Parasita é dito como um organismo que vive de ou em outro organismo, dele obtendo alimento e não raro causando-lhe dano, e é esse o termo utilizado para designar as criaturas alienígenas que o Projeto Vida encontram em uma das suas naves interespaciais na nova adaptação de quadrinhos da Sony. Isso não é por acaso, a intenção de Venom do diretor Ruben Fleischer (de Zumbilândia e Caça aos Gangsteres) é claramente a de falar desse tipo de relação mesquinha em seu pretenso filme de herói (ou anti-herói), mas ele passa por uma dificuldade básica de encontrar sua identidade, mesmo passando pelas mãos de tantos roteiristas.
A história já começa bifurcada, mostrando as duas partes que deveriam formar o personagem Venom. Nos laboratórios do Instituto Vida, há Carlton Drake (Riz Ahmed), um personagem maniqueísta, interesseiro, bandido e assassino e essa definição é dada pela outra parte estudada, o Eddie Brock de Tom Hardy, um homem de vida simples e de muitas obsessões, jornalista de TV incisivo e bastante intrépido. As coincidências do roteiro fazem os dois núcleos se encontrarem e o resultado dessa reunião é explosivo. A vida pessoal de Eddie é dinamitada, ao ponto dele sua esposa Annie (Michelle Williams), emprego e até mesmo o lugar onde morava.
A quantidade de personagens pára exatamente aí, praticamente só há esses três no filme de quase duas horas de duração. Muitos textos críticos ao longa falavam que o jeito que Hardy atua é diferente demais de todo o resto do elenco, e de fato é, mesmo levando em conta Williams e Ahmed. Nos quadrinhos o personagem depende demais do Homem-Aranha e a pergunta sobre esse projeto da Sony de explorar o universo do Cabeça de Teia sem seu carro chefe daria certo, ao menos até agora é negativa. A tentativa de transformar Venom num filme sobre transtornos esbarra na falta de complexidade de todos os personagens e nas situações banais que ocorrem. Nem mesmo a tentativa de Hardy em soar como um louco que não se adapta a um novo mundo funciona.
Passa aproximadamente um hora de filme para finalmente a figura do Venom completa aparecer, e até esse ponto, muita história tediosa e sem sentido ocorre. As cenas de ação também não fazem muito, são genéricas, fato que faz tudo não ter muita coerência, incluindo aí a tentativa de mostrar Brock como detentor de um certo monopólio da virtude. Se todas as pessoas mostradas são rasas e não agem de maneira realmente humana, não há tanto impacto na postura diferenciada já que não há muito com quem comparar.
Ao menos no que toca Eddie Brock o que se esperava era que o personagem fosse mostrado como um ser com dualidades, mas isso pouco se vê. A transição de ser parasitário para um realmente simbiótico é muito brusca, em um momento o alien trata Eddie como lixo, e logo depois se tornam super-amigos, e isso não faz o menor sentido diante das condições mostradas em tela, já que não houve uma mínima construção narrativa para a mudança dessas relações.
Venom não funciona como filme de ação e isso nem passa necessariamente pela presença ou ausência do Aranha, sua concepção primordial foi um equívoco e o roteiro é na mesma medida pretensioso e bagunçado, sem conseguir atingir praticamente objetivo nenhum de seus produtores, não conseguindo ser um filme de monstro, herói, tampouco ficção científica escapista, tendo poucos momentos divertidos e muitos mal calculados, cuja graça é quase nenhuma. O filme ainda possui uma cena pós-créditos que abre possibilidade de uma continuação, que claramente só ocorrerá se o espectador ignorar todos os terríveis erros da história para que renda bilheteria suficiente para gerar um Venom 2.
Em tese nenhum tópico é tabu, ou ao menos não deveria ser. Afinal, aquilo que é pouco dito costuma esgueirar-se pelas sombras da sociedade, e ao tema é associada apenas obscuridade e medo. Mas o que parece fazer sentido também é que nem toda forma de se abordar um tema é exatamente adequada.
Una debruça-se sobre uma história de abuso infantil e seus posteriores desdobramentos sobre a vida do abusador, da vítima, e de suas famílias, onde anos após o abuso, a jovem Una confronta seu abusador e expõem os destroços de sua vida marcada por tribunais, olhares tortos, tristeza confusão. O grande problema deste filme, porém, é sua complacência com o abusador. Tal abordagem já foi usada antes, no clássico livro e filmes Lolita. Porém, em Lolita a empatia com o abusador ocorre por conta da história ser contada sobre seu ponto de vista, mas ao final consegue tornar clara o quão patética é aquela figura de um homem moralmente falido e incapaz de controlar seus desejos, e assim expondo a podridão de conceitos entranhados em nossa cultura. Una, ao contrário, quase tem pena do “sofrimento” do abusador, e quase defende sua paixão pela garota.
O filme é estrelado por Rooney Mara (Os Homens Que Não Amavam as Mulheres) e Ben Mendelson (Rogue One: Uma História Star Wars), e dirigido por Benedict Andrews, diretor de teatro em seu primeiro longa, sendo baseado na peça Blackbird, do mesmo roteirista de Una, David Harrower. Esta ‘mais longa do que deveria’ explanação sobre quem são os envolvidos na produção é para dizer que o egocentrismo é a tônica desta história. Tão autocentrada em si, que percorre boa parte dos seus longos minutos com dificuldades de estabelecer com eficiência seus personagens, apesar de ter uma dinâmica que consiste basicamente em tentar desenvolvê-los, não possuindo assim nenhuma subtrama que justifique este déficit de atenção.
Incapaz de ser rigoroso com o abusador, o filme explana de forma quase que protocolar que ele teve a condição de refazer sua vida, enquanto a vítima não. Mas nada disso adianta tão logo ele é colocado constantemente como uma vítima. Um homem perdido que cedeu à um erro bobo, e não como sendo aquilo que é, no alto da maldade que seus atos deveriam estar. Ele é um criminoso. Já Una, é eventualmente mostrada como uma moça confusa, que hoje e talvez ontem usava o sexo de forma autodestrutiva, dando a entender que aquilo talvez tenha sido realmente um romance, e não a história de um homem de 40 anos abusando de uma menina de 13.
As tentativas de fazer de Una uma pessoa forte que sofreu, mas sobreviveu, soam todas equivocadas, protocolares e fora de tom. A única ideia de seu medo constante é quando o filme demonstra que mesmo as voltas de homens de aparente boa índole, ela está constantemente entrando em tocas de lobos, pois tão logo adentra a fábrica onde irá confrontar seu abusador, o simpático Scott insiste em suas cantadas. Ele realmente parece uma boa pessoa, mas ainda assim à vê como algo disponível simplesmente por ser mulher.
Equivocado, inconsequente, sem atenção e pobre no discurso, Una não é capaz de discutir os temas que se propõem, e erra em forma e conteúdo.