Crítica | Ralé
Dependendo fundamentalmente da inserção do espectador em sua proposta, Ralé, ficção que usa alguns elementos documentais para fortificar seu texto é uma ode à anarquia e à parcela da cultura popular normalmente ignorada pelo público conservador e purista das regiões Sul e Sudeste do Brasil, iniciando sua narrativa a partir de um conhecido áudio que se tornou meme nos últimos anos, a diretora Helena Ignêz – realizadora de Feio, Eu? e prolífica atriz de Belair e Dejaloh – já demonstra o caráter de seu longa em sua introdução.
O roteiro de Ignêz explora uma trama metalinguística, envolvendo a feitoria de cinema e teatro, aludindo à peça Ralé, de Máximo Gorki. Apesar do formato episódico, que se mistura entre um quadro e outro, nota-se um caráter de road movie, que discute o nada e o vazio da existência, versando através da abstração sobre ócio, criatividade, sexo e paixão.
A tentativa de reinventar o formato pode até não ser alcançado, especialmente porque isso só é confirmado após uma análise distanciada temporalmente, mas o texto ensaísta funciona por tentar ousar em direção a uma arrogância dadaísta, exibicionista como o exercício fílmico dentro do roteiro.
Na camada superficial, há algumas alegorias junto a Cecil Bem Demente, de John Waters, ainda que o escopo seja sob um olhar crítico, típico do analista de artes. A escatologia real faz assustar, especialmente pela entrega de alguns membros do elenco, como Ney Matogrosso, Ariclenes Barroso e Simone Spoladore, todos expressando o auge de seus talentos e corpos. Ralé trata fusão de tesão, anarquia, sexualidade e punk, em um formato que louva o cinema.
RALÉ – Trailer from Mercúrio Produções on Vimeo.