Crítica | Big Jato
Localizado em Peixe de Pedra, cidade fictícia do interior de Pernambuco, Big Jato é a nova empreitada de Claudio Assis, após quatro anos de seu último e elogiado filme Febre do Rato. O longa, que estreou em 2015 ainda no Festival de Brasília, conta a história baseada no livro homônimo de Xico Sá e adaptada, mais uma vez, por Hilton Lacerda (diretor de Tatuagem), antigo colaborador de Assis. A história é focada no menino Chico (Rafael Nicácio), rapaz jovem que tem pretensões de ser poeta ao lado de duas figuras mentoras, seu pai Francisco, chamado de velho por seus hábitos turrões, e seu tio Nelson, um bon vivant nato, ambos vividos por Matheus Nachtergaele.
A câmera de Assis emula a trajetória do caminhão, trêmula como o balanço do veículo a percorrer as estradas maltrapilhas e sem asfalto do interior. O amor do menino por esse tipo de vida contradiz de certa forma seus sonhos de arte, já que representa um estilo de vida mais bruto, semelhante ao trabalho de seu pai, um desentupidor de fossas, com as quais se habitua a viver em meio ao forte cheiro. Além disso, referencia o tempo todo a poesia que habita o ideal de Chico por meio da participação de Jards Macalé, que interpreta o viajante Príncipe.
O argumento brinca de referenciar opostos, mostrando o trabalho como caminhoneiro em oposição à divulgação da arte pelo Nelson e contrapondo o trabalho do esgoto e a máquina de escrever do filho, que representa o viver do artista e o asco do patriarca pelo estilo de vida bonachão. Entre o trabalho braçal e o amor pela boemia em paralelo, as duas características representam a alma tipicamente brasileira, que carrega uma liturgia religiosa e conservadora, ao mesmo tempo que dá vazão ao comportamento despreocupado como resposta para o stress diário de uma rotina em busca de dinheiro.
A filmografia de Assis brinca com a imagética, e Big Jato não é exceção, apresentando dois lados distintos até mesmo dentro da casa do clã principal. Enquanto o velho Francisco realiza o trabalho braçal no esgoto, sua esposa, vivida por Marcela Cartaxo, vende perfumes, mostrando um choque de ideais em seu seio familiar. A intriga está no cerne do pensamento do protagonista e biografado, inclusive pela diversidade de modos, maneiras, sexualidade e vocações entre os seus irmãos.
Há uma rejeição ao nome e a filmografia do diretor, graças especialmente às polêmicas em que se meteu, principalmente em 2015, no incidente em que ofendeu Anna Muylaert, diretora de Que Horas Ela Volta?. No entanto, a exemplo de Amarelo Manga, este longa não possui as falhas de caráter de seu realizador, ao contrário, transparece sim uma tocante sensibilidade, que consegue poetizar temas pragmáticos como a economia moderna em colapso, trazendo, através de lirismo, uma trajetória bela e prosaica.
Big Jato habita o mesmo limbo dos filmes anteriores de Claudio Assis, reunindo a contemplação típica do novo cinema pernambucano, representando a cena de seu estado por meio de uma mistura entre ardor verborrágico e fantasia moderada, arte e vida simples do trabalhador ordeiro. Obra que trata de maneira interessante o ideário de Sá através de poemas, trovas e versos.