Crítica | Viva: A Vida é uma Festa
Há algo de forçosamente infantil em Viva: A Vida é uma Festa que me incomodou por demais. Se antes a Pixar conseguia unir todos os públicos e idades através de uma forma infantil e ideologias maduras, me parece agora que a preguiça superou o equilíbrio de intenções e tomou conta de toda a idiossincrasia da onde Wall-E, Up e Toy Story, obras-primas, são oriundos.
Como já foi falado sobre o compositor austríaco Alban Berg (Assassinos Por Natureza), se o desespero da sua imaginação vai além da negatividade, das privações do seu tempo, parece-me agora que as infinitas possibilidades das tecnologias cinematográficas ilude mais os olhos dos técnicos que as asas da sua imaginação, fazendo-os acreditar que através de visuais de incontestável beleza chega-se a magia absoluta que eles acreditam reproduzir lindamente na tela, hoje em dia, mas na verdade a afogam devido o brilhantismo técnico que desnorteia a atenção para onde ela realmente deveria ir: Rumo aos anseios e as lágrimas de uma família em processo natural de desconstrução, e reconstrução estrutural.
Filmes recentes especialmente da Disney como a versão live-action de A Bela e a Fera, o segundo Guardiões da Galáxia e Viva: A Vida é uma Festa são em partes prejudicados pelo peso da tecnologia que, ao mesmo tempo que catapulta literalmente a beleza de seus mundos ultra maquiados, ofusca e esmaga suas mensagens mais belas e sensíveis. Isso em parte é culpa de suas direções unilaterais, que entendem toda a significação no cinema como se fosse construída por elementos de videogame para apenas direcionar o olhar maravilhado dos jogadores, e não de seus corações ao longo de uma narrativa a ser contemplada e interpretada com a calma de quem assiste, não de quem joga. Cada mídia com seus maneirismos, é claro, mas quando o assunto é cinema, nada mais nocivo que um aspecto pegar o espectador pelos olhos e guiá-lo na direção mais fácil.
Não me entendam mal, o longa é belíssimo principalmente por expor uma cultura de forma tão icônica, bem-humorada e celebrada como originalmente consegue fazer, mas tal dilema dos grandes espetáculos hoje em dia, o do desequilíbrio de intenções, jamais acomete as produções dos estúdios Ghibli, que nunca deixam a técnica superar a essência das histórias, preservada por sua vez pelo visual e também ajudada por ele a reunir objetivos em comum para se alcançar de forma cada vez mais rara em Hollywood o difícil patamar do brilhantismo absoluto onde moram animações como A Viagem de Chihiro ou Vidas ao Vento – e quando me refiro aqui a esse nível absolutista do brilhantismo, seria então um nível de excelência na direção de tangentes tanto técnicas, quanto substanciais por exemplo num uníssono, numa harmonia grandiosa de sentimento e pensamento que não se desassocia do todo no que importa à nossa percepção.
Isso é um grande dilema mais e mais sentido do cinemão atual, e precisa ser discutido. Resta portanto que filmes de grande brilhantismo técnico saibam de fato balancear seus méritos ou assumir de vez a que vêm: Avatar não reinventou roda narrativa alguma, como Pulp Fiction conseguiu, nos anos 90; veio pra quebrar barreiras técnicas e reinventar por meio de gigantescos efeitos especiais nossa relação com esses espetáculos. A intenção sempre foi clara, e é por isso que em momentos emocionantes em Viva o que deveria ser uma catarse vira bálsamo para os olhos, indo pouco além disso.
Mas é claro que, sendo simplista na linguagem, os momentos de lágrimas e euforia estão ali, afinal o pós-clímax é inteiramente bem costurado para isso, para emocionar quem quer que seja, sendo ao mesmo tempo absolutamente lindo, musicalmente vibrante e tocante como o devastador prólogo de Up (ou o final de Toy Story 3) faz marmanjo se debulhar, contudo, sendo uma traição na verdade a tudo aquilo que Viva, uma homenagem a cultura mexicana poderia ter realmente sido, e devido sua enorme ganância técnica fica deveras míope e não consegue (em partes, como tantas outras produções contemporâneas citadas aqui ou não) enxergar que menos pode quase sempre ser mais, em especial numa animação de ideias célebres e festivas, como prova a pequena e grande cena do neto com sua avó, e poucas outras tão inesquecíveis, quanto.
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