Histórias de natal nos quadrinhos Disney são quase que uma tradição anual. No Brasil, todo fim de ano vemos nas bancas um almanaque contendo coletâneas de histórias natalinas, o Natal de Ouro Disney. Edição esperada o ano todo pelos leitores nos anos 80 e 90, Natal de Ouro voltou a ser publicada há alguns anos, apostando em histórias mais recentes e algumas inéditas, produzidas na Itália. Além desta costumeira edição, os leitores de quadrinhos Disney no Brasil tiveram uma ótima surpresa nesse fim de ano: a Editora Abril publicou um volume em capa dura intitulado Contos de Natal por Carl Barks.
Barks foi o criador de praticamente tudo que é legal nas histórias do Pato Donald, desde personagens secundários até a própria cidade de Patópolis. Esta edição apresenta, em ordem cronológica (em partes – mais sobre isso daqui a pouco) todas as histórias com tema natalino escrita pelo Homem dos Patos. São 35 histórias que vão desde épicos de mais de vinte páginas até gags de uma página só.
As histórias de natal apresentadas nesse volume, além de serem clássicos indiscutíveis, carregam também grande valor histórico. A primeira delas, O Melhor Natal, apresenta a primeira aparição da Vovó Donalda. Além disso, mais duas histórias nos brindam com primeiras aparições: Natal nas Montanhas é a estreia de ninguém menos que Tio Patinhas Mac Patinhas (ou MacPato, para os saudosistas de Duck Tales). Aqui, Patinhas é um velho sovina e rabugento que odeia o natal e é praticamente o vilão da história. Sua personalidade ainda não estava definida – dizem que Barks não tinha planos de usá-lo em outras histórias.
O velho avarento co-estrela várias histórias, e rouba a cena em quase todas elas. O Patinhas de Barks não é tão avarento quanto era a princípio, e para ganhar a atenção de seus sobrinhos-netos não pensa duas vezes antes de esbanjar! Se em uma história ele aprende a valorizar o natal e a família, parece que na outra ele simplesmente esqueceu-se de tudo, e em outra se mostra muito mais mão aberta do que estamos acostumados. Nas últimas histórias, porém, podemos ver um Tio Patinhas muito mais próximo da figura que conhecemos: ainda um pão-duro, mas com bom coração!
Em A Visita do Primo Gastão vemos o surgimento do ganso sortudo que não gosta de trabalhar. Gastão vive à revelia da própria sorte, e aparece mais algumas vezes no volume, sempre rivalizando com Donald e se dando bem no fim das contas. Sua personalidade não muda tanto quanto a do Tio Patinhas.
A maioria das histórias parece girar em torno de um modelo: Donald enfrenta alguma dificuldade para comemorar o natal, inventa um plano, o plano dá errado mas no final tudo fica bem. Claro que nem tudo segue essa fórmula, e essa é a graça. Podemos ver os patos em um farol distante da cidade, em um submarino no meio do oceano, em uma ilha deserta ou simplesmente nos arredores de Patópolis. Barks pode contar uma excelente história, seja qual for o contexto ou cenário escolhido para tal.
A figura do Papai Noel é algo bastante curiosa. Aparentemente, ele existe e todos concordam com isso – inclusive o próprio Bom Velhinho aparece em duas histórias. Porém, ainda assim, é preciso comprar os presentes para os meninos ou colocar a cartinha deles no correio a tempo. Aparentemente, existe uma diferença entre os presentes dados pelo Noel e os recebidos das mãos de seu próprios familiares. O que importa, mais do que tudo, é uma boa ceia em família, com peru assado!
Barks não era lá um grande entusiasta da tradição natalina em sua vida pessoal, mas conseguia com maestria capturar as angústias, as ambições, os desejos e os mais diversos sentimentos que o feriado cristão gera nas pessoas, extrapolando para as páginas em uma excelente caricatura do Natal.
Das histórias publicadas, apenas as duas últimas não estão em ordem cronológica. Noite Feliz, penúltima história, havia sido escrita e desenhada nos anos 60, mas foi vetada devido a um alto teor de violência para os quadrinhos Disney americanos na época (Donald é torturado com choques elétricos por seu vizinho Silva). Essa história foi publicada pela primeira vez duas décadas depois, na Holanda. Isso explica a diferença do traço dos personagens, com pescoços e bicos mais longos, como nas primeiras histórias. Essa é a única trama em que fica evidente o caráter cristão do feriado, com Donald cantando a música título, mais devido à tradução da versão brasileira do que uma vontade do próprio autor, que preferia deixar questões religiosas de lado.
A última história não foi escrita por Barks, apenas desenhada a lápis. É a reprodução das páginas de um livro que já foi publicado no brasil três vezes, em diferentes formatos (diferente do que aparece creditado no índice, onde diz que foi publicada apenas uma vez). O velho conto Um Conto de Natal, de Charles Dickens, é mais uma vez reencenado pelo “Tio Scrooge” da Disney.
Contos de Natal por Carl Barks é uma excelente edição, não trata o feriado de forma maçante e é garantia de boa diversão. O formato de capa dura, 400 páginas e miolo em couché é excelente, embora um pouco menor do que o apresentado em A Saga do Tio Patinhas e Os 80 Anos do Pato Donald. Ao leitor e fã das aventuras barksianas, resta torcer para que a Abril republique sua obra completa em um modelo parecido.