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  • Review | 13 Reasons Why – 1ª Temporada

    Review | 13 Reasons Why – 1ª Temporada

    Expandindo a gama de seus produtos originais em séries, filmes e documentários, a Netflix procura alcançar todo o tipo de público, universalizando as preferências de cada grupo. Suas novas séries ainda são fortes suficiente para, além da qualidade, causarem impacto, tanto em críticas especializadas, como em debates na rede, analisando tanto o teor da obra como o produto midiático em si e seus temas.

    Em 13 Reasons Why, um tema delicado e um gênero em ascensão na literatura são a base para uma série que conjuga uma trama necessária, expõe com ênfase a necessidade do diálogo e mantém a vertente de seu produto original. Baseado no young adult homônimo lançado em 2007 por Jay Acher, no país foi editado pela Ática, a série se desenvolve a partir do suicídio da jovem Hannah Baker e de um conjunto de fitas gravadas que justificam as razões para ter cometido esse ato.

    Antes de compreendermos como a série se transformou em um sucesso desde sua estréia, é necessário observar como o young adult cresceu e se tornou um gênero em destaque no mercado editorial atual. Entre os leitores adultos e os infanto-juvenis havia uma lacuna que, aos poucos, foi preenchida por narrativas em que os próprios adolescentes eram personagens principais. Um efeito que não só produzia maior identificação para o público-alvo, como dialogava a partir de uma linguagem em comum. O resultado se reflete no mercado atual em que cada editora tem um autor do estilo em seus lançamentos, afinal, os jovens são um público consumidor tão voraz quanto qualquer outra faixa etária, além disso, estão em uma fase de formação em que histórias servem também como marcos e lições. Dessa forma, autores como John Green, o mais famoso escritor do gênero, foram capazes de lidar com temas profundos como perdas, amadurecimento, doenças terminais, com uma tônica leve, caracterizando uma vertente que se tornou parte do estilo dos romances young adult.

    O formato do gênero se reflete na série 13 Reasons Why. Trata-se de um produto claramente voltado ao público juvenil mas que consegue ultrapassar qualquer faixa etária. A leveza da narrativa, bem como o destaque, nem que seja em uma única cena, a todos os personagens centrais, é uma das características fundamentais da série. A maioria dos adolescentes em cena são expressivos, calorosos, e com falas de impacto que, por um lado, reforçam a ficção, por outro cria um ambiente mais familiar para dialogar sobre assuntos espinhosos.

    O exagero é fundamental para causar contraponto. As cores são mais brilhantes nos momentos alegres e se adensam nos temas sérios. Como os narradores sempre são adolescentes, eventuais distorções ficcionais se tornam mais coerentes. Receber um conjunto de fitas cassete testamentais de uma colega que se suicidou não causaria pânico em um adulto, no máximo certo estranhamento. Um jovem, por outro lado, manteria segredo e seguiria o pedido da fita: ouvi-las e passar a outro envolvido nas ações.

    A cada episódio, um dos lados das fitas é apresentado ao público. As personagens são construídas pela perspectiva de Hannah mas a trama é capaz de inserir certa densidade ambígua na maioria dos jovens. Apesar do ambiente agressivo, da temática do bullying em uma escola que aparentemente desconhece as diversas violências sofrida pelos jovens, há sempre um momento em cena que cada adolescente ganha um pouco mais de personalidade, carregando também sua gama de dores. Em outras palavras, salvo um personagem que se desenvolve como o vilão principal da trama, todos os outros jovens estão no equilibro entre boas e más ações. Parte de seus erros estão ligados a falta de maturidade, falta de um acompanhamento adulto em uma fase da vida em que pressões internas e externas são naturais, perceptíveis e, muitas vezes, agressivas.

    Dentre esses diversos personagens entre o bem e o mal, o jovem Clay é o mais comum deles, o garoto equilibrado e com bons valores que julga os atos com mais propriedade do que os seus colegas. Nada o faz diferente, exceto talvez a própria noção de consequência, uma maturidade que o transforma em um destaque na trama e, não a toa, o catalisador da ação em resolver os problemas que Hannah não conseguiu em vida. É através de suas reações que o público se identifica, descobrindo que entre um universo aparentemente belo do colégio, existia um caos, tanto o caótico interior da garota Hannah, parcialmente deslocada do seu ambiente, como cada um de seus colegas presentes nas fitas, vivendo conflitos internos.

    Como a trama explora poucas nuances, tudo é narrado as claras. Há um momento em que Hannah menciona o quanto o julgamento é prejudicial a outro, afinal, todos carregam problemas dentro de si. A série demonstra com qualidade tal afirmativa, nenhum adolescente em cena é totalmente ruim, mas vive sob a pressão natural da idade e certo senso de inconsequência. O único que não ganha equilibrio é o vilão Bryce Waler, propositadamente construído sem qualidades para causar impacto, em uma dos atos mais agressivos contra Hannah Baker, outro fator que ressalta o quanto a tônica do Young Adult vem de grandes momentos: leves ou pesados, mesmo que isso possa deturpar certo realismo, o impacto funciona.

    Ainda que o enfoque não perca as características fundamentais do romance em que se baseou, a produção fez uma escolha certa ao enfocar o drama dos pais da garota ao lidar com a perda, bem como evitam um drama excessivo no episódio final que apresenta corajosamente a cena de suicídio da personagem. Uma cena densa, explícita, em que o público compartilha o momento de hesitação e agonia de Hannah. Se Katherine Langford fosse prestigiada por uma única cena da série, essa seria minha indicação. Uma cena profunda e dolorosa. Mesmo que o público saiba do suicídio desde o início, assisti-lo é como simpatizar a dor da personagem.

    As críticas até o momento destacaram a qualidade da série, bem como tem surgido um movimento inverso que analisou o tema do suicídio com certa ênfase panfletária. Mas parece difícil desenvolver um tema tão complexo sem a presença evidente de um suicídio. Como discuti-lo sem vê-lo parece paradoxal. Ainda que as noticias não mintam quando apontam taxas de morte entre jovens que tiraram sua vida ao sofrer algum tipo de agressão vindo de outro.

    Além desse fator, a série é narrada pela própria Hannah, ou seja, todo o sofrimento assistido parte de seu desequilíbrio emocional, sendo natural que a propensão pelo desastre seja maior. Afinal, faz parte do young adult os extremos suaves e profundos. a personagem é um exemplo potencializado de uma atitude extrema. Uma ação difícil por essência, explorada por diversas ciências e filosofias e nunca explicada de fato, não com uma justificativa definitiva.

    É nesta riqueza de possibilidades que se pode justificar a reação de cada um dos amigos de Hannah ao ouvir suas fitas. Não faltam dúvidas: somos responsáveis pelos outros? Podemos impedir que outro faça esta ou aquela atitude? Variações de um tema que está em cena propositadamente para promover a reflexão. Sob este aspecto, mais uma vez, a série se alinha ao propósito da fórmula do gênero literário: entrar em temas difíceis como exemplo, como uma maneira de chegar a uma causa maior. Sendo um produto de ficção, há alguns exageros a favor do tema, não corrompem a história e produzem um roteiro eficiente que faz com que o público queira logo chegar ao fim em um misto de curiosidade – e certa agonia – em saber o que cada um daqueles personagens fizeram com a garota. Com essa discussão em voga, a série atingiu seu propósito.

  • Crítica | Ponto Zero

    Crítica | Ponto Zero

    Ponto Zero

    À primeira vista, contar a história de um jovem que sofre bullying multilateral – escola, família e amigos – pode parecer uma tecla já martelada diversas vezes no cinema, mas Ponto Zero traz, talvez, uma das leituras mais interessantes para esta temática e contextualiza muito bem uma Porto Alegre não tão feliz quanto o nome da cidade sugere.

    Acompanhar a rotina do jovem protagonista Ênio é uma tarefa quase que integralmente sufocante. Se na escola o bullying é seu principal rival, em casa o adolescente enfrenta ainda problemas com um pai ausente e potencialmente agressivo e os reflexos que esse comportamento gera na mãe, seja numa projeção dos problemas conjugais para o filho, seja numa espécie de alienação parental que coloca o jovem e o pai em rota de colisão, ainda que com uma postura sempre passiva do garoto.

    Dirigido por José Pedro Goulart, o longa conecta o espectador com um surrealismo pouco frequente nas produções made in Brazil. Em diversos momentos, os recursos adotados lembram nuances de David Lynch, como na cena em que céu e solo trocam de lugar, o que nos remete à confusão presente na mente do rapaz naquele momento.

    Ênio é basicamente invisível, os coadjuvantes dominam mais de 90% das falas presentes no roteiro. Trabalho dobrado para o ainda pouco experiente ator Sandro Aliprandini que precisou abusar de sua interpretação facial e corporal para traçar os contornos de um protagonista complexo e ao mesmo tempo tão simples que quase não é notado. Essa característica da personagem fica bem clara na cena em que o menino passeia de bicicleta pela casa, pela sala de aula e pela cidade sem que ninguém o repare, sem que as pessoas presentes em cena notem a sua existência.

    Um dos trunfos da produção é a trilha sonora, que pode ser sentida quase que desenhando e conduzindo a trama. O recurso, além de ocupar bem seu espaço mais que necessário num filme onde sobram silêncios, ainda cumpre um papel de contexto aplicando um tom ainda mais claustrofóbico para as cenas.

    A direção é bastante assertiva. O realizador fez uso de técnicas pouco convencionais para que o filme soasse o mais natural possível. Atores e parte da figuração só tiveram acesso ao roteiro poucos minutos antes de gravarem cada cena, o que confere maior naturalidade ao projeto. Uma atitude ousada, mas que pode ser encarada como um grande acerto diante do resultado.

    O maior problema no filme é algo já clássico de longas-metragens que possuem caráter surrealístico: o tempo psicológico. Algumas sequências poderiam ser inteiramente deletadas do corte final sem que houvesse perda significativa na compreensão do todo. O tempo de filme, apesar de bastante curto – cerca de 90 minutos – é pesadamente sentido em decorrência de seu estilo. Ainda assim, Ponto Zero é uma produção bastante competente, e Goulart um diretor promissor.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Bully

    Crítica | Bully

    Stop-Bully-Poster

    Há muitas cenas gravadas sobre Tyler Long – a 1ª vítima retratada no esquete – algumas delas, filmadas pelo próprio garoto. O motivo da sua morte teria vindo de uma “ordem” dada por seus amigos de escola, para que ele desse fim a sua própria vida. Ele assim o fez, no closet de seu quarto, para ser encontrado por seu irmão mais novo. Bully começa dessa forma, sem muitos circunlóquios, e em momento nenhum é gratuito – ao contrário, se utiliza bem dos depoimentos para provar seu ponto.

    O diretor Lee Hirsch treme a câmera propositalmente, para grafar as cenas que acha mais emotivas. No anúncio do nome da película é mostrada uma criança sozinha em um ônibus escolar, como um signo de isolamento, a imagem seguinte compõe o quadro, com todas as outras crianças sentadas ao redor da primeira. A cena é emblemática e demonstra em poucos segundos toda a tônica do filme.

    Passar pelos maus-tratos que os infantes impõem uns aos outros e fazer somente isso seria óbvio. O que é interessante em Bully é o foco nas emoções dos vitimizados, que passam por um sem número de rejeições. Quase todas as crianças têm a mesma queixa em comum, a tratativa adjetivada como “não ser normal” – algo que naturalmente incomoda qualquer pessoa ordinária, mas que para um menino é ainda pior. Não se sentir parte de grupo nenhum é uma rejeição enorme para alguém de tão pouca idade, e só sofrer interação por meio de atos de humilhação esmaga a auto-estima do sujeito quase a zero.

    São entrevistadas vítimas de diversos tipos, e seus parentes também. Geeks, homossexuais, negros, algumas reagem às ofensas, outras encaram com bom humor – mesmo que por traz dessa reação se esconda uma profunda tristeza -, há até algumas que se vêem como culpadas, como se fossem responsáveis por tais abusos. Uma menina homossexual – que havia sido atropelada por uma mini van, por responder aos que a agrediam verbalmente – responde aos pais sobre sair da escola onde estudava: “Se formos embora, eles ganham!” – para ela, sair do ambiente onde ocorre o abuso seria uma fuga da realidade.

    Por parte dos pais, há em comum a reclamação do descaso, passividade e pouca interferência do Estado, onde há até a sugestão de que se um filho de Senador sofresse com isso, no dia seguinte haveria leis que coibissem tais atos hostis – claro que essa é uma crítica passional, mas dar voz a essas pessoas é válido.

    O objetivo desta fita é provocar no espectador um sentimento de revolta e de asco a essas práticas, visa render em quem vê uma reflexão ao modo de educar as crianças e como lidar com situações como essa, e nesses quesitos, Lee Hirsch acerta em cheio, com seu conteúdo emocionante, parcial, é claro, mas sem demonizar ninguém.