Crítica | Vlado: 30 Anos Depois
O filme de João Batista de Andrade usa a memória do dia 25 de outubro de 1975 para aplacar o sentimento da perda de um amigo e exemplificar qual seria o primeiro passo do declínio da Ditadura Militar no Brasil, apesar de não mostrar as imagens do medo, dos militares e dos aparelhos usados para reprimir seus inimigos. A narração dá um toque de perfeita pessoalidade, acompanhada do montante de fotos que ajudam a pintar a figura de Vladimir Herzog para uma geração que possivelmente não conhece a sua história.
Os depoimentos dos entrevistados mostram uma figura fina, educada e muito cara a todos que o envolviam. Sua boa escrita ajudou não somente a falar sobre o Brasil e abordar a ética, mas também tinha a função de informar os amigos que estavam fora do país no período de recrudescimento da ditadura.
Mais aviltante ainda é a fala do povo, que não percebe a história e currículo de Vlado, não sabendo quase nada sobre sua existência e menos ainda sobre a ditadura, ainda que alguns, munidos desse mesmo desconhecimento, hoje afirmem seu desejo de retornar a este governo. O infortúnio de Herzog seria ironicamente ligado à entropia de viajar de volta ao seu país poucos dias após a instituição do AI-5, fazendo dele uma figura bastante visada.
A câmera passa por momentos emotivos de Vladimir, como seu casamento e seu ingresso a TV Cultura e à revista Visão. Obviamente, o foco maior é o começo dos eventos prisionais, que exibiam toda a crueldade dos militares com os seus “convidados” especiais. Num dos relatos, destaca-se o fato de que a vestimenta dos encarcerados não incluíam cadarços, linhas ou cintos, nada que pudesse produzir amarra, o que claramente desmentiria o suicídio do jornalista, em cuja foto estaria a “prova” do crime.
A sensação de desmoronamento emocional é constante na vida dos que foram torturados; não foram percepções que permaneceram somente durante as horas em que os militantes eram maltratados. As marcas ficaram, as almas tocadas jamais foram as mesmas. Os métodos utilizados na Alemanha Nazista e no Estado Novo eram reprisados como um modo de atacar o emocional dos divergentes, numa tática nefasta e mecânica, calculada para abater sistematicamente mas que, analisada sob a visão atual, só demonstra a vergonha de quem acometeu o país e que ainda segue impune.
Os registros do corpo de Vladimir nu, preso ao pau de arara, só não eram mais chocantes do que as falas dos torturadores aos jornalistas e amigos do militante, que saberiam, naquele momento, da morte do sujeito. A desculpa era de que Herzog atuava como agente da KGB, o que, obviamente, era uma mentira descabida.
Um dos fatores preponderantes para a abertura do Regime foi a morte de Herzog e toda a falácia a respeito do encerramento de sua vida e do suposto suicídio, tanto para o realizador do documentário como para cada um dos mostrados pela câmera. Esse seria o principal motivo para que a morte de Vlado não fosse em vão. O Rabino Henry Sobel até decidiu localizar o túmulo do jornalista fora da área destinada aos suicidas, no Cemiterio Israelita do Butantã, ainda em 1975. No ano seguinte, inquéritos foram exigidos por meio de documentos assinados por membros do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, numa mostra de que a classe e o povo estavam ao lado de Vlado e de sua memória.