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  • Eduardo Risso e Alan Davis: Aprendendo com os Mestres

    Eduardo Risso e Alan Davis: Aprendendo com os Mestres

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    Ainda sobre a CCXP, evento que ocorreu entre os dias 1 e 4 de dezembro, trazemos hoje mais algumas informações. Em comparação com o texto anterior – Diário de Bordo – Um Final de Semana na CCXP -, esse deveria conter uma quantidade absurdamente maior de conteúdo (supondo-se que o anterior tenha tido alguma utilidade), e espero conseguir transmitir tudo que pude absorver de pessoas com um conhecimento, vivencia e experiência absurdas no meio dos quadrinhos.

    Por ordens do nosso coronel tentamos visitar quatro painéis, sendo eles; Eduardo Risso, Alan Davis, Mark Farmer e Frank Miller. Fracassamos com Frank. Mesmo chegando com uma hora de antecedência, eis a fila que nos esperava.

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    Apesar da vontade, a vida é curta demais para isso.

    Assim, foquemos no que foi possível aprender e apreciar. No sábado estivemos no painel de Eduardo Risso, artista argentino muito conhecido pelo seu trabalho com Brian Azarello em 100 Balas (100 Bullets), qualquer outra informação supérflua pode ser encontrada na Wikipédia, de forma que iremos ao que interessa. O painel de Risso tinha um foco na argumentação dos quadrinhos em geral, mas não impediu o artista de falar sobre sua carreira, seu modo de ver a indústria e fazer critica ao modo como tudo é administrado no meio.

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    Eduardo Risso em sua masterclass.

    Fazendo um paralelo com o cinema, Risso falou aos aspirantes presentes sobre os principais desafios atualmente presentes na indústria dos quadrinhos e sua visão sobre como lidar com tal fato. Em vista da popularização do universo das comics tanto para o cinema como para a TV (e nesse ponto ele colocou aspas enormes), o modo de retratar os dramas, ações e diálogos precisou ser revisto por toda a mídia. Existe uma facilidade de impacto visual óbvia no cinema, com os orçamentos astronômicos dispensados aos efeitos especiais e ao retorno quase certo por parte da audiência, não existe limite para o que se pode mostrar ou fazer. Em contrapartida, nos quadrinhos, têm-se as limitações já inerentes à arte, como o espaço dispensado para representar ações, as ações em si que são limitadas ao traço do quadrinista e ao tempo e orçamento limitados pelas editoras. Dessa forma ele foi bastante claro quanto à necessidade de talento, criatividade (apesar de ser claramente contra a utilização dessa palavra) e técnica para aproveitar cada aspecto da percepção do leitor, e conseguir leva-lo à fantasia de tornar móvel o que é imóvel, e emocionar com poucas palavras e imagens, o que na verdade é apenas um conjunto de rabiscos.

    Sem poupar críticas ele ainda ressalta que tal dificuldade de se lutar contra a indústria cinematográfica por um lugar ao Sol se deve ao fato da falta de cultura da geração atual, onde a imagem e a facilidade de entendimento deram lugar ao imaginário e a beleza de se interpretar os traços e as escritas de uma maneira particular e única para cada um. Segundo ele, não é interessante para governos e instituições que os jovens sejam leitores, e sim jovens espectadores, e a eles sejam dadas as coisas prontas e sem margem para interpretação e livre pensamento. Perguntado sobre a visão do Brasil no plano dos quadrinhos, ele volta a falar sobre a cultura (ou falta de…) dos jovens, buscando facilidade e conforto nas mídias atuais, mas sem isentar a falta de incentivo governamental para a leitura e a divulgação da cultura. Nessa linha de raciocínio, ele toca em outro ponto sensível para alguns, que é a banalização da arte em função dos super-heróis.

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    Para Risso, apesar de necessário em alguns momentos de sua vida (e ele é bem sincero com suas necessidades financeiras), ele se arrepende e mostra desagrado por ter tido a necessidade de desenhar super-heróis. Em sua visão, uma vida como artista desenhando homens musculosos e heroínas de pouca roupa é uma vida perdida, e se mesmo por necessidade o artista se propõe a fazer isso por tempo demais isso pode significar sua morte como criador e potencial artista original. Os conceitos já estão por demais formados e travados na mentalidade de mercado atual, e não há espaço para coisas novas e de cunho filosófico. Apenas mais do mesmo. Uma repetição incessante de historias já contada, apenas com capas alteradas.

    Foi-nos negada a possibilidade de questiona-lo sobre sua visão do futuro cinematográfico dos heróis, uma vez que segundo ele mesmo é um nicho fadado à mesmice e a mediocridade narrativa. Crendo que tal impossibilidade foi uma conspiração por parte dos sites rivais jovens e não tão culturais, nos resta esperar para ver.

    Encaixando de forma fantástica com o show de Eduardo Risso, no domingo pudemos acompanhar o fantástico Alan Davis e seu finalizador Mark Farmer nos darem opiniões um pouco distintas com relação à indústria dos quadrinhos. Sem tanto conteúdo falado e de vivencia, Davis e Farmer trouxeram a experiência no desenho em si para a mesa e nos agraciaram com um enquadramento ao vivo do Cavaleiro das Trevas, desde o esboço disforme até a finalização a tinta.

    Falando de sua experiência como quadrinista, Alan nos mostra uma apresentação de fotos de todos os seus momentos na indústria, explanando sobre diferenças de traços e sobre sua evolução como desenhista. Sobre aprendizado, ele deixou uma lição para aqueles que são pais, ou possíveis formadores de opiniões e profissionais. Nunca limite a mente de outra pessoa. Não existe forma de se expressar desagradáveis e erradas, e sim percepções divergentes sobre objetos, de forma que as percepções irão evoluir naturalmente, mas nunca da mesma forma.

    dscn0341Spider-man e Batman, pela sua neta.

    dscn0338Batman e Robin, segundo seu neto.

    Sobre técnica, chegou a desdenhar da ideia de lápis e canetas mágicas, preços exorbitantes de materiais de desenho. Em sua visão, um traço é tão bom quanto o artista que o faz, seja no melhor papel com o pedaço de carvão mais barato. Uma lição para alguns que o questionam sobre seus materiais e técnicas diferenciadas de desenho. Ele deixa claro que liberdade de se expressar leva ao aprendizado, nunca tendo ele passado por nenhum tipo de formação acadêmica (ou treinamento de qualquer tipo) quando do inicio de sua carreira profissional.

    dscn0367 dscn0401dscn0416Ensaia alguns argumentos sobre linguagem corporal e representação nos quadrinhos, mas não se aprofunda, mostrando e comentando alguns quadros onde usa poses e expressões para explicitar backgrounds que de outra forma precisariam ser descritos e, assim, contra produtivos. Em meio a descrições de formas de se produzir eficientemente em uma indústria bastante exigente com prazo, e histórias pouco amigáveis com colegas e editores, temos a entrada de Mark Farmer no painel de Alan.

    dscn0431“Esboço pobre”, segundo Davis, desenhado pelo mesmo.

    Parceiros de trabalho, ambos trocam brincadeiras e logo temos um clima bem mais descontraído e menos formal com Farmer se apresentando e pedindo que Alan se retirasse, já que não entendia muito de desenho. Esse modo de agir ditou todo o painel de Mark, que apesar de bem mais descontraído e pouco preocupado em falar sobre técnicas e modos de produção, ainda pode dar um vislumbre de como é a vida de um desenhista/finalizador e quão dedicada e disciplinada deve ser sua administração de tempo.

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    Dizendo que já aprendeu a lidar com calotes de editoras, chamando Alan Moore de “gatinho manhoso” e se vangloriando de “sair” para trabalhar em seu sótão no inverno de chinelos e bermuda, vemos o lado que parece perfeito em todo profissional bem sucedido e feliz com seu trabalho. E se não somos todos desenhistas, ao menos foi possível ver o quão felizes podemos ser com dedicação e prazer no que fazemos.

    dscn0488Final do masterclass.

    Uma demonstração de perícia absurda enquanto, distraidamente, faz piada e responde à plateia, foi o que tivemos em um painel bastante tranquilizador e que finalizou o masterclass da CCXP 2016 da melhor forma que um amador em desenho e leigo na indústria poderia esperar. Fiquei pessoalmente espantado com a demonstração de humildade e afeto mostrada pela grande maioria dos artistas no evento. Especialmente maravilhado pela pericia e conhecimento distribuídos àqueles que vão à busca disso em uma oportunidade única de reunir nomes tão significativos e variados de uma indústria que, segundo eles que fazem parte, dá poucas chances para os muito talentosos, e nenhuma para os de mente simples.

    Texto de autoria de Lucas Nunes.

  • Resenha | Lendas do Cavaleiro das Trevas: Alan Davis

    Resenha | Lendas do Cavaleiro das Trevas: Alan Davis

    Se existe uma lacuna nas publicações DC Comics no Brasil, podemos dizer que é a de fases clássicas de seus personagens. A Panini vem publicando com sucesso suas Coleções Históricas da Marvel Comics há algum tempo, enquanto os fãs da DC quase não têm acesso às histórias da mesma época. A coleção Lendas do Cavaleiro das Trevas vem preencher esse vácuo, e podemos comparar sua qualidade com a da Coleção Histórica Marvel: Homem-Aranha. A primeira publicação dessa linha apresenta o Batman desenhado pelo veterano Alan Davis.

    Esqueça o personagem fascista e psicótico eternizado por Frank Miller em O Cavaleiro das Trevas: esse Batman é um verdadeiro herói em todos os sentidos da palavra! O lado detetivesco é bastante explorado, mas o melhor é a relação com o Robin! Qualquer aspirante a humorista que insiste em fazer piadas homofóbicas com a Dupla Dinâmica provavelmente nunca leu uma história dos personagens. Robin aqui é Jason Todd, e a julgar por essas histórias, não há motivo para odiar o personagem. Sua relação com Batman é mais do que entre pupilo e tutor: é de pai e filho. Batman demonstra uma preocupação e um carinho muito grande com seu filho adotivo, e quer para ele um destino melhor que o seu próprio. A possibilidade da perda do parceiro-mirim é um fantasma que assombra o Homem-Morcego – o que nos faz entender todo o desenvolvimento do personagem após a morte de Jason.

    Os vilões clássicos estão presentes nos dois volumes: Mulher-Gato, Coringa, Espantalho e Chapeleiro Louco são apresentados da forma como os conhecemos nas animações oitentistas. Assim, temos uma Selina Kyle miando e ronronando todo o tempo, um Coringa espalhafatoso e pouco ameaçador, e um Jarvis Tetch abobalhado.

    O primeiro volume é bastante divertido. Já o segundo, embora tenha histórias melhores, é um pouco frustrante, pois a capa induz o leitor a pensar em histórias que, no final, não estão na edição. A capa do volume dois apresenta o Batman carregando Robin no colo, com chamas no cenário atrás, o que dá a entender que será apresentada a clássica história Morte em Família, quando na verdade é uma história de origem do Homem-Morcego. Já na quarta capa vemos o Morcegão segurando uma arma, imagem do clássico Ano Dois. Infelizmente, apenas a primeira história de Ano Dois consta na edição, por ter sido a única desenhada por Alan Davis. Esse seria um bom argumento, se no primeiro volume não houvesse histórias desenhadas por outros artistas (o encontro de Batman com Sherlock Holmes) para completar um arco iniciado por Davis. Mesmo assim, essa edição é melhor que a primeira, e se encerra com uma história de Batman – Preto e Branco. É bom ver o Batman oitentista novamente, sendo aquilo que ele realmente deveria ser: um detetive e, acima de tudo, um herói!

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  • Resenha | Batman: Ano Dois

    Resenha | Batman: Ano Dois

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    Após o aprofundamento e a reflexão necessária à origem do Homem-Morcego pós-Crise Nas Infinitas Terras, encabeçada por Frank Miller e David Mazzucchelli, outros artistas deram prosseguimento às aventuras do Cruzado Encapuzado. Paralelo a isso, muitos outros heróis da DC tiveram suas origens recontadas concomitantemente com a publicação de Batman – Ano Um, tendo a excelência do personagem nas páginas da Detective Comics, com a trama de Mike W. Barr.

    A história intitulada Medo do Ceifador segue aprofundando-se nos aspectos da origem do Morcego, revelando que, décadas antes, também havia um vigilante nas ruas de Gotham chamado Ceifador, cujos métodos eram bem mais violentos e fatídicos que os de Batman. Em um programa de entrevistas, o recém-empossado Comissário Gordon tenta validar as ações do herói, desassociando seu modo de operar do anterior, mostrando uma estreita relação entre o “fora da lei” e a polícia, elemento bastante diferente das perseguições que predominaram em Ano Um.

    Convenientemente, após a sua menção no programa de TV, o Ceifador retorna às ruas com lâminas afiadas, um manto negro e uma máscara de caveira, impondo medo nos supersticiosos bandidos e pondo fim nas atitudes malévolas que eles impingiam ao inocente povo. O personagem era bem mais ativo, cruel e certeiro que Batman, e seus métodos eram discutíveis, não só do ponto de vista ético, mas também do pragmático, sendo este último mais favorável a ele do que ao Morcego, especialmente para a parcela conservadora da população de Gotham. De certa forma, seu comportamento vai de encontro a uma das críticas feitas ao personagem pensado por Miller em O Cavaleiro das Trevas, por vezes atribuindo à figura heroica um comportamento fascista.

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    O Ceifador seria o argumento supremo de que Batman estava certo, o fiel da balança na antiga discussão, a comprovação de que ele era um herói justo. A prerrogativa seria bastante discutida na primeira luta de ambos, na qual Batman sofre um revés, apesar do seu hercúleo esforço. Ao perceber o quão obsoleto é ante os métodos de seu inimigo, Bruce lança mão de algo que jurou não utilizar, empunhando um revólver, o mesmo que feriu mortalmente seus pais. Se em uma camada superficial nota-se um tropeço do ethos, em uma análise secundária percebe-se a indecisão, consequência da humanidade do personagem, falhas na construção de seu próprio caráter, aspectos de um combatente da liberdade em início de carreira.

    A arte clássica de Alan Davis dá lugar ao traço de Todd McFarlane, desenhista muito distante da fama que ganharia ao “inventar” Spawn e grande parte da Image Comics. A mudança do artista talvez seja o fator mais importante para que Ano Dois não se transformasse em clássico absoluto dos quadrinhos. A qualidade cai vertiginosamente, mas não a ponto de tornar o quadrinho reprovável.

    As suspeitas em relação à identidade do “malfeitor” recaem sobre o veterano Judson Caspio, pai de Rachel Caspian, que retornou à cidade após anos de ausência e a pedido de Leslie Thompkins, uma das figuras maternas mais presentes na vida de Wayne. Em comum com o jovem filantropo, há a tragédia na vida dos Caspians, com a morte prematura da matriarca pelas mãos de um bandido armado. O despertar do senso de justiça habitava o coração do viúvo. Convenientemente, o magnata da cidade se aproxima da bela ruiva para fins amorosos, mas, claro, fazendo referência à investigação.

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    Para surpresa de Gotham, Batman parece ter mudado de lado ao discutir termos com traficantes e bandidos conhecidos da cidade, entre eles Joe Chill, assassino dos seus pais, que, em outras versões, era somente um assaltante mequetrefe. A ascensão social e o crescimento da importância de Chill na cidade são artifícios que caem dentro da trama como uma luva, mas sua repercussão e sua trajetória poderiam ser melhor construídas. Em contraposição, a resignação e a dúvida crescem na mentalidade do herói, pondo em xeque até a sua própria dignidade. Apesar do plano provar que o pequeno Bruce é capaz de evoluir, andando ao lado de alguém absolutamente responsável por sua maior dor, o modo como Batman e Chill interagem, agindo como dupla, é muito estapafúrdio, produzindo momentos de absoluta vergonha.

    Bruce deixa o arquétipo de “solteirão convicto” propondo casamento a Rachel. O romance entre os dois também não foi aprofundado nos momentos anteriores, o que faz discutir se este era um movimento de investigação. A surpresa ao descobrir o real caráter da moça só não foi maior que a sanguinolência do modus operandi do Ceifador. Suas garras atravessam os bandidos, num grafismo que McFarlane sabia conduzir como poucos. A truculência do Ceifador impediu até mesmo a trágica vingança que o Morcego queria fazer contra o assassino de seus pais, interrompendo o ato dramaticamente para, mais uma vez, limpar o currículo de Batman, que não deveria matar.

    A redenção chega ao antigo vigilante ao fazê-lo se lançar para a morte após uma batalha corporal com o novo protetor de Gotham. Ao perceber o arrependimento do que seria a sua contraparte mais violenta, Batman deixa a arma do assassinato de Thomas e Martha, encerrando o uso do revólver no edifício dedicado ao seu pai. Após todo o ocorrido, ele se vê sozinho novamente, impossibilitado pelo luto de sua noiva e pela frustração de não conquistar a relação que queria, remetendo à tragédia da solidão que preconizaria seu destino, revista e modificada no final de Batman – O Cavaleiros das Trevas Ressurge, de Christopher Nolan. Ano Dois contém muitos erros de concepção, mas seu ideário é riquíssimo em nuances, mesmo que estas poderiam ter sido melhor exploradas, não fosse a pressa editorial.

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