Tag: Maria Augusta Ramos

  • Crítica | Futuro Junho

    Crítica | Futuro Junho

    Após realizar uma trilogia que abordava o modo como o sistema jurídico brasileiro e a sociedade enxergavam o cidadão de renda baixa, com Justiça, Juízo e Morro dos Prazeres, Maria Augusta Ramos passou a usar sua câmera para acompanhar os dias de quatro trabalhadores de São Paulo, durante as manifestações que ocorrem no período em torno da Copa do Mundo de 2014.

    O filme tem uma linha narrativa que segue os eventos que começaram em junho de 2013. O fato de acompanhar quatro pessoas diferentes gera discussões de diferença ímpares entre si. Um dos homens que a câmera acompanha é um professor de economia, e em suas rodas de conversas acontecem discussões a respeito da política instaurada no poder e de quem lucrava com a Copa no Brasil.

    A intimidade e rotina dos documentados não engloba só a movimentação política e o trabalho diário, mas sim a busca por ter uma vida minimamente digna, normalmente passando por momentos cruciais, como a tentativa de driblar a burocracia do sistema de saúde para que um dos biografados consiga fazer uma criança de sua família ser atendida. Na pratica, as discussões vistas num dos outros núcleos, ganha contornos de realidade aqui, uma vez que é a realidade tangível dessas pessoas, enquanto a Fifa, CBF e demais autoridades cobram exigências atrozes para o governo brasileiro, imprensa e até ao povo, a população comum pena, sem acesso básico a saúde, o que por si só é digno de nota e de revolta.

    Aqui, Ramos dá espaço para discussões a respeito da parcela de culpa do PT e seus mandatários na crise que acontecia no Brasil, e que era negada a todo custo, mas mesmo através dos seus personagens, não há um juízo de valor totalmente estabelecido. Analisar essa obra após ver ou rever O Processo é um exercício bem curioso, pois a medida que a diretora presta seu cinema a dar voz aos políticos do PT, ao seu ver injustiçados, o alvo da crítica aqui são os mesmos que tentam defender o governo e mandato de Dilma Rouseff.

    Há semelhanças cabais entre esse e Peões, de Eduardo Coutinho, não no caráter da abordagem, mas sim no espírito de dar voz aos atores políticos que normalmente não tem holofotes. Apesar de não ser um filme que resolve todas as discussões a respeito das manifestações políticas do Brasil na época do Junho de 2013, servindo bem como explanação sobre um dos equívocos de Petra Costa em seu Democracia em Vertigem, que banalizou de maneira reducionista essas manifestações, e muito provavelmente também servirá de contra-ponto ao futuro filme de Josias Teófilo (de Jardim das Aflições) que tenta utilizar esses mesmos protestos como marco zero para a movimentação de extrema-direita e conservadora que levou Jair Bolsonaro ao poder. Mesmo sendo um filme menor em sua filmografia, Ramos dedica seus esforços e talentos para tornar essa obra em um objeto relevante, inteligente e certeiro.

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  • Crítica | Juízo

    Crítica | Juízo

    No inicio do documentário de Maria Augusta Ramos, sobre menores infratores, há um aviso de que as imagens utilizadas dos tais menores de idade, são dramatizadas pois a justiça brasileira não permite o uso da imagem de julgados com menos de 18 anos. Juízo se parece demais com Justiça, filme anterior da diretora, com os julgadores sendo extremamente severos com os réus, quando não falando em tom professoral, em tom de bronca, com postura semelhante ao de uma mãe dando lição de moral em seus filhos.

    A paciência dos juízes é ligeiramente maior do que o que se assiste em Justiça, isso é “culpa” evidentemente da baixa idade dos investigados. Repara-se facilmente na baixa escolaridade da maioria dele e a escolha por dramatizar as situações com esses menores ajuda a aproximar o espectador das barbáries que ocorrem dentro e fora do ambiente de julgamento, seja pelos maus tratos da promotoria e juiz, ou pelos crimes cometidos, que em alguns momentos recaem sobre crimes pesados, como assassinato após maus tratos ao acusado.

    A juíza que normalmente verifica as situações é extremamente grosseira e impaciente. A empáfia que é vista nos personagens de Justiça aqui é extremamente amplificada. A postura é tão passivo agressiva que, mesmo quando o menor sai da sala com uma sentença favorável a si, se retirar do local com as mãos para trás, como se estivesse manietado, preso em corda imaginárias.

    O exercício feito em Juízo tem muito a ver com os elementos vistos em seu predecessor, mas em momento nenhum ele soa redundante ou repetitivo, ao contrário, há uma clara evolução de narrativa e de estudo sobre como se julgam as pessoas no Brasil, em especial as camadas mais populares e de pouca instrução, não chegando ao ponto de vitimizar os personagens documentados, mas sim mostrando o quão crua e direta pode ser a lei com esses que não tem muitos recursos para recorrer.

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  • Crítica | O Processo

    Crítica | O Processo

    Durante a época do impeachment de Dilma Roussef, que culminou na sua saída do cargo de presidente da república, aconteceu uma mobilização de cineastas, que se propuseram a usar suas câmeras para denunciar o que esses acreditavam ser um golpe. Anna Muylaert (Que Horas Ela Volta? e Mãe Só Há Uma), Petra Costa (Elena e Olmo e a Gaivota) e Douglas Duarte (Personal Che) foram três desses, além é claro de Maria Augusta Ramos, que na trilogia Justiça, Juizo e Morro dos Prazeres, já havia denunciado como o judiciário funciona de maneira parcial, e em O Processo, o enfoque é em uma classe que normalmente tem seus privilégios muito respeitados, ainda que obviamente haja um tratamento diferente para os partidários do PT, segundo o próprio filme.

    O modo que Ramos escolheu para fazer seu filme foi reunir videotapes da TV Senado e TV Câmara, com momentos inéditos, gravadas por si, acompanhando algumas figuras políticas do Partido dos Trabalhadores, em especial o senador do Rio de Janeiro Lindbergh Farias, Gleisi Hoffman, do senado paranaense e José Eduardo Cardozo, ex-advogado geral da União e responsável pela defesa da presidenta. O filme detalha bem a parte final do processo de desgaste com que o Legislativo fez com o segundo mandato de Dilma, culminando na votação dos deputados e senadores pelo impeachment de Dilma. A sensação de impotência ocorre principalmente quando a votação vai ao senado, onde os próprios documentados assumem que estão ali por um esforço político, e não por esperança de que haverá reversão da pena.

    O filme anterior de Maria foi Futuro Junho, onde a diretora acompanha manifestantes pelos meados da Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil. Lá, grande parte das reclamações era em direção ao governo que Dilma fez após os oito anos de Lula no poder, o que se torna até irônico vendo o que ela retrata neste O Processo, e de certa forma, Futuro Junho denuncia um dos erros mais crassos dessa gestão, que foi o tratamento às manifestações populares, inclusive sancionando a fatídica lei anti-terrorismo. De qualquer forma, esse certamente é o menos pessoal dos filmes recentes de Ramos, ainda que acompanhe alguns personagens, o principal alvo disso é tratado à distância e o que se estuda é um conjunto de pessoas e não uma só.

    O filme tem um ritmo muito frenético, e faz as mais de duas horas de duração parecerem até menos. A grande questão é que, para quem viveu essa transformação política do país e acompanhou de perto todo o julgamento, tem uma conexão emocional ao assistir o filme, uma vez que as discussões na câmara e no senado são carregadas de demonstrações de que se trata de um jogo de cartas marcadas.

    Desde que foi exibido em um festival de cinema em Berlim, o documentário tem sido acusado de ser tendencioso e condescendente com o governo do PT, e na verdade é mostrado em tela até algumas reflexões sobre a crise do partido. Na fala de Gilberto Carvalho, um dos ex ministros de Dilma, se diz que o partido foi passivo demais, e que os governos Lula e de sua sucessora deveriam ter contra-atacado as “perseguições” midiáticas que ocorreram. Aponta também que foi no primeiro mandato de Lula que mais se fechou rádios comunitárias ao redor do Brasil. Para ele, uma boa alternativa a isso seria o governo imitar o que Getúlio Vargas fez, criando para si um jornal, podendo ser outro ator influente na narrativa da mídia que serve de oposição.

    O Processo acerta muito ao registrar um momento histórico do Brasil, e não tem medo de escolher um lado, uma vez que considera arbitrária toda a atitude contra a ala progressista da política.

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  • Crítica | Morro dos Prazeres

    Crítica | Morro dos Prazeres

    Morro dos Prazeres - Poster - dvd

    A abertura de Morro dos Prazeres apresenta crianças brincando de mocinho e bandido. Utilizam armas de madeira e papel, representando as armas que conhecem nas mãos de personagens do morro.  Ao contrário do que é naturalmente imaginado, não é a polícia que adquire o status heroico. São eles, representados pelas crianças, como opressores, humilhando a população do morro para, em seguida, serem subjugados pelo grupo de infantes desempenhando os traficantes armados. Um retrato daquilo que veem dia a dia em sua infância.

    Localizado no bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro, o Morro dos Prazeres foi uma das comunidades selecionadas para o projeto UPP da Secretaria Estadual de Segurança do Estado, estabelecendo polícias comunitárias em favelas outrora tomadas pelo tráfico de drogas. O documentário de Maria Augusta Ramos apresenta personagens anônimos que em conjunto formam retrato do local.

    Com metragem breve de apenas uma hora, a câmera se transforma em um observador atento cuja intenção é apenas o registro dos acontecimentos. Não há nenhuma fala direcionada para a câmera ou a participação de especialistas que analisem as imagens apresentadas, traçando um panorama sociológico do local e da atividade policial com a chegada das Unidades Pacificadoras.

    As cenas promovem uma crônica sobre o Morro identificando e acompanhando alguns personagens específicos para mapear as diferenças do local: um menor infrator tentando modificar sua vida com aversão explícita pela polícia; moradores que trabalham ativamente no local discutindo pontos positivos e negativos sobre a chegada da polícia; e membros do batalhão lidando com o dia a dia do local.

    Nenhum julgamento pré-estabelecido é apresentado em cena, um fator positivo para explicitar que, diante desta construção social e política, nem tudo é uma estampa de poucas cores. A humanização em todos os âmbitos entregam ao público o material para desenvolver sua análise a respeito, sem nenhuma denúncia panfletária ou desmitificando estruturas complexas.

    Como uma crônica visual, porém, é necessário que o espectador contextualize as cenas para interpretar adequadamente os fatos sem uma margem de erro. Talvez o público estrangeiro não tenha a base para compreender ou analisar a situação diante de cada depoimento apresentado.