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  • Resenha | As Diabruras de Quick e Flupke – Volume 1

    Resenha | As Diabruras de Quick e Flupke – Volume 1

    as Diabruras de Quick e Flupke - vol 1

    Tintim, o intrépido repórter criado pelo cartunista belga Hergé em 1929, influenciou artistas no mundo todo, não só pelo clima aventuresco das histórias que criou mas também por seu traço característico. Essas influências transcendem os quadrinhos e dialogam com outras mídias, como os games, a exemplo de Tomb Raider e Uncharted, muito inspirados pela personagem. O mesmo pode ser dito com o icônico Indiana Jones, produzido por Lucas, além de ser dirigido por Spielberg, o mesmo que, anos depois, ratificou essa influência filmando As Aventuras de Tintim.

    No entanto, o que poucas pessoas sabem é que a carreira do artista no mundo dos quadrinhos vai muito além da criação de um único personagem, já que na Europa várias de suas histórias são quase tão conhecidas quanto as de Tintim, caso de Quick e Flupke, que os brasileiros poderão agora conhecer por meio da publicação da Globo Livros.

    Criadas em 1930, em preto e branco, vindo a ser coloridas apenas após a Segunda Guerra Mundial, assim como Tintim, as histórias de Quick e Flupke foram publicadas semanalmente no jornal Le Petit Vingtième e com uma temática bastante diferente da outra criação do cartunista. Hergé situa as duas crianças em histórias inocentes e inventivas, dignas de trapalhadas de outros personagens, a exemplo do Capitão Haddock ou dos detetives Dupond e Dupont, que, aliás, parecem-se bastante com o policial que vive no pé desses dois garotos.

    As confusões de Quick e Flupke são abordadas em pequenas tiras, demonstrando a capacidade narrativa de Hergé, que sempre soube trabalhar muito bem com a mídia que tinha em mãos, desenvolvendo tramas longas, como as do protagonista Tintim, mas também dedicando-se a elas de maneira extremamente sucinta e simples quando requerem elementos nesse sentido, algo que constatamos nas histórias desta publicação.

    Parecendo situar-se em um outro mundo quando lidas nos dias de hoje, as narrativas devem ser analisadas sob o contexto da época em que foram escritas, além, é claro, de se partir do fato de que foram publicadas em um jornal católico. Mesmo que as histórias de algumas tiras soem extremamente conservadoras e moralistas, elas, contudo, permanecem divertidas, constituindo um material riquíssimo para nos ajudar a conhecer um pouco mais o trabalho de Hergé.

    As Diabruras de Quick e Flupke – Volume 1, lançado pela Globo Livros é de uma qualidade impecável, com capa dura e ótima impressão gráfica, fazendo jus ao trabalho do autor. Vamos torcer para que a editora continue com as publicações de novos volumes.

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  • Crítica | As Aventuras de Tintim

    Crítica | As Aventuras de Tintim

    Ao chegar no fim de As Aventuras de Tintim fica difícil, mas muito difícil mesmo imaginar que qualquer outro diretor possa fazer uma adaptação do principal personagem do cartunista Hergé tão impressionante quanto a realizada por Steven Spielberg.

    A ideia de se levar Tintim às telas é antiga. Afinal, ele mesmo, o próprio personagem, também já passou dos 80 anos: sua primeira publicação data de 1929. Por todo esse tempo de existência, não é difícil imaginar quantas pessoas já imaginaram como seria ver as aventuras do jovem repórter na tela grande.

    Também é fato conhecido há bastante tempo na Europa que, tanto o artista belga quanto a crítica – sobretudo a francesa -, acreditavam que Spielberg era o homem certo para o trabalho. Diz a lenda que Hergé ficou encantado depois de ter assistido Caçadores da Arca Perdida e que viu no cineasta americano a pessoa ideal na transposição de sua criação mais conhecida para a sala escura.

    E agora que o filme chegou ao circuito, é possível afirmar: ele estava absolutamente certo. Spielberg acerta do início ao fim em “As Aventuras de Tintim”. E o primeiro acerto precede o filme em si.

    A opção por usar cenários virtuais e o recurso da captura de movimentos foi preciosa. Os principais detalhes encontrados nos personagens que formam a história de Tintim nos quadrinhos estão lá: o capitão Haddock, os inspetores Dupont e Dupond e o fox terrier Milu – que, aliás, em vários momentos se transforma no personagem principal do filme.

    Todos retratados com uma fidelidade que dificilmente vai decepcionar quem acompanha as viagens dos personagens nos álbuns originais. É a prova do respeito que o cineasta tem pelo material original. Ou seja, a caracterização está mantida.

    Imaginar uma versão com atores reais chega a dar calafrios. Isso porque determinados personagens têm características físicas tão cartunescas – traços exagerados ou minimalistas, retratação em cores berrantes – que torna praticamente impossível imaginá-los sendo vividos por seres humanos.

    São justamente os exageros visuais dessas criações que nos transportam para outros lugares e garantem a fantasia. E quando se fala em fantasia, de fato ninguém supera Spielberg. Um dos maiores clichês sobre o cineasta é dizer que, em boa parte de suas obras, ele ainda mantém um olhar de criança ao filmar. Tintim comprova a afirmação.

    “As Aventuras de Tintim” é um filme de ação desde o início. Sem o menor pudor de se assumir como tal. E esse talvez seja um de seus maiores méritos. O ritmo é acelerado, porém os cortes não são fragmentados – aqui não há o que se convencionou chamar de “estética MTV”. Trata-se de uma ação contínua: uma cena puxa a outra e a outra e a outra e assim por diante.

    Muitos poderão até achar engraçado, mas ver esse filme faz imaginar o quanto Spielberg deve ter assistido as obras de François Truffaut. A câmera é de uma leveza e fluência assustadoras, que lembram muitos momentos do autor francês. E o meio virtual no qual a produção foi registrada rompe qualquer amarra que a realidade física poderia impôr ao cineasta.

    A construção dos personagens fica em segundo plano, porém não é esquecida. E nesse ponto, nenhum chama mais a atenção que Haddock. Talvez para dar um pouco mais de drama e sofrimento, no filme o capitão é bem mais viciado em bebida que nos quadrinhos – o que, certamente, aprofunda sua fragilidade e, por consequência, sua dimensão humana.

    E aqui cabe sublinhar mais um trabalho primoroso do ator Andy Serkis. Que ele não fique estigmatizado, mas o homem se tornou um mestre na composição de personagens virtuais, vide o “Gollum” de O Senhor dos Anéis e o César de Planeta dos Macacos – A Origem.

    Em meio a tantas cenas de ação bem construídas, com muitos tiros e socos – quem leu os quadrinhos sabe que as histórias de Tintim não podem ser exatamente classificadas como “infantis”. Esse é um erro recorrente – , uma delas se destaca: preste muita atenção na sequência da fuga do castelo, no Marrocos. Se você não se movimentar na cadeira pelo menos um pouco com a agilidade das tomadas e a sucessão de cenas para se chegar à conclusão da sequência, acredite: há algo errado contigo.

    Outro excelente momento ocorre quando Haddock finalmente se lembra da história contada por seu avô – fundamental para a compreensão da trama. Repare na precisão da sequência de fusões e flashbacks que o diretor cria para que a história fique coerente aos olhos do espectador.

    É um filme para sair da sessão de cinema pensando seriamente em descer escorregando pelo corrimão da escada. Para voltar a se sentir um pouco como os garotos que já fomos numa época de nossas vidas. Sensação semelhante à que experimentamos quando assistimos Indiana Jones.

    Aliás, veja como Tintim, numa das cenas citadas acima, utiliza uma motocicleta com sidecar muito parecida como a usada por Harrison Ford e Sean Connery em Indiana Jones e a Última Cruzada.

    Há quem veja muitas semelhanças entre o repórter criado por Hergé e o arqueólogo concebido por Spielberg e George Lucas.

    Sinceramente: bendita semelhança.

    Texto de autoria de Carlos Brito.