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  • Resenha | Paris é uma Festa – Ernest Hemingway

    Resenha | Paris é uma Festa – Ernest Hemingway

    Paris É uma Festa, livro póstumo (lançado em 1964, três anos após o suicídio do escritor) de Ernest Hemingway onde retrata sua vida na década de 1920 na capital francesa. O título original, A Moveable Feast — Uma Festa Móvel, em uma tradução literal — remete à afirmação do próprio autor em correspondência com um amigo, falando de seu período na “Cidade Luz” europeia. Sobre a situação da cidade durante o período entre as duas Grandes Guerras Mundiais, Hemingway deixa claro sua importância como um imã dos mais influentes artistas do momento, a maioria se conhecia e se encontrava regularmente nos cafés (que na verdade eram mais voltados a servir cervejas e vinhos), sendo pintores, escritores, jornalistas, escultores, uma gama de pessoas dos principais locais do mundo se reunia ali. Ressalta o autor, também, que a maioria possuíam falta de dinheiro, sendo que o próprio Hemingway narra sua fase em Paris sempre em dificuldades financeiras, concluindo o livro com as palavras “pobre e feliz”, resumindo o momento que passou.

    Ainda sobre o livro, que tivera pelo menos duas versões, uso a versão organizada e revisada pela sua viúva, Mary Hemingway, que mantém quase a integralidade do manuscrito organizado e revisado pelo autor antes de sua morte. Uma nova versão, realizada pelo seu neto com Pauline Pfeiffer, foi lançada em 2009, com a organização original dos capítulos (reorganizada por Mary por uma questão cronológica), um prefácio do autor e algumas omissões de trechos depreciativos à sua avó.

    Dentre as relevâncias interessantes se poderia se destacar, inicialmente, sua amizade com Gertrude Stein, poetisa e romancista estadunidense que adotou a capital francesa como morada. Em sua casa reuniam-se diversas das personalidades citadas, além do próprio autor, temos ainda personalidades como Ezra Pound, James JoycePablo Picasso, entre outros. O relevante durante estre trecho do relato realizado pelo autor é a evidência da homossexualidade da Sra. Stein, contudo, segundo ela, por se tratar de uma relação entre duas mulheres se trata de um amor real e verdadeiro, mas caso esse ocorresse entre dois homens seria depravação (Hemingway, como homem de sua época, concorda com Gertrude). É interessante observar essa visão de ambos nesse relato, pois ainda que seja, inicialmente, revolucionário, rapidamente se torna reacionário e preconceituoso, mas claro, estamos falando da década de 20, o que torna o julgo da normalidade do relacionamento de Gertrude e Alice (sua companheira) algo muito progressista, mas quando se estende à homossexualidade masculina não há qualquer avanço nesse sentido, nem mesmo entre as homossexuais como a Sra. Stein.

    Outro ponto interessante é a relação entre o autor e Scott Fitzgerald. Antes de Fitzgerald lançar seu O Grande Gatsby, acabou conhecendo Hemingway em um tumultuado café, onde travaram uma conversa amistosa — apesar de grandes ressalvas sobre a figura de Fitzgerald — e discutiam contos e até problemas pessoais, tendo um dos temas recorrentes Zelda, esposa de Scott, a qual chegou a ser internada em um manicômio em 1930. Fitzgerald comumente é retratado pelo autor como um sujeito fraco para o álcool, que após um ou dois tragos já está cambaleando, além disso é retratado como um sujeito hipocondríaco, que frequentemente acredita estar doente e está às portas da morte. Somando esses problemas emocionais e sua esposa extremamente ciumenta e controladora, que além de tudo ainda o arrasta para noitadas intermináveis, se demonstrando um verdadeiro um empecilho para seu ofício de escritor, vindo a atrasar suas publicações e criatividade.

    Paris É uma Festa é um interessante exercício narrativo do cotidiano de um escritor na década de 1920, além de contar com algumas curiosidades e segredos no modo de trabalho do autor. O livro conta ainda com uma relato interessante do que era Paris antes de ser invadida e ocupada pela Alemanha Nazista pouco tempo depois. Por fim, é interessante vislumbrarmos as diversas personalidades da época, em sua maioria artistas, relatadas por um autor mordaz como Hemingway.

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    Texto de autoria de Róbison Santos.

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  • Resenha | Para Onde Vai o Amor? – Carpinejar

    Resenha | Para Onde Vai o Amor? – Carpinejar

    Para Onde Vai o Amor (Bertrand Brasil), do escritor Fabrício Carpinejar, é uma reunião de crônicas com o amor como tema principal. Mas mais do que o agrupamento de relatos cotidianos amorosos, Carpinejar é o operador de um microscópio sobre as formas de amor que atingem tanto homens quanto mulheres em diferentes fases de vida. O livro também pode ser lido como dezenas de conselhos amorosos dos mais sinceros e inteligentes que dispomos no mercado.

    Não é de hoje que Carpinejar é uma espécie de guru moderno quando o assunto é amor e nuances emotivas. O escritor tem uma dezena de obras, em maioria crônicas, tematizadas pelo sentimento pleno e é um expert quando o assunto é relacionamentos. De onde vem tanta inspiração? Não sabemos, mas o que temos certeza é que as palavras dele pesam, têm valor. Para Onde Vai o Amor não é cliché, não te diz o que fazer quando a situação X ou Y acontece, antes, é um livro que transborda faces de sentimento e nos faz confortáveis à medida que avançamos a leitura. É prazeroso pelo aparente descompromisso, mas eficaz pelas mensagens que transmite.

    Frases curtas com excelentes metáforas ao longo do livro, Carpinejar é um dos poucos que consegue escrever com tal nível de responsabilidade e entendimento quando o assunto é o amor. Ademais, é um livro de fácil compreensão que pode ser lido por todo o tipo de pessoas. Com essa simplicidade de escrita, o autor também expõe como o amor pode se transformar de algo inofensivo a incompreendido e, explícita essa intersecção, ele se põe a analisar as nuances que tiram o sono de quem está amando.

    O livro também é precioso (algumas pessoas podem dizer pretensioso), porque busca delimitar o que é o amor na atualidade. Carpinejar, contudo, não peca pela pretensão soberba em redefinir aquilo que somente os bons poetas conseguem versejar, ao invés, o escritor dá pistas, traça linhas visíveis e humildes que podem ser utilizadas como um mapa do tesouro a quem se sente perdido frente à intensidade do sentimento pleno. Livro mais do que recomendado.

    Texto de autoria de José Fontenele.

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  • Resenha | Gomorra – Roberto Saviano

    Resenha | Gomorra – Roberto Saviano

    O relato jornalístico do autor emprega verossimilhança à história, dificilmente encontrada em pares semelhantes ou em textos que meramente toquem na temática da máfia italiana. O romance investigativo presente em Gomorra é tão popular em seu país que já ganhou algumas interpretações no audiovisual, como no filme de Matteo Garrone e no seriado encabeçado por Stefano Sollima.

    O comércio de bens ilícitos envolve um mercado clandestino de vidas, denunciando as ações da Camorra sob o “país da bota” e expondo uma realidade nada fácil. As fraudulências típicas das transações do chamado “sistema” se confundem ante as posturas estatais, ao mesmo tempo que são glamourizadas tanto pelo circo midiático quanto pela indústria do entretenimento.

    De Nápoles, começa a linha criminal, que despeja seus espólios escusos e imundos no solo da Campânia. Nem mesmo a terra dos chefões é preservada ou perdoada: o lucro está acima de qualquer necessidade humana básica, ecos de um capitalismo selvagem que é implacável e imperdoável, além de opressor.

    Chega a ser curiosa a sobrevivência de Saviano mesmo após todos os flagrantes registrados no livro. Abaixo do título, há a máxima que já introduz o leitor no que virá a seguir: “A história real de um jornalista infiltrado na violenta máfia napolitana”. Remetendo a Hannah Arendt – que é citada junto a outros clichês filosóficos ou cinematográficos -, o autor decide refletir a realidade de modo despudorado, já que a verdade jamais temeu mostrar-se como ela é aos seus dias dentro da tormenta.

    O início do relato é falsamente tímido, registrando a rotineira movimentação mecânica de um porto que recebe mercadorias vindas de terras distantes. O primeiro caso relatado trata de uma conexão Itália-China e que, mesmo em suas partes “inocentes”, já demonstra como é o funcionamento político daquela paragem e o quanto de respeito é depositado nos reais mandantes do lugar – por isso a alcunha de “sistema” é tão presente. A presença dos asiáticos no local é tão constante que não é anormal alguns destes mudarem seus nomes para nomenclaturas italianas. Logo, o status de normalidade é quebrado, ainda que o conceito de normal seja deveras discutível. O disfarçado relator logo se emprega junto aos chineses para realizar o descarregamento de um comboio, algo simples, mas ainda assim perigoso.

    Sua temeridade é atroz, diferente da expectativa de quase todos os outros seres que habitam aquele universo. Tão flagrante quanto a tensão típica de quem está em vias de cometer um crime é também notar a incidência de jovens neste mercado; pessoas com quinze anos já são capazes de trabalhar na Itália – é o que diz o pensamento do homem comum, portanto é comum que estes se envolvam com algo natural, como o crime organizado. Um dos fatos destacados por Saviano é a impossibilidade de viver, trabalhar ou se sustentar se não for pela Camorra, onde até os viéses econômicos são pautados pelo crédito de empréstimo dado aos cidadãos, já que sua falta de capital os jogava à margem do que os bancos considerariam mínimo – mesmo que os requisitos fossem preenchidos, havia uma forçação, algo livre de qualquer culpa.

    O termo Camorra é utilizado por quem está distante, normalmente por jornalistas e membros da mídia. Os policiais e adeptos até riem da nomenclatura e jamais a citam, algo semelhante ao esforço que Mario Puzo teve ao não cunhar “máfia” em seu romance O Poderoso Chefão. Os membros chamam de Sistema. O clã Sistema de Secondigliasno tomava a periferia de Nápoles, onde era sua base de operações, o coração da hidra que estendia seus muitos tentáculos pela vastidão do país. O ramo têxtil estava sob suas mãos, e a mão de obra era qualificadíssima. O destaque emocional fica por conta do capítulo intitulado Angelina Jolie, que mexe com sentimentos fortíssimos e com os sonhos.

    Os detalhes do modus operandi da organização, bem como a rotina dos seus dias, são feitos de modo rico e detalhado. Notável e consequentemente lamentável é perceber que os setores comuns e civis da sociedade só agiam após as autoridades que combatiam a ação mafiosa em campo nacional. Não poderia haver de modo algum uma intervenção ou reclamação que não tivesse eco junto às autoridades instituídas de modo democrático, já que as famílias também eram uma autoridade, mas combatidas à força, algumas vezes com mais ingerência que o Estado.

    A interação entre a Camorra e os carabinieri – uma ramificação da polícia ora oficial, ora não oficial que trabalha nas imediações italianas – é mostrada em todas as suas ligações escusas, desde a perseguição até a colaboração mútua. Chega a ser engraçado notar o quanto o tráfico de drogas é um tabu mesmo na contemporaneidade, inclusive quando os clãs trabalham com ele. O receio, motivado pelas penas maiores, de que a Lei do Silêncio fosse quebrada é enorme. Mais assustador ainda é notar que a escrita de Saviano, com o passar do tempo, vai se tornando mais fluida ao se referir aos assassinatos, como se emulasse a naturalização dos crimes em sua rotina. Crimes que deixam de atemorizá-lo para transformarem-se em algo natural, ou ao menos não tão incomuns.

    Os apelidos infantis e pueris de alguns soldados – como Pikachu e Kit Kat – fazem um belo contraste com a loucura obsessiva e violenta de suas rotinas, vivências repletas de medo, sempre no fio da navalha, com a morte e truculência como parte de uma linguagem universal. A simplicidade ainda os toca, já que grande parte dos adeptos é ainda adolescente. Sua alimentação, desregrada e à base de pizza, quase sempre ingerida de modo errático e rápido, denota pressa pela ação, em pôr em prática o que se quer.

    Uma citação interessante sobre a ética e moral dentro da cabeça de um camorrano:

    “Estar no centro de cada ação, o centro do poder. Usar tudo como meio a si mesmo como fim. Quem diz que isso é amoral, que não pode haver vida sem ética, que a economia possui limites e regras a serem seguidas, é simplesmente quem não conseguiu comandar, quem foi excluído do mercado. A ética é o limite do perdedor, a proteção do destronado, a justificativa moral para aqueles que não conseguiram jogar tudo e conquistar tudo. A lei tem os seus códigos estabelecidos, mas não a justiça, que é outra coisa bem diferente. A justiça é um princípio abstrato que todos têm, suscetível conforme se interpreta, de absolver ou de condenar os papas, culpados os santos e os ateus, cupaldos os revolucionários e os reacionários. Culpados por terem traído, matado, errado. Culpados por terem envelhecido e morrido. Culpados por terem sido ultrapassados e vencidos. Culpados perante o tribunal universal da moral histórica e absolvidos pelo da necessidade… Não são os negócios que os camorristas perseguem. São os negócios que perseguem os camorristas.”

    Ao mesmo tempo que evidencia a ideia, Saviano destaca o número de mortos na Camorra (140 e pouco), maior do que os da Cosa Nostra, Nhandragueta, IRA e Máfia Russa juntos, e contra tal afirmativa não há sequer resquício de plausibilidade em qualquer negação ou corruptela. Seu testemunho inclui as inconvenientes perguntas de colegas comunicólogos, que queriam saber ser necessário usar colete à prova de balas para simplesmente fotografar um evento de arte em Nápoles. O folclore tomou a cidade, tornando-a por vezes uma paródia, uma paragem tragicômica que não comporta personagens, e sim pessoas.

    Chegava ao cúmulo de Saviano receber ofertas vantajosas financeiramente para andar com escuta, ou com uma câmera sob a orelha, para que passeasse pelos lugares que somente ele conhecia, pelos becos onde a ação ocorria, para registrar o modo de operar da cidade, que tinha mais armas do que garfos, num reality show que exporia o lado que a Omertá protege.

    Analisar a complacência do povo com as ações do sistema e não impôr juízo de valor é praticamente impossível, mas analisar o comportamento fora desse intrínseco contexto é desonesto e arbitrário. O que Saviano propõe é a simples exposição dos fatos e falas, do modo mais literal possível, para que o seu leitor tenha as suas próprias conclusões. A realidade é que o Sistema subsiste também com a colaboração do povo, seja por coações da Camorra, seja pelas vantagens que os clãs dão a quem habita aquelas terras. A relação que teoricamente seria de medo é simbiótica. Não que a violência não atinja eventualmente o cidadão dito comum (e civil), mas normalmente a rotina deste não é afetada, já que eles sabem transitar bem entre os pólos, assim como têm consciência de até onde vão os seus domínios – leia-se a última sentença com ressalvas. A relação estranha entre esses pares é que ajuda a propagar a fama da cidade napolitana, uma cidade tão falada que basta citar seu nome que qualquer pronunciamento é simplesmente calado, um lugar onde o bem é totalmente o bem, e o mal é totalmente o mal, sem espaço para nuances ou variações.

    Segundo o autor, a morte na Camorra só acontece quando se tem envolvimento em múltiplas suspeitas. A culpa é factual até que se comprove o contrário, numa grande inversão de valores. A teoria do Direito moderno é invertida na terra dos clãs. Ao falar sobre a comparação com os mitos hollywoodianos, Saviano diz que O Poderoso Chefão é eloquente e que até ditou regra entre as famílias, que buscavam se assemelhar ainda mais aos clichês de Don Vito Corleone. O termo usado para indicar um chefe de família sempre foi compare – compadre -, mas, por influência da fita de Coppolla, as famílias ítalo-americanas começaram a tratar seus chefes como padrinhos, ao invés de compare e compariello. Óculos escuros, gestos, frases de efeito, tudo isso passou a ser comum a John Gotti e Luciano Liggio, chefes reais da máfia nos EUA.

    Perto do final, Saviano reforça a ideia da Omérta e o quão grave é o delito de quebrá-la. Não é bom para um boss assassinar uma professora, a não ser que ela tenha falado demais. O que deveria ser uma lei somente para os iniciados acaba sendo uma via de regra e conduta para todos no entorno. Claro que isso o encerra em uma perspectiva muito pessoal, visto que seu livro tem um viés denunciativo forte.

    Os últimos momentos são dedicados à escrutinação do tratamento do lixo pela Camorra, dos resíduos comuns aos tóxicos. O destaque vai para a Região de Toscana, onde havia o “tratamento” do lixo da maneira mais porca possível, em múltiplos sentidos, por também concentrar grande parte das cabeças pensantes do Sistema. A Campânia, Acerra e Olma têm volumes altíssimos de lixo, tanto que, se os resíduos fossem empilhados, igualariam-se a prédios arranha-céus, como os de Nova York. Os lugares parecem aterros gigantes, sendo sempre queimados, na maioria das vezes por meninos, que, desde cedo, já se acostumam com aquela imundície e com as condições de vida paupérrimas. O solo em volta torna-se infértil, animais morrem, e a incidência de câncer, especialmente nos brônquios e demais órgãos do aparelho respiratório, é altíssima; na Campânia, por exemplo, é de 21%,

    As chamas sobre as paragens lembram a desolação que habitaria aqueles lugares. Uma devastação que a natureza jamais conseguiria repor sozinha, pelo contrário, já que os locais continuariam sendo explorados até que o último centavo estivesse nos bolsos dos poderosos mandantes. Chegar à conclusão de que comer, beber, respirar e subsistir de nada valia perto do lucro e da busca incessante por dinheiro, que esmaga a moral, oprime o homem, e faz concluir que ele é um ser subalterno ante as suas próprias criações. Estar como os calcanhares chafurdados no lodo imoral da Camorra causou um mal incalculável à mente e alma de Roberto Saviano, mas, a despeito de tudo isso, seu grito é o de sobrevivência, de quem foi até o inferno e conseguiu retornar, talvez não tão vivo quanto antes, mas ainda capaz de ver, sentir, respirar e ainda falar sobre tudo o que lá viveu.

  • Resenha | O Velho e o Mar – Ernest Hemingway

    Resenha | O Velho e o Mar – Ernest Hemingway

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    Dura tarefa essa de resenhar Ernest Hemingway, um Nobel de literatura de quem li apenas uma obra, essa que resenho nesse momento. Mas é assim que a banda toca, e como ele mesmo diz: o homem pode ser destruído, mas nunca derrotado. O velho e o Mar é um romance curto, com algo perto de 120 páginas de letras grandes e ilustrações. E, ainda assim, com o poder de ativar sentimentos profundos e primordiais em todos nós.

    A história é a do velho pescador Santiago, que está numa maré de azar, há 84 dias sem pescar nada. O único que ainda o incentiva e tem confiança nele é o seu jovem amigo Manolim, que aprendeu a pescar com Santiago,e trabalhava com ele, mas durante a maré de azar do velho foi obrigado pelo pai a trabalhar com outro pescador.

    Assim, no 85º dia, Santiago consegue finalmente pescar o seu peixe, um peixe descomunal: ele nunca sequer havia visto um tão grande, quem dirá pescá-lo. E segue-se daí a saga do velho no mar, por vários dias e em sua batalha pessoal contra o peixe e, de certa forma, contra si mesmo.

    O velho e o mar tem uma escrita dura, estanque, sem floreios; é possível imaginar o autor vertendo o texto em sua Royal, no menor número de toques possível e, ao fazê-lo, mantendo ainda toda a expressão e tudo a que tem a dizer com a sua simples história, terá algo perfeito.

    Esse livro trata-se muito menos de uma história de um simples pescador e mais sobre metáforas abrangendo o orgulho, capacidade e a luta entre o homem e a “natureza” – entre aspas, pois é a representatividade do meio a que o homem pertence. Entre a fina camada que os separa entre a sobrevivência e sanidade, e a destruição mútua.

    O velho Santiago, ao pescar e agarrar-se àquele peixe, que de certa forma representa a sua esperança e a virada de sorte, se despe de qualquer orgulho e está disposto a levar a cabo a situação até o fim, como ele próprio repete diversas vezes: a batalha só terminará com a morte de um dos dois. Nessa busca por alguma vitória, se é que ela existe, acompanhamos a destruição do velho, seus arrependimentos, coisas que ele se dá conta de que poderiam ter sido diferentes.

    A bem da verdade, é um livro que, apesar de tratar de temas universais para nós, provavelmente adquirirá um tom pessoal para cada um dos leitores e, além disso, para cada um dos momentos em que a pessoa escolher absorver mais um pedacinho dessa obra.

    Com uma leitura que deve girar por volta de duas horas, O velho e o mar é uma leitura obrigatória e das mais brilhantes, concisas e precisas obras que tive o prazer de desfrutar, uma história que não se trata apenas dela própria, mas do que se sente e do que se absorve dela; e que nos faz lembrar que as grandes aventuras precisam ser grandes apenas para aqueles que as vivem, afinal, é tudo que temos.

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  • Você conhece Jack Reacher?

    Você conhece Jack Reacher?

    Criado no final da década de 90 pelo autor Lee Child, o militar Jack Reacher não gosta da alcunha de herói, normalmente atribuída a ele. Nascido em uma base militar em Berlim, formado na Academia Militar em West Point, Reacher serviu durante 14 anos na polícia militar, onde fez parte da 110º Unidade Especial de Investigações, formada para cuidar de casos difíceis envolvendo membros do exército dos Estados Unidos.

    A descrição da personagem pode trazer ao leitor uma proximidade com outro famoso herói fictício. Assim como Jack Bauer, da série 24 Horas, Reacher se dedicou a uma carreira para defender os Estados Unidos e, como Bauer, escolheu viver à margem para evitar o sistema em que outrora acreditava.

    Descrito nos romances como um homem de quase dois metros, porte físico natural e cabelos loiro escuros, a aproximação fica mais evidente: tanto Reacher quanto Jack Bauer representam um estilo de herói americano. O militar que distorce a lei para regê-la. A vantagem de Reacher é que, sendo personagem de diversas histórias, tem uma personalidade melhor delineada do que Bauer, mais direto e plano.

    Ao mesmo tempo em que uma adaptação será lançada no cinema, com Tom Cruise no papel, a Bertrand Brasil lança Alerta Final, quarta obra de Child no país, e relança a obra que originou o filme, Um Tiro, com nova capa. Uma oportunidade para conhecer este interessante personagem.

    A adaptação cinematográfica revela a potência de Jack Reacher. Embora não tão conhecido no país, seus livros atingem altas vendas no exterior, consagrando-se na categoria Best seller. Engana-se quem pensa que tal status faz das obras uma leitura simples e rasteira. Além da complexidade da personagem central, desenvolvida livro após livro, Child é capaz de engendrar uma narrativa policial que tanto explora a investigação do crime como destaca as habilidades da formação de sua personagem.

    Mais do que um lobo solitário, Reacher é um personagem sensível que, pela culpa do que realizou no passado, evita a alcunha de herói. Tem consciência da violência que pode desencadear. Além da natural força bruta, tem o agudo raciocínio de um detetive.

    O filme Jack Reacher, que estreia no Brasil em 11 de janeiro do ano que vem, tem como trama a história de um atirador de Indiana, preso após alvejar cinco pessoas aleatoriamente. Seu único pedido é que chamem Reacher para ajudá-lo no caso. Somente com esse pequeno argumento, Child parte de uma investigação bem conduzida, sem deixar de lado a ação, e apresenta uma intrincada rede de relações que justificam por que os cinco tiros foram disparados daquela maneira. A narrativa cinematográfica do autor permite que, já na leitura do romance, se criem cenários com riqueza de detalhes.

    Tom Cruise personifica Reacher na adaptação. Embora não tendo a mesma descrição, Cruise reconquistou seu prestígio como ator de ação em Missão Impossível 4: Protocolo Fantasma e tem no currículo boas interpretações, sendo possível que consiga compor a personagem com a angústia necessária para ser mais do que um simples herói de ação.

    Já no livro Alerta Final, situado em outro momento cronológico, Reacher vive solitário  quando um ex-militar à sua procura é assassinado. É o ponto de partida para que novamente a personagem saia de seu conforto e descubra quem são os responsáveis por procurá-lo quando deseja ficar em paz.

    Em uma época em que os heróis humanizados se tornaram padrão, um bom elemento que dá mais dramaticidade à personalidade, Jack Reacher precisa ser conhecido como um excelente exemplo deste tipo de herói desencantado que, ao lado da narrativa de Child, bem amarrada e construída, se destaca além de sua intenção de mero entretenimento.

    Os livros de Jack Reacher podem ser comprados aqui e abaixo você confere o trailer da adaptação.