Crítica | Brizola: Tempos de Luta
Tabajara Ruas é o responsável por contar o relato biográfico do político e ativista gaúcho Leonel Brizola. Desde a infância muito humilde, passando pela obsessão de sua mãe pela educação e instrução do filho, e também grafando o passado de lutas do povo gaúcho, Leonel também levantou-se como ativista. Sempre esteve muito presente em eventos de contestação, mas sem se descuidar do trabalho, visto que precisava dele para garantir o seu sustento. A narrativa é linear e muito parecida com a estética do cinema clássico americano, reunindo muitos depoimento do próprio Brizola e de muitos de seus colegas, como Antônio de Pádua, Flávio Tavares, Vieira de Cunha, etc.
A reunião com estudantes interessados em política, já no Rio de Janeiro, mostrava o biografado como um dos mais atuantes nos grupos de discussão, além da fundação do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Ele foi eleito deputado estadual com quase quatro mil votos. Nesses grupos ativistas conheceu Neusa Duarte, a Dona Neusa, sua companheira para toda a vida e amada esposa e namorada, que segundo o próprio, apesar da aparente fraqueza, sempre foi muito forte.
O viés político que influenciou Brizola era ligado a Vargas, com quem teve estreitas relações e dividia ideologias: o trabalhismo. Após a morte de Getúlio Vargas, haveria dois ilustres herdeiros, o próprio Leonel, que seria consagrado prefeito de Porto Alegre e conhecido por fortes investimentos em educação, e claro, João Goulart, vice-presidente dos tempos de Juscelino Kubitschek. Entre os feitos mais notáveis de Brizola era a apropriação e nacionalização da empresa de telefonia do Rio Grande do Sul, ação dita como de vanguarda contra o monopólio americano no Brasil pela ainda não presidente Dilma Rousseff.
O debate político aumentou devido a Guerra Fria, a ocupação cubana de Fidel Castro e a corrida espacial. Mesmo que Brizola dissesse que entendia que a propriedade privada era importante para a nação, seu discurso era acusado de ser associado aos ideais de Karl Marx, muito graças ao seu alinhamento com o argentino Ernesto Che Guevara. A proximidade de Che com Jango traria consequências graves em um futuro próximo.
A renúncia de Jânio Quadros surpreendeu o político gaúcho, por Jânio ser um presidente proativo e rápido. A possibilidade de João Goulart assumir causou o furdunço que se concretizou no maior exemplo de paranoia militar. O estado de perplexidade tomou o país e Leonel declarou que ficaria no país para lutar. Uma república parlamentarista seria articulada sem a presunção de ter Goulart dentro do país. Brizola queria o retorno de Jango ao poder, mas era uma voz solitária na resistência. A subida dos militares para o poder marcou o político gaúcho, que até tentou ficar no país, variando de lugar a lugar por um mês e meio, até que teve de ir em definitivo para o Uruguai. O exílio deixou-o muito triste, mas sua postura ainda era a de resistir, apoiando os ativistas para treinar os militantes no esquema de guerrilhas.
Aos poucos, o nacionalismo do político seria acompanhado pelo socialismo. O retorno de Brizola ao país calharia com o rompimento com o PTB e fundação do PDT (Partido Democrático Trabalhista), além de sua reinvenção na política, candidatando-se a governador do estado do Rio de Janeiro e vencendo uma tentativa de fraude e manipulação de votos. Construiu os Cieps, que teria o intuito de alocar as crianças oito horas por dia na escola, focando a educação e fazendo essas obras sem o apoio financeiro e político do governo federal. Outro episódio interessante foi a construção do sambódromo e o imbróglio com a Rede Globo, que se recusou a transmitir o carnaval. A manobra do governador foi a de entrar em contato com Arnaldo Bloch, presidente da Manchete, que ultrapassou a Globo em audiência no período. A campanha de Diretas Já foi muito motivada por ele, assim como a primeira eleição direta, em 1989, na qual se candidatava ao cargo máximo do executivo, com discursos inflamados e muito bem construídos. Por muito pouco ele não passou para o segundo turno, mas manifestaria seu apoio a Lula no segundo, obviamente tendo perdido. No ano seguinte, seria reeleito governador do Rio, mostrando sua inabalável força política.
Os entraves entre o político e a Rede Globo ganharam capítulos de intensa batalha, difamações e toda sorte de troca de farpas, inclusive ganhando um direito de resposta em rede nacional, no horário nobre, com narração de Cid Moreira no Jornal Nacional. O conteúdo do manifesto é deveras corajoso e não poupa seus declarados inimigos.
Pouco antes do fim de sua vida, ele se lançou em mais uma eleição, como vice-presidente da chapa de Lula, muito mais como figura simbólica do que como candidato de fato. Sua despedida teve muito apelo popular e a presença maciça do povo. Brizola se despediria da vida ovacionado pelo eleitorado e pelo homem comum, e até por alguns de seus antigos rivais políticos. Seu discurso poderia não ser completamente compreendido pelo povo, mas seu trabalho foi reconhecido por seus iguais, pela população. O trabalho de Ruas e Sergio Gonzalez em homenagear o político é muito belo e afetuoso, e apesar de deixar de lado muitos dos defeitos do biografado, ainda é um bom retrato da figura do velho e sempre inconformado caudilho.