Com exibição durante o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo, Torre das Donzelas surpreende por sua delicadeza e atualidade, e para entender um pouco mais sobre o filme, entrevistamos Susanna Lira, diretora do documentário. Confira a entrevista completa abaixo.
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Vortex Cultural: De onde veio o desejo de filmar um projeto como A Torre das Donzelas e qual foi a dificuldade de tirar as declarações das mulheres entrevistadas?
Susanna Lira: O desejo por trás de A Torre das Donzelas vem muito da questão de apresentar uma narrativa feminina na luta contra a ditadura, na luta pela democracia. Acho que vários filmes foram feitos sobre o assunto, e poucos sobre mulheres. Faço isso até para ser coerente com a minha obra.
Foi muito difícil, durante sete anos tentamos convencer as mulheres, umas eram muito eloquentes, outras não, e a confiança com essas mulheres foi sendo conquistada através dos anos, e elas foram se abrindo aos poucos, a medida que confiavam mais em nós, visto que estávamos nos conhecendo.
Vortex Cultural: Além de você, quantas pessoas trabalharam coletando os depoimentos ?
Susanna Lira: As entrevistas foram feitas só por mim, e foram realizadas em várias etapas, sendo a primeira na casa de uma delas, em 2012 senão me engano, mas só aproveitei duas frases desse pedaço, a outra foi feita em 2016, e que já foi no fundo preto e outra etapa de entrevistas já dentro da torre, ou seja, o trabalho foi dividido em três etapas.
Vortex Cultural: Uma das melhores coisas do filme é a franqueza com que as entrevistadas falam. Em muitos filmes sobre a Ditadura Militar se nota um certo pudor com as palavras mais chulas, no seu filme não, as mulheres falam abertamente da violência que sofreram, usam termos como “curra” e denunciam abertamente os estupros sofridos, qual o motivo primordial para elas terem se aberto de maneira tão verdadeira com você? Você acredita que é por conta da solidariedade comum as mulheres ou os pudores foram deixados de lado após todo o sofrimento da tortura?
Susanna Lira: Sobre essa questão delas se abrirem pro filme e usarem um palavreado bastante natural, é fruto do período em que íamos ganhando confiança, e assim elas iam se soltando, além de fatores externos que também influenciaram. Na iminência de acontecer o impeachment da Dilma (Rousseff, que também é entrevistada no filme) elas se soltavam ainda mais, pois julgavam urgente falar sobre o assunto, por receio de sofrer outro golpe.
Vortex Cultural: Apesar de muitas entrevistadas você claramente tem uma estrela em seu filme, que é a ex-presidenta Dilma Rousseff. Como foi a entrevista? Lembro que em outros momentos, como quando foi entrevistada realizada por Mariana Godoy, ela se saiu muito certeira e firme em suas respostas, mesmo diante de perguntas complicadas e do momento que vivia. Minha sensação é equivocada ou ela pessoalmente parece mesmo uma pessoa talhada para lidar com a adversidade?
Susanna Lira: A entrevista foi feita já pós impeachment, e ela já tinha ouvido sobre o projeto do Torre, e isso a encorajou a participar. O bruto tem mais ou menos duas horas e eu considero do ponto de vista de raciocínio o depoimento dela brilhante, ela faz uma síntese do que aconteceu ali dentro de uma maneira bem construída, e isso fica claro no filme. Ela fala muito bem. Eu tenho uma entrevista de duas horas que eu poderia publicar sem cortes, uma entrevista bastante rica e você nota a entrega dela. As próprias companheiras de cela falavam isso sobre ela, e dentro da torre ela era uma líder.
Vortex Cultural: Você já tem alguma ideia sobre um novo filme? Pensa em fazer ficção, visto que há partes teatrais em seu documentário?
Susanna Lira: Eu tenho vários projetos em andamento, um sobre o comentarista e ex-jogador Walter Casagrande, outro sobre luta de terras no Brasil, ambos documentais. Além disso, eu já dirigi uma série para o Universal Channel, em 10 episódios, chamada Rotas do Ódio, e mais dois projetos de ficção em mente que estou em busca de recursos. De modo que, não vou fazer uma migração, acho que sempre farei documentário, mas quero trabalhar com ficção sem abandonar o trabalho como documentarista.
Vortex Cultural: Como você acha que seu documentário conversa com a atualidade política do Brasil, em especial o que vem se demonstrando nas trocas de poder em 2019?
Susanna Lira: Esse filme a principio era sobre memória, um período bárbaro que nós jamais gostaríamos que fossem repetidos, e infelizmente quando passa a ser exibido e fica pronto, quase narra os próximos passos políticos no Brasil. Uma das personagens até salienta que é importante relacionar o que elas viveram com o que estamos vivendo agora. Então, infelizmente, eu espero que não seja da mesma forma, que tenhamos liberdade e espaço de crítica e oposição, democrática e pacífica, e que a gente não precise repetir nada do que aconteceu, mas confesso que fico preocupada com a atualidade do filme. Qualquer outra pessoa diria “que coisa oportuna”, eu preferia estar inoportuna agora e não ter essa atualidade tão grande. Eu vejo muita semelhança com a narrativa que elas me passaram com o que está acontecendo no Brasil. Infelizmente.
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