Crítica | Fuga de Nova York (2)
Fuga de Nova York é mais um filme dirigido por John Carpenter que se um clássico instantâneo mesmo que sua premissa não desse conta dessa previsão. Sua história é bastante estranha, envolve um atentado ao presidente dos Estados Unidos, um ex-combatente militar mal-encarado e a tentativa fracassada dos Estados Unidos em tornar o país em um lugar menos violento contando com medidas drásticas e que não fazem nenhum sentido.
A história se inicia em 1997, um futuro já velho. Desde 1988 uma onda de violência extrema obrigou as autoridades a tomarem medidas extremas, construindo um muro ao redor da costa do Brooklyn e Nova Jersey, fazendo da ilha de Manhattan uma prisão gigante, algo tão esdrúxulo e sem sentido quanto a política desse universo colapsado e pós apocalíptico, que infelizmente tem algumas semelhanças com o “novo normal” do século XXI da nossa realidade. Para resgatar o político emérito, as autoridades escolhem Snake Plissken, um mercenário e veterano de ações do governo, feito por Kurt Russell, silencioso e estiloso com seu tapa olho, uma síntese do que era a ação dos cinemas dos anos 80.
Há um prazo curto, o comandante em chefe da nação precisa dar uma declaração em uma convenção, e o mercenário é apressado, sofrendo com a injeção de uma toxina, para deixar ele “motivado”, pois se não fizer a missão no prazo, perecerá. Apesar do senso de urgência no máximo, ainda assim a trama não se leva a sério. O roteiro de Carpenter e Nick Castle mostra um grupo terrorista/ revolucionário tentando fazer justiça sequestrando o homem da Casa Branca, no entanto, a queda não planejada do avião, além de conveniente para história, serve de pretexto para apresentar uma cidade abandonada e distante demais dos antigos tempos de glória, da época áurea da Broadway, ou de qualquer outro glamour que a cidade já teve.
Sobram a escuridão, sombras, sujeira, esgoto e ratos, além de alguns agentes da lei, entre eles Bob Hauk (Lee Van Cleef) e Rehme (Tom Atkins), que não demoram a chamar o mercenário em troca de privilégios. A história é tão mirabolante e cretinamente pensada que é difícil não simpatizar com os personagens, portanto, perverter a suspensão de descrença não é nada complicado.
O filme possui muitos efeitos práticos, tomadas aéreas e uso largo de maquetes, fato que lhe garante uma aura fidedigna e realista, principalmente se considerar que essa era uma produção de baixo custo. Além disso, o caráter artesanal se vê também em sua trilha, repleta de músicas do próprio diretor (ao lado de Alan Howarth), que já havia feito isso em outros sucessos como Halloween: A Noite do Terror. O filme ainda conta com um bom número de atores carismáticos e já saudosos, como Harry Dean Stanton, Ernest Borgnine, Donald Pleasence, todos eles bastante a vontade em seus papéis, cada um com uma importância considerável, apesar da falta de compromisso do roteiro com qualquer seriedade.
Fuga de Nova York é quase uma versão futurista e diatópica de Selvagens da Noite, NY é toda dividida em castas e gangues, não há respeito por figuras de autoridade, o desprezo pela ordem impera, tanto que eles não temem em momento nenhum fazer um político eleito de refém, além disso, o próprio político tem seus sinais de psicopatia, retribui sem receio a violência que sofreu, não há espaço para heroísmo dentro desse conto de fadas cínico e violento, e ainda bem que é assim.