mostrado com seus caricatos capangas em cenários estilizados de maneira quase mambembe. Na trama, o inimigo de Deus (interpretado por Zezé Motta) decide fundar sua própria igreja, utilizando a vida da jornalista Raquel Brackman (Mônica Iozzi) para propagar via imprensa as suas ideias e conceitos.

    Iozzi tenta garantir um pouco de personalidade a sua protagonista, mas o que se vê é um sem número de situações forçadas e envolta com personagens caricatos e eventos clichês. A televisão em que Raquel trabalha é uma amálgama de características usuais de canais como SBT, Rede Globo e Record. Nem as tentativas de soar metalinguístico funcionam, causando uma comoção às avessas em quem assiste, uma vez que é bastante constrangedor acompanhar a ascensão pessoal e profissional da jornalista. Há uma tentativa fracassada de se realizar um comentário social a respeito da abordagem midiática geral, mas os argumentos, infelizmente, não passam da superfície.

    Os cenários divinos contém os efeitos de animação mais sofríveis entre todos os aspectos negativos do filme, céu e inferno parecem ter sido feito por crianças que acabaram de aprender a usar as ferramentas do software flash. Ao final, há uma referência a O Sétimo Selo, trocando-se o jogo de xadrez ao jogo da velha. O resultado final de A Comédia Divina se mostra como uma versão menor e menos sofisticada de outros produtos de temática religiosa, sem qualquer traço de crítica e ausente de carisma em seus personagens.

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  • Crítica | O Espelho (2015)

    Crítica | O Espelho (2015)

    O Espelho 1

    Parte que cabe a Rodrigo Lima no projeto em quatro partes  Tela Brilhadora, O Espelho trata das obsessões humanas, usando como cenário o ambiente rural e como artifícios linguísticos os ruídos naturais e balbucios selvagens. A intenção do filme é adaptar um conto do escritor Machado de Assis, elucubrando sobre o abstrato presente na mente do sujeito.

    Augusto Madeira interpreta um indivíduo que atendeu a um estranho chamado, para a porta de um sítio abandonado. Seu nome é Jacobina, e ele não demora a adentrar o espaço, encontrando então uma misteriosa mulher, executada pela bela Ana Abbott, que emerge do lado e do lodo, rugindo como um bicho. Sabrina finalmente rompe o silêncio, após quinze minutos de tela, dialogando com o homem que está a sua frente, para estabelecer um novo tipo de contato.

    A tentativa de Lima é em fazer poesia através de sua câmera, abrindo uma discussão sobre os estados de consciência humana, usando o reflexo no espelho para aludir ao retorno do estado mental humano a fase do primitivismo. A alegoria, nada inédita, serve de parâmetro para alguns dos problemas do filme, que acaba sendo redundante mesmo diante do curto espaço de tempo reservado ao desenvolvimento de sua história.

    A retórica do filme revela pouco além do usual, o que faz o esforço em ser espirituoso soa banal, e até frívolo, o que configura um enorme pecado pas intenções prévias do longa metragem. Rodrigo Lima pouco produz como diretor, e nem a desculpa de ser a sua realização algo semelhante a uma tela em branco para suas personagens tentarem brilhar, uma vez que Madeira e Abbott não executam personagens muito profundos, até por causa da proposta. O Espelho parece uma ótima ideia para um filme de tiro curto, não para um intermediário entre média e longa metragem.

  • Resenha | Fim – Fernanda Torres

    Resenha | Fim – Fernanda Torres

    Fim - Fernanda Torres - capa

    A morte é um assunto bastante abordado em meios literários e culturais em geral, sendo motivo de pauta e objeto de estudo para aqueles que ficaram. Dessa forma, a abordagem desse momento, ao qual todos nós estamos a fadados a chegar, pode ser realizada de diferentes maneiras. Alguns optam por uma recapitulação da vida do finado, demonstrando cuidado ao se trabalhar o relato sobre aqueles que estiveram ao seu lado, pontuando algumas concepções da vivência pregressa do falecido, suas obras, e em menor escala, o ponto final. O último respiro. O momento derradeiro.

    Fim, de Fernanda Torres, abrange um pouco essa questão, mas, acima de tudo, narra o fim último, aquele em que não há mais possibilidades de conserto ou redenção. O romance aborda o morrer, a morte como o inexorável, mas também a vida e nossa corrida descompassada em busca dela. Seus personagens parecem saídos de um filme de Denys Arcand, trágicos, aguardando o irreversível. Fernanda dialoga com Nelson Rodrigues, influência presente em seu texto. A narrativa também tem um quê machadiano, ao descascar as aparências e na maneira com que a trama é contada, de forma similar a Memórias Póstumas de Brás Cubas. Frise-se que esses diálogos sugerem apenas uma bagagem da autora incorporada a sua narrativa sob influência desses autores, não supondo, portanto, comparações diretas com suas bibliografias.

    Na trama, somos apresentados a cinco amigos, já acima dos 50 anos e à beira da morte. A narrativa é desenvolvida em primeira pessoa e entrecortada pelo derradeiro final com pessoas próximas ao falecido, oferecendo diversas perspectivas sobre o protagonista daquele capítulo. Fernanda é impiedosa. Fim não traz nada de sabedoria e paz que alguns dizem reservadas à velhice. Seus personagens são ressentidos, desamparados e alguns se mantêm em uma vida de esbórnia. Álvaro é solitário, dono de uma impotência que parece não afirmá-lo como homem e que também não dá sinais de preocupá-lo, além disso, abandonou seu amigo no momento em que este mais precisava; Neto é conservador, dono de um preconceito implícito que o faz seguir um modelo de vida sem possibilidade para erros, mas que quando se dá conta de sua vida já é tarde demais; Ciro, o sedutor, é repleto de falhas, passa a vida correndo em busca de algo que sabe que nunca mais terá.

    Fim é melancólico, corrosivo, sarcástico e denso em muitos momentos. Seus personagens são reflexos de todos nós e violentam alguns valores morais com uma crueldade louvável, talvez por isso tenha dividido opiniões por aí. Bela estreia, Fernanda.

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