Crítica | Versos de Um Crime
Presente desde eras anteriores à palavra, a angústia foi definida e analisada como conceito somente nos últimos séculos. Atribui-se à modernidade a culpa pela sensação de urgência em que o indivíduo, diante de um mundo plural, torna-se incapaz de identificar-se com o exterior e compreender seu valor em sociedade. Um mundo novo que negava as tradições anteriores e fazia da razão um dos papéis centrais. Neste espaço de avanços filosóficos, científicos e tecnológicos, além das grandes guerras que assolaram o começo do século, nasce o homem fragmentado.
Em detrimento das tradicionais biografias cinematográficas que apresentam as personagens em sua totalidade, Versos de um Crime, de John Krokidas, traça a história de uma geração de jovens que viveu sob a incerteza e a angústia da guerra, reconhecendo-se na figura de homens fragmentados.
Centrado no escritor Allen Ginsberg, a trama acompanha o autor em sua jornada pela faculdade, inicialmente vista como um local primordial de aprendizado mas que, aos poucos, torna-se um espaço formulaico onde o conhecimento não busca a iluminação. Negando seus estudos, Ginsberg encontra um grupo de escritores com o qual pode dividir sua angústia e a urgência em fazer arte numa época em que o conceito artístico parecia desgastado.
Grande parte da jornada de um escritor divide-se na dúvida primordial de seguir a tradição que lhe é imposta ou rompê-la. Ginsberg e os não menos notáveis William Burroughs e Jack Kerouac, ao lado do amigo Lucien Carr, são jovens de família bem-sucedidas que, embora aceitem a condição em que vivem, sentem-se entediados pelo ambiente ao redor e buscam romper na literatura as amarras de seu tempo.
Em companhia de seus pares, os escritores retomam grandes poetas transgressores do passado à procura de uma própria forma de romper as estruturas vigentes. Recorrem ao poeta W. B. Yeats, utilizando-o como fruto de inspiração para fundar a própria história, e criam um manifesto que ia contra o conceito literário da época. Um passo importante para demostrar que as regras seriam pervertidas e quebradas.
A angústia sentida pelas personagens está atrelada à sua própria arte. É necessário entender o deslocamento que vivem para ter a experiência que dará densidade à escrita. Um senso que compreende o passado para também aceitá-lo ou quebrá-lo. Elementos primordiais que definem a própria modernidade, fazendo desta produção uma narrativa metaficcional sobre a própria literatura.
Reforçando a sensação de ruptura, diversas cenas simbolizam esta metáfora de maneira poética. Vemos escritores bêbados ou afetados por alguma droga à procura de uma nova consciência, rasgando livros clássicos como uma fogueira que pulveriza as tradições. Nada mais justo do que uma história que apresenta grandes poetas da geração beatnik, movimento que fundariam.
No interior dessas curvas, entre autoconhecimento e negação, um dos personagens assassina um homem mais velho tido como mentor. A morte real de David Kammerer causa naturais cisões no grupo, mas é também o caminho para que Kerouac, Ginsberg e Burroughs encontrem o melhor de seu estilo literário.
Ainda que a morte tenha sido baseada em fatos reais, ela não deixa de ser funcional como uma metáfora da citada ruptura entre o novo e o velho. Na figura de Kammerer, Michael C. Hall interpreta um homem apaixonado pelo efebo Lucien Carr, e, diante de um amor não correspondido, a personagem se torna obcecada pelo jovem, um caso que ganha trágico desfecho.
O desejo também é parte da questão de identidade que atravessa as personagens; Ginsberg também sente-se atraído pelo garoto, dando indícios de que este seria um dos primeiros traços de sua homossexualidade. Mais um elemento que seria definidor na carreira do poeta.
A produção de Versos de um Crime – com péssima tradução do título Kill Your Darlings, parecendo um título de Terror B – demorou cerca de dois anos para ser finalizada. A princípio, por falta de verbas; depois, pela perda de seu ator principal, Daniel Radcliffe que, além de interpretar um dos bruxos mais famosos da nova literatura, sustenta bem o difícil papel do poeta. Demonstrando a dúbia maturidade da personagem, observamos o tédio em que as personagens viviam para, enfim, compreendermos a criação do movimento beat.
Ao fazer um pequeno recorte histórico que se finda na morte de Kammerer, a produção foge da situação de perfeição de seus biografados e amplia a densidade da angústia que ainda reside no homem contemporâneo, que, após tantas margens e tabus aniquilados, encontra-se à margem de um vazio sem saber sua motivação. Assim como no poema de Yeats no qual os poetas se baseiam para fundar seu manifesto, muitas vezes o tempo é circular. Parte da compreensão do mundo atual deve ser feita retornando ao passado. A vida como meta ficção.