Atenção: este review contem spoiler de toda a série. Siga por sua conta e risco.
OZ tem importância histórica para o momento atual da Era de Ouro da televisão norte-americana. Criada por Tom Fontana em 1997, foi uma das primeiras séries originais da HBO ao lado de Sex And The City, de 1998, a serem concebidas de forma autoral, onde o criador e roteirista tinham mais liberdade criativa. As duas ganharam prêmios relevantes e tiveram o reconhecimento da crítica suficiente para encorajar o canal a cabo a continuar o investimento que permitiu produzir The Sopranos em 1999.
A série acompanha a rotina na Penitenciária Estadual nova-iorquina Oswald de Segurança máxima Level 4, mais conhecida como OZ, mostrando a convivência entre os presos de diversas facções e diferentes entre si.
Claustrofobia, essa é a sensação de assistir a série. O tema central é um só: o aprisionamento do ser humano e todas as discussões levantadas ao longo dos 56 episódios giram em torno do encarceramento do homem na sociedade. O tema é desenvolvido sob diversos ângulos, como também outros temas como a fé e a falta dela; os estupros constantes e a sexualidade; o tráfico de drogas, o poder e vício gerados; e o maior deles, a reabilitação social do preso.
A narrativa da série é tão densa que sentiu a necessidade de recorrer a um narrador, Augustus Hill, que se dirige à câmera e aparece no início, final de cada episódio, além de flashes no meio. No início ele aborda o tema do episódio, no final faz uma conclusão, e sempre que um preso novo chega à OZ ele lê a sua ficha criminal, como também ocasionalmente lê a ficha de outros que estão lá há tempos.
Augustus Hill, um dos personagens mais icônicos de OZ
As digressões da série feitas pelo narrador
A primeira temporada da série se inicia com a inauguração do projeto experimental Emerald City, cujo objetivo é forçar uma convivência entre os grupos dos mais variados possíveis para que sua reabilitação futura na sociedade seja menos traumática. A rotina da série mostra os presos criando ou mantendo seus grupos de influência e competindo pelo poder.
Os personagens e núcleos principais também se consolidam aqui. A irmandade ariana liderada por Vern Shillinger que odeia os negros encabeçados por Jefferson Keane e Simon Adebisi, que tem diferenças com os muçulmanos ministrados por Kareem Said e se chocam com os mafiosos italianos de Nino Schibetta. Neste meio, os latinos de Miguel Alvarez e o irlandês Ryan O’Reily, além dos quatro personagens mais icônicos da série que não pertencem a grupo nenhum, os veteranos Busmalis e Rebadow, o cadeirante Augustus Hill e Tobias Beecher. O outro lado da prisão é o corpo administrativo, o diretor Leo Glynn permite que Tim McManus crie Emerald City, ele conta com a ajuda da guarda Diane Whittlesey, a freira e psiquiatra Irmã Pete Marie, o padre Ray Mukada, além da médica Gloria Nathan e as aparições esporádicas do governador James Devlin.
Jefferson Keane é executado pelo estado no meio da temporada e Nino Schibetta morre após comer vidro esmagado que O’Reily e Adebisi colocaram na sua comida, provando que em OZ não deve-se apegar a nenhum personagem, e termina com uma rebelião após os grupos antagônicos se reunirem contra a administração de OZ.
Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, o melhor personagem de OZ
Na segunda temporada vemos os desdobramento da rebelião que fechou Emerald City e causou a morte de dois guardas e seis presos. Ela se inicia uma investigação da corregedoria que não chega a nenhuma conclusão com provas. 10 meses depois Emerald City é reaberta e inicia na série os projetos sociais que marcam cada temporada. Nesta segunda, McManus cria um projeto de aula para os detentos. Poeta, um viciado em heroína, se inscreve no programa e com a ajuda de Kareem Said publica as suas poesias, conseguindo a condicional. Porém, ele volta à OZ após matar um dos traficantes. Ryan O’Reily é diagnosticado com câncer de mama pela Dra Glória e se apaixona por ela, ele pede para seu irmão Cyril matar o marido de Glória e Cyril acaba indo para OZ.
Novos personagens aparecem nesta temporada além de Cyril O’Reily; Chris Keller, aliado de Vern, seduz Beecher e quebra suas costelas; Shirley Bellinger como a nova presa do corredor da morte; El Cid como o líder dos latinos; o guarda Eugene Rivera que é atacado por Miguel Alvarez e acaba cego; Peter Schibetta, filho de Nino, assume a máfia, porém após se envolver em uma briga com Adebisi, Peter é estuprado e perde a liderança dos italianos para outro recém chegado Antonio Nappa. Uma característica desta temporada é a inserção do aspecto espiritual na série com a chegada de Jara. Ele se torna um xamã para Adebisi, fazendo com que ele se reconecte com a sua origem africana, até que Jara é morto e Simon se sente à deriva.
Na terceira temporada, um novo programa social é implementado pela irmã Peter Marie, encontros entre vítimas e agressores. Novos personagens entram na série, como o guarda Clayton Hughes, filho de um antigo amigo de Glynn que morreu no seu lado. Clayton investiga a morte do pai e aos poucos vai ficando louco até tentar matar o governador em um evento e acabar preso, provocando o fechamento de Emerald City. Outro personagem importante é o novo guarda Sean Murphy, antigo amigo de McManus, que organiza um campeonato de boxe como forma de aliviar a tensão dos detentos. Cyril decide participar e Ryan vai dopando seus adversários até que na última luta Cyril acidentalmente mata o favorito Hamid Khan.
Enquanto isso, Adebisi ainda à deriva rouba uma agulha infectada de HIV e fere Antonio Nappa, provocando a sua transferência de Emerald City para a ala dos aidéticos, fazendo com que Chuck Pancamo vire o novo líder dos italianos. Mais um personagem marcante da terceira temporada é Claire Howell, a guarda de OZ que usa o seu poder para explorar sexualmente primeiro McMannus e depois os presos, especial Ryan O’Riley.
J.K. Simmons como Vern Schillinger
A quarta temporada é marcada por ser a mais longa da série com o dobro de episódios e foi dividida em duas partes. Na primeira, Emerald City é reaberta e Diane se muda para Londres, já que Edie Falco havia se comprometido com The Sopranos. O principal evento da primeira parte é a vinda de um novo diretor para Emerald City, Martin Querns, para o lugar de Tim McMannus, o que é bem visto aos olhos dos presos pois ele é negro. Querns quer baixar o nível de violência do local e para isso libera o tráfico de drogas.
As novas políticas de Querns causam mudanças radicais nas relações com os guardas, pois o novo diretor transfere todos os não negros de Emerald City, transformando o local no reino de Adebisi. O final da primeira parte da temporada é coroada pela morte de Adebisi por Said, que tentava ajudar a controlar a situação e evitar uma nova rebelião.
Na segunda parte, Querns é demitido e McMannus retorna. Um caso curioso é a droga experimental que faz com que alguns presos aceitem tomar em troca da pena reduzida e que causa a morte de alguns deles. A dinâmica entre Beacher e Vern fica ainda mais tensa quando eles tentam acertar as contas e um mata o filho do outro. Outra morte da temporada é a de Clayton Hughes, que perde a sanidade por completo e é esfaqueado por um colega de solitária quando tentava matar Glynn e morre em seus braços, assim como o pai.
Um novo personagem é introduzido, Burr Reading, veterano da Guerra do Vietnã. Ele assume o tráfico de drogas ao liderar os negros e acaba alterando a relação com os italianos e os latinos para mais conflituosa. O Reverendo Jeremiah Cloutier também chega a OZ e altera o realismo da série, iniciado por Jara, ao influenciar os protestantes na sua jornada contra o catolicismo. Outro personagem curioso é o viciado Omar White, que é o elemento caótico que causa sérias alterações. Por último, o membro do IRA, o irlandês Padriac Connelly que coloca uma bomba em Emerald City no último episódio provocando a sua evacuação.
Chris Keller e Tobias Beecher e a sua relação de amor e ódio
A quinta temporada marca retornos e ironias à OZ. A mãe de Ryan começa a fazer trabalho voluntário na prisão, a ex-esposa de McMannus se transforma na nova assessora do governador em Oswald e Chris Keller, que havia sido transferido na temporada passada, volta para o corredor da morte. Um novo programa social se inicia, o treinamento de cão-guia para cegos, o que transforma a relação de Miguel Alvarez com Eugene Rivera.
As ironias continuam. McMannus pede ajuda de Said para reabilitar Omar White, mas falha todas as vezes até que ele vai no show de variedades e passa a não usar mais drogas. O bilhete premiado da loteria de Rebadow, que havia pedido ao guarda Dave Brass comprar e ele some, fez com que o seu neto morresse devido a um tratamento caro. E a maior ironia de todas é a morte de Augustus, o narrador da série, após se livrar do vício das drogas ele vai defender Burr Reading do ataque dos italianos e é esfaqueado.
A abertura da série que muda a cada temporada com as novas cenas
A sexta temporada tem novos narradores, todos que morreram na própria prisão, como Jeferson Keane, Shirley Bellinger, os filhos de Schillinger, Antonio Nappa e até Dino Ortolani. Para salientar, McMannus coloca um labirinto da meditação na quadra de basquete, o que permite a diversos detentos refletir sobre os seus problemas. Para salientar, um novo personagem é introduzido, o pantera negra Jahfree Neema, que traz mais questionamentos do que soluções na nova dinâmica da prisão.
Outro programa social permite a interação entre os presos, a encenação de MacBeth. Beecher consegue a condicional, mas volta à OZ traído por Keller, Ryan deixa de entrar com recursos no tribunal para Cyril morrer, pois não vê mais solução. Robson, um dos arianos mais fortes do grupo, tem a sua gengiva trocada pela de um negro, promovendo a sua expulsão da irmandade ariana e fazendo com que ele virasse a puta de outro detento.
O alívio cômico de OZ através da dupla Busmalis e Rebadow
E a sexta temporada promove uma série de mortes que visa a dar um final para cada personagem, algumas não tão satisfatórias. Pancamo mata Peter Schibetta, Said morre por conta de um repórter louco, este depois mata Omar também, o pai de Beecher é esfaqueado por uma puta de Schillinger que queria subir de hierarquia, Morales é morto pela enfermeira serial killer Carol, que deixa um rastro de outras mortes na enfermaria, Cyril é executado pelo estado, e na encenação de MacBeth, Beecher mata Vern após Keller trocar as facas, o próprio Keller mata diversos arianos com um pó químico entregue numa carta, depois Keller se suicida na frente de Beecher, e o próprio diretor Leo Glynn, que investigava a morte suspeita de um prefeito amigo do governador, é morto a mando do governador como queima de arquivo.
E como não poderia ser diferente, OZ termina por causa de uma evacuação geral da prisão. Após a morte de Glynn, Querns volta como o novo diretor, e, alertado pela Dra Glória do pó químico usado para matar os arianos, todos vão embora e assim o ciclo se fecha pois a rotina daqueles presos terminou.
Os irmãos Ryan e Cyril O’Reily
Por se tratar de uma série de rotina, similar a The Sopranos e Mad Men, é difícil encontrar uma linearidade de tema em OZ. A partir da terceira temporada passa a existir temas marcantes, mas ainda não arcos centrais, os episódios iniciam e terminam em si, promovendo uma narrativa híbrida tanto episódica quanto contínua.
A rotina da prisão opta por não mostrar a vida dos personagens principais fora da penitenciária, nem os poucos presos que conseguiram sair e depois voltaram. As cenas externas são sempre com algum filtro de cores aleatórias, geralmente usado em cinema para as cenas de sonhos, para mostrar os crimes cometidos por cada preso que os levaram para lá, elas servem também em sua maioria das vezes para introduzir novos personagens. O que importa na série é a visão daqueles presos, e, para eles, a sociedade é um sonho distante.
Outra característica que reforça o aprisionamento ao espectador é a noção do tempo. Não existe o desenvolvimento narrativo linear de cenas encadeadas entre si ou até mesmo uma unidade temporal. Ao longo das seis temporadas quando há alguma conspiração sendo tramada na cena seguinte já acontece o fato que levaria alguns dias ou semanas, como por ex a morte do marido da Glória por Cyril O’Reily, planejada na cena anterior por seu irmão Ryan.
Mais uma particularidade da reclusão é o número limitado de locações. Todos os 56 episódios se passam em poucos locais, como Emerald City, Unidade B, Corredor da Morte, Solitária, Academia, Hospital e nas salas do diretor Leo Glynn, de Tim McMannus e da Irmã Pete Marie.
Ao lado do roteiro denso e a direção que traz uma boa mise-en-scène, a atuação é o grande forte de OZ. Eamonn Walker interpreta Kareem Said, o líder dos muçulmanos e o melhor personagem da série; Lee Targersen dá vida ao ótimo Tobias Beecher; o excelente J.K. Simmons como o líder dos arianos Vern Schillinger; Christopher Meloni é o bom Chris Keller; Harold Perrineau é o cadeirante e narrador Augustus Hill; Adwale Akinnuoye-Agjabe é o imponente Simon Adebisi; o canastrão David Zayas como o novo líder dos latinos Enrique Morales; Michael Wright é o caótico viciado Omar White; Luna Lauren Velez como a Dra Gloria Nathan; Ernie Hudson como o diretor Leo Glynn; a sempre ótima Edie Falco na pele da guarda Diane Whittlesey; Rita Moreno interpreta a boa personagem Irmã Pete Marie; Terry Kinney é Tim McMannus; o limitado Chuck Zito é Chuck Pancamo; Scott William Winters como Cyril O’Riley; Kirk Acevedo é Miguel Alvarez; BD Wong é o Padre Mukada; Luke Perry como o pastor Jemeriah Cloutier; Anthony Chrisolm como o veterano Burr Reading; Peter Francis James é o pantera negra Jahfree Neema; R.E Rogers como o caótico ariano Robson; Craig MuMs Grant é o Poeta; Tony Musante o mafioso italiano Nino Schibetta; Luís Guzman como o líder latino El Cid; e George Morfogen e Tom Mardirosian dão vida à dupla hilária Bob Rebadow e Agamemnon Busmalis. A pior menção é Dean Winters, o ator mais limitado do elenco que interpreta um dos melhores personagens, Ryan O’Reiley.
OZ merece ser vista pelo valor histórico, além de ser densa, trata de diversos temas sociais que pode vir a interessar diversos públicos adultos.
–
Texto de autoria de Pablo Grilo.
Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.
Excelente artigo, apenas discordo da crítica para com Dean Winters, para mim Ryan O’Reiley impacta e muito quem esta assistindo. Ainda mais depois que o irmão dele entra na série, parece que da um Boom para ele.