Crítica | Pai em Dose Dupla
O novo filme de Will Ferrell se baseia na diferença etimológica entre o pai e o papai (father e dad, no original), basicamente estabelecendo a distância entre a maneira formal e carinhosa de se tratar a figura paterna. Ferrell faz o papel de Brad Whitaker, um homem que, após um acidente, perde a capacidade de ser fértil, e para compensar tal condição assume o papel de chefe familiar dos Mayron, ao casar-se com Sara (Linda Cardellini), tentando a duras penas criar os dois filhos do antigo casamento de sua amada do modo mais inofensivo possível.
O chamado à aventura acontece quando no caminho do narrador aparece o carismático Dust (Mark Whalberg), como a epítome do homem perfeito: belo, esperto, de personalidade magnética e aventureiro. É através da disputa entre o pacato sujeito e o claro macho alfa que ocorre todo o simples plot de Pai em Dose Dupla, com Ferrell mais uma vez se valendo de seu estereótipo de homem bobo, ingênuo e extremamente crédulo na boa fé das pessoas.
O humor do roteiro de Brian Burns, Sean Anders e John Morris utiliza-se da acidez típica das crianças para tratar da estranha relação do padrasto com seus enteados, bem como a valorização do bom mocismo, ainda que esse comportamento moralista seja absurdamente debochado pelos chistes apresentadas nas gags humorísticas. Os paralelos com lições básicas de comportamento ultrapassam alguns tabus, como questões raciais, de preconceito sexual etc, ainda que não engrosse qualquer coro de opressão, apelando quase sempre para o irreal e nonsense ao invés de fazer troça gratuita com minorias.
A comédia presente no filme de Anders é tipicamente masculina, e funciona de modo muito mais fluído se comparado com seu filme anterior, Quero Matar Meu Chefe 2, e essa característica certamente se deve a química entre Whalberg e Ferrell, reprisando Os Outros Caras. A discrepância física entre os dois é explorada como ponto de partida de uma rivalidade de arquétipos. A tradicional batalha entre dois machos pelo mesmo espaço é transportada para um cenário moderno, onde condições financeiras e sexualidade são postas em lados opostos, servindo como novo parâmetro para medir a qualidade dos homens.
O desfecho contém a mesma redenção infantil dos últimos produtos do ator principal, ainda que o filme termine bem mais agradável do que Os Candidatos, por exemplo. No entanto, a condução é realizada de um modo tão escrachado que até a pieguice é driblada, com uma apresentação ainda bastante irônica da resolução de conflitos sem o despejar de testosterona típico de uma briga de rua. Pai em Dose Dupla passa muito longe de ser um filme cerebral e repleto de discussões, mas garante ao espectador uma série de risos descompromissados, que ao menos desconstrói o mito do super macho, fazendo pouco do homem que precisa urinar em tudo para demarcar seu território, apresentando um sistema de predação em que sempre haverá um oponente maior e mais preparado.