Trabalhando com o equilíbrio entre a análise fílmica e a superestimação da opinião própria e alheia, Kléber Mendonça Filho – crítico e cineasta – usa argumentos metafóricos, imagens essencialmente pautadas no estudo da visão, para fomentar as falas dos depoimentos colhidos, entre estrangeiros e brasileiros. Escrutinar o apreço à arte e ao mensuramento da qualidade dos objetos analisados é uma árdua tarefa, além de ter em seu exercício a tendência de supervalorização, tanto do trabalho do realizador cinematográfico quanto da relevância que uma resenha tem, sendo associada comumente – e quase sempre erradamente – à prática de uma arte por si só.
A busca por isolar o gosto ou expectativas da experiência em assistir a um filme é custosa: quase sempre esbarra em falas que podem ser interpretadas como azedas, amargas ou ressentidas, mas que, a priori, somente buscam elucubrar sobre algo óbvio aos olhos analíticos. Numa das entrevistas, João Moreira Salles argumenta que o papel do crítico é refém dos filmes por ele analisado, e que se o cenário artístico for completo somente por espécimes medíocres, de nada adiantaria todos os seus esforços.
Por mais que teoricamente o papel do resenhista seja o de se eximir de seus próprios gostos pessoais, o ofício do julgamento é volátil, pois a quantidade de conhecimento que se adquire com o decorrer de seus dias muda constantemente o seu ideário e repertório. Pode-se, no ato de atribuir notas à obra analisada, cometer injustiças, já que, em pouco tempo, tudo poderia mudar, especialmente em quantas estrelas a película poderia merecer.
Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga destaca que, uma vez o filme lançado, é preciso ter noção de que o produto será analisado e sofrerá ameaças à qualidade da produção, e que é preciso ter elegância para aceitar as falas ruins, pois isto faz parte do jogo. Já Bianchi não tem uma certeza sobre qual o ideal na crítica, se é somente informar as pessoas ou também reinterpretar artisticamente a obra avalizada.
O modo como Mendonça conduz a câmera visa mostrar a dualidade, não só entre a necessidade e a supervalorização da “crítica”, mas também a importância do diálogo entre o cineasta e o crítico. A fala de Walter Salles sobre isso é pródiga, destacando a Carrieri du Cinema, onde dois escritores teorizavam sobre o que deveria ser a Novelle Vague e dali começaram a praticar o que seria um movimento imortal do cinema, além de incitar dois dos realizadores mais marcantes da indústria e da arte – Truffaut e Godard. Os ecos disso seguem até hoje, com relatos de cineastas contemporâneos, como Bertrand Bonello e tantos outros.
Os depoimentos dos artistas do cinema também são interessantes por exibirem uma passionalidade ímpar, desde os diretores que não conseguem ler todo o texto – como com Babenco – até os obsessivos, que não conseguem parar de ler, mesmo quando lhes dói, a exemplo de Bruno Barreto. Há também uma parcela de astros que execram alguns dos estilos, como a erudição desmedida e uma subjetividade que não é necessária.
Outro argumento rebatido – especialmente por Daniel Burman e Fernando Meirelles – é o do “filme ideal”, onde o analisador, munido de seu conhecimento prévio e de uma expectativa preconcebida do que deveria ser a fita exibida, começa a apontar os momentos que deveriam mudar, as sequências de quadro e montagem editorial do produto, para que tornasse, dessa forma, uma obra perfeita. A frivolidade de tencionar que algo siga a escola preferida do observador somente revela uma pretensão de proporções dantescas.
Crítico faz justiça também ao exibir os reclames dos comunicólogos, que não aceitam de bom grado algumas das demandas da indústria. Luiz Zanim destaca uma experiência que teve em Cannes, ao cobrir o evento para um jornal. Ao chegar em terras francesas, ele teria uma bateria de entrevistas com diretores e produtores e as quais jamais havia marcado. Ao retornar ao Brasil, recebeu uma correspondência pedindo que ele redigisse uma carta bilíngue com as desculpas por não ter feito todo o conteúdo programado pela representante dos filmes que não a da pauta do jornal. Zanim obviamente não o fez, fortalecendo a fala de que, para a indústria, o ideal é que o crítico se torne um assessor de seus filmes, que somente propague releases e informações, como se fizesse parte do seu jogo comercial.
A reflexão causada pelo roteiro passa por diversos trabalhadores da indústria e pelos olhos e falas de artistas cooptados nos oito anos usados para que o filme de Mendonça fosse rodado. O estudo trata basicamente de sentimentos e sensações, conseguindo inserir muita informação num período de tempo curtíssimo – pouco mais de uma hora –, e que, ao mesmo tempo que exaure seu receptor com as variações de fala e com a câmera tão próxima de seus entrevistados, exibe, a partir desse viés, uma forçada intimidade, quase desnudando os que depõem, obrigando a quem termina de assistir a Crítico a ter uma reflexão, especialmente sobre a adjetivação de obras pertencentes ao público.