Crítica | Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força (3)
Maior fenômeno da cultura pop, maior franquia da história do cinema e com o filme mais esperado do ano (possivelmente da década), Star Wars dispensa comentários sobre sua importância. A decepção dos fãs com a nova trilogia encerrada em 2005 era nítida. Tamanha expectativa com a estreia de A Ameaça Fantasma em 1999 só foi igualada pelo tamanho da decepção com filmes tão ruins e que desrespeitavam praticamente todas as premissas estabelecidas na trilogia original. É dentro desse turbilhão de emoções que a franquia ganha em 2015 o primeiro de seus novos episódios, chamado “O Despertar da Força”, dessa vez sob o comando da Disney e direção de J.J. Abrams, com roteiro de Lawrence Kasdan, Michael Arndt e do próprio Abrams.
Atingir uma expectativa tão grande não era tarefa fácil, e ciente da cobrança (provavelmente injusta) em cima de si, Abrams desde o início resolveu focar justamente onde a nova trilogia falhou: o respeito pela saga original, sua mitologia e simbologia. Dentro deste aspecto, o Episódio VII é muito eficiente. O visual se assemelha muito aos filmes originais, tanto nas cores, vestimentas e designs, como nos pequenos detalhes de botões em centros de comandos, luzes de painéis e toda a arquitetura interna e externa da chamada “Primeira Ordem”, que se assemelhava a do Império, quanto do restante da galáxia.
A história gira em torno basicamente de dois personagens, Rey e Finn. Rey (Daisy Ridley), residente do planeta Jakku e que sobrevive juntando peças de antigas naves caídas em seu planeta, tanto do império quanto da aliança rebelde, em troca de rações de alimento. Dotada de um espírito perseverante e determinado, Rey sofre naquele cotidiano árduo, ela sonha com a volta de sua família para resgatá-la, já que vimos um flashback onde ela é ali abandonada. Finn (John Boyega) é um stormtrooper que deserta por se recusar a cumprir as ordens que recebe para executar habitantes de Jakku em sua primeira missão, que era recuperar o mapa da possível localização do antigo Jedi Luke Skywalker, em posse do piloto rebelde Poe Dameron (Oscar Isaac) e também buscado pelo vilão do filme, Kylo Ren (Adam Driver). Dameron o esconde em uma unidade BB, chamda BB-8, que encontra Rey, que encontra Finn, que encontram a Millenium Falcon, que é encontrada por Han Solo (Harrison Ford) e Chewbacca (Peter Mayhew/Joonas Suotamo), e de onde a história principal se desenvolve como apresentada nos créditos iniciais: o objetivo é encontrar Luke Skywalker. Os rebeldes querem o retorno do antigo Jedi para ajuda-los, e a Primeira Ordem quer encontrar para destruí-lo, afinal enquanto um jedi estiver vivo, é uma ameaça a seus objetivos.
Um ponto que o novo filme acerta em cheio é na escolha do novo elenco. Daisy Ridley e John Boyega possuem uma química raras vezes vista em filmes do gênero, o que mostra a noção perfeita dos produtores no casting, e como eles sabiam exatamente o que estavam buscando no filme (ponto positivo para escolherem como protagonistas um negro e uma mulher, tentando tornar o universo de Star Wars mais diverso). Atores mais conhecidos como Oscar Isaac e Domhnall Gleeson (General Hux) também agregam um enorme valor devido a seu talento, mas sempre ajudados por cenas construídas especificamente para os atores darem vida a seus personagens da melhor forma possível. Já Harrison Ford não consegue transmitir de novo o mesmo carisma do Han Solo que vimos na trilogia original. Notório carrancudo a respeito de Star Wars, Ford parece a todo tempo estar em modo automático, e apesar de seu papel funcionar bem na maior parte do tempo, parece não ver a hora de tudo acabar, até mesmo seu figurino demonstra essa preguiça, se assemelhando mais a um cosplay de Han Solo do que o legendário piloto. Tanto que seu destino no filme parece até mesmo saído de uma sugestão sua. Também retornam a seus papéis clássicos Carrie Fisher como a agora General Leia Organa e Anthony Daniels como C-3PO, além de R2-D2 (Kenny Baker).
Porém, se em todo o respeito ao universo o novo episódio é irretocável, onde ele falha é justamente no excesso de cautela na fórmula da franquia. O Episódio VII recicla praticamente inteira a trama principal do Uma Nova Esperança de 1977. De novo vemos planos escondidos em um robô por um membro da resistência que é capturado pelo vilão principal e por ele torturado. De novo (pela terceira vez) temos uma arma grandiosa capaz de destruir planetas usada como forma de impor a força da “Primeira Ordem” no universo. De novo o plano dos rebeldes é montado em um diálogo expositivo rápido em frente a uma projeção. De novo o plano constituído é destruir essa arma com um ataque aéreo. De novo alguém precisa desabilitar um escudo internamente. De novo temos uma sequência aérea com direito a voos em uma trincheira e a arma é explodida. Tudo filmado de forma muito eficiente e empolgante, sem o marasmo dos episódios I, II e III. Porém, que ainda deixa o fã, lá no fundo, um pouco decepcionado, porque parece que tudo em Star Wars gira em torno de uma arma que precisa ser destruída. Se nos primeiros filmes ao menos o desenvolvimento dessa trama seguia um andamento mais lento, neste capítulo da saga o ritmo frenético do filme mal deixa o espectador respirar para absorver tudo o que está vendo na tela. Não há um momento de pausa, e talvez seja sinal dos tempos, mas um equilíbrio maior neste sentido poderia ter dado mais espaço aos personagens para se desenvolverem de forma mais subjetiva.
Outro ponto também mal explicado é a origem da “Primeira Ordem”, organização que substituiu o antigo Império. Também não é falado nada a respeito de Kylo Ren e sua ordem, assim como seu mestre, Supremo Líder Snoke (Andy Serkis), o que reflete não uma tentativa de não contar muito da história, e sim um certo descuidado com o roteiro, afinal, essa falta de informação faz com que ambos os vilões não representem uma ameaça tão grande quanto Darth Vader no primeiro filme. Porém, a relação entre o braço militar da Primeira Ordem, representado pelo General Hux (em alusão clara ao nazismo) e o braço místico representado por Ren é muito bem construída, e a crescente tensão e disputa entre os dois personagens pela aprovação de Snoke serve como catalisador para diversas situações interessantes no filme, especialmente para Ren, que mostra uma fragilidade interessante ao se dizer tentado pela luz. Mesmo Adam Driver não entregando uma atuação maravilhosa, seus melhores momentos ainda ficam enquanto usa a máscara e entoa a voz mecanizada e assustadora que emula, propositalmente, Darth Vader. Outro personagem muito esperado pelos fãs, a Capitã Phasma (Gwendoline Christie), possui uma participação reduzida no filme, o que se pode extrair daí dois pontos: a menção a Boba Fett, personagem construído pelos fãs e que nunca fez muita coisa nos filmes, e que ela irá voltar nos próximos episódios, possivelmente com um papel maior.
Mas, mesmo com esses pontos negativos, o principal objetivo do filme é mantido, que era resgatar o espírito da franquia e a magia de se contar uma história dentro da mitologia que cativa tanta gente ao redor do mundo. A excelente cena de Rey tocando no sabre de Luz de Luke e tendo seu primeiro contato com a força utiliza de efeitos especiais como deve ser, em favor de se contar uma história. A Força é explicada a ele na cena seguinte por Maz Kanata (Lupita Nyong’o) relembrando os ensinamentos de Yoda em O Império Contra-Ataca, deixando de lado a bobagem pseudo-científica dos midi-chlorians inventada por Lucas em “A Ameaça Fantasma”. Outras pequenas homenagens ao universo também são feitas, quando Finn enfrenta com o sabre de luz um stormtrooper que empunha uma arma que lembra uma vibroblade em um duelo muito bem construído. A opção de Abrams pelos cenários reais ao invés do tão criticado CGI foi louvada por praticamente todos, e o resultado é nítido. Tudo parece real (e é!), nos fazendo acreditar em todo momento em tudo o que está acontecendo na tela. Em momento algum da projeção a credibilidade do filme é quebrada por conta de algum efeito especial mal acabado. Tanto os monstros mais simples quanto as excelentes e bem trabalhadas sequencias de confronto entre as X-Wings e os TIE Fighters passam um realismo que o fã de Star Wars sempre quis ver novamente, mas devidamente atualizado. A leveza do humor também consegue apagar o marasmo das tramas políticas da nova trilogia, e tanto BB-8 (sabiamente utilizado) quanto Finn (e também várias cenas com os stormtroopers) possuem cenas que tiram risos naturais da platéia.
As cenas de luta também são outro ponto positivo, sendo muito bem feitas e distantes do balé estéril mostrado na nova trilogia, como o próprio Abrams havia deixado claro que iria fazer. Com pouco treinamento, não seria possível os personagens exibirem tamanha técnica nos duelos, o que torna a emoção e a visceralidade dos golpes e defesas ainda maiores. O duelo entre Rey e Kylo Ren, apesar de causar estranhamento inicial (afinal, como ela empunhando um sabre pela primeira vez iria competir com um mestre da ordem Ren?), consegue transmitir em poucos minutos uma carga dramática muito grande, e a superação de Rey utilizando a Força estabelece-a como o que era desde o início, um campo de energia que depende da pessoa usá-la e canalizá-la corretamente, não importando você ter décadas de treinamento de esgrima. O que importa é a Força, sua vontade, determinação e o quanto você acredita fielmente nela. Neste filme a Força é realmente importante e um de seus maiores méritos é justamente mostrar como ela é poderosa. Kylo Ren parando no ar um raio do blaster de Poe Dameron é fenomenal. O uso que faz da Força a todo momento nos mostra mais detalhes do que a saga havia mostrado até então. O mesmo acontece com Rey conforme ela vai descobrindo seus poderes enquanto vai sentindo-os.
Portanto, “O Despertar da Força” entrega justamente aquilo que os fãs esperavam tanto. Um filme fiel as suas origens e que tratasse todo o seu legado com respeito. J.J. Abrams se declarou fã da franquia por diversas vezes, e talvez esse excesso de respeito tenha tornado o filme seguro demais, sem praticamente tomar nenhum risco sob o ponto de vista narrativo. Porém, com o tamanho estrago feito pelos três filmes anteriores da franquia, essa escolha é perfeitamente compreensível. O que podemos esperar agora é, com o universo novamente consolidado, que novos objetivos sejam traçados e que possamos ver novas histórias ser contadas de outras formas. O Império Contra-Ataca é o que é justamente porque a sua frente tem alguém que entende a linguagem cinematográfica mais do que entende de Star Wars. Entende a motivação por trás de cada personagem e as ações condizentes que eles deveriam tomar. Entende que pequenos detalhes fazem a diferença entre algo comum e algo fenomenal. Não fosse Irvin Keshner, Han Solo nunca teria dito “Eu sei” ao ouvir que Leia o amava. É isso que a franquia precisa.
O Episódio VIII já tem seu diretor contratado, o novato e promissor Ryan Johnson, que sempre carrega uma atmosfera noir em seus filmes. Com tempo, um bom roteiro e um pouco de sorte, talvez tenhamos algo novo neste sentido. As expectativas agora estão mais altas do que nunca (ainda mais pela cena final do Episódio VII), pois a comparação da sequência ser melhor que o anterior, relembrando os episódios IV e V, será feita. Ao menos agora estaremos felizes esperando o próximo, e não mais apreensivos.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.