Crítica | A Centopeia Humana 3
Em seu terceiro e último ato, o diretor Tom Six – a mente doentia por trás da criação da centopeia humana -, leva sua trama de horror grotesco para outro patamar. Se o primeiro filme era uma história simples de um médico louco vivendo em local distante para realizar experiências, e A Centopeia Humana 2 caracterizava uma leitura desta trama com um sádico tentando recriá-la, A Centopeia Humana 3 novamente corrompe as percepções entre realidade e ficção, espelhando-se nas histórias anteriores.
Os atores Dieter Laser e Laurence R. Harvey novamente estrelam a produção retornando em outros papéis. Demonstrando que a série garantiu prestígio, novos atores participam da história, como Eric Roberts e outros coadjuvantes que, eventualmente, podem ser conhecidos pelo público. Além de uma participação do próprio Six interpretando uma versão de si mesmo. A grande diferença dessa produção para a outras é fazer uma narrativa que vai além do enfoque estrito da grotesca centopeia humana. Ao criar uma breve história para justificar seu objeto mais conhecido, a trama ganha em qualidade e não perde a vertente bizarra.
Não há espaço para personagens normais neste contexto. Todos são propositadamente estereotipados ou representando tipos sociais exagerados. Em destaque, o delegado da prisão, Bill Boss, dono de uma gama quase infinita de qualidades negativas: vil, agressivo, preconceituoso, chauvinista, racista, estuprador, canibal, e assim segue a lista. Laser amplia a interpretação do médico do primeiro filme em uma interpretação ainda mais afetada, que transforma o overacting em um símbolo cômico. Com evidentes sinais de stress e problemas cardíacos, tudo é motivo para gritos exagerados e contínuos que, propositadamente, vão destruindo a linha do grotesco acrescentando humor à história. A esta altura, após duas obras, o público sabe do exagero de uma centopeia humana, e a trama ri do bizarro focando a raiva desta personagem, um feito eficaz que justificava por que o diretor não respeitado pelos prisioneiros decide puni-los de uma maneira radical.
Quebrando mais uma vez a linha entre realidade e ficção, Six se insere na história como o diretor dos dois filmes anteriores e um consultor informal, curioso para ver a composição da centopeia humana. Ao mesmo tempo que deseja comprovar a veracidade de seus filmes, a personagem Six se incomoda com a criação do bicho grotesco, como se estabelecesse um diálogo representando seu público. Mesmo sabendo que a história é absurda, ninguém desvia os olhos da escatológica história que criou.
Afinal, é necessário assistir a esta trilogia ciente de que o bizarro é uma de suas linhas gerais e que, nesta parte, se transformou em um misto de sequência e paródia. As vítimas continuam sofrendo mas não se trata de um drama sobre o sofrimento humano ou as condições prisionais: o mundo real foi deixado de lado, fora da exibição, para a incursão de um universo bizarro e sádico que desenvolve um final mais coeso do que o início, e meio de sua aventura de construir um animal costurando humanos uns aos outros.
Após brindar o público com muitas cenas escatológicas em sua segunda parte, Centopeia Humana 3 tem maior apoio narrativo, resultando em um filme de terror cômico que mantém sua essência – afinal, a centopeia humana estará presente, não se preocupem, com direito a uma evolução deste animal – e ainda faz a história fluir para focar personagens bizarros que provocam um riso nervoso no expectador. Um final, realizado com eficiência de uma das trilogias mais estranhas e sádicas do terror contemporâneo.