Crítica | Menina de Ouro
E assim como em Cartas de Iwo Jima, o ringue é pessoal, tendo nos socos que a vida dá a força e o foco dos combates além do esporte. Clint Eastwood não espera para atacar temas como machismo e autossuperação a partir do boxe, invertendo polos com uma sensibilidade impecável na condução de um drama de proporções épicas, tratado de forma humilde, serena e sóbria, extraindo mais sugestões e símbolos que conclusões e rótulos dos caminhos da mulher, que só queria vestir as luvas vermelhas, usá-las e encontrar no público o amor que nunca teve na família. Os altos e baixos da guerra de uma soldado na pátria do capitalismo, onde todos são convidados a se tornar soldados, seja qual for o resultado das lutas.
Quando a rua te esmurra, teu aluguel ou a carreira, você aceita ou deixa passar? Quem não bate, apanha, com um mundo sabendo disso na pele, lógica desvairada tanto pra homem quanto pra mulher. Aliás, há de o sexo feminino saber melhor disso. Elas, senhores, elas que sentem mais forte o soco mais macio que todos damos e recebemos, aparentemente com mais frequência ao longo dos anos. Elas, fonte da energia feminina do ser, ser profundo que sabe a receita para cair de pé em cima do salto agulha, que dá a luz ao marmanjo que chora porque machucou o dedo e conclama machismo e regras na ausência de lágrimas; Menina de Ouro é recusa ao choro e convite ao soco. É apoteose, é inspeção, e, sobretudo, é testamento para a espécie felina que Lady Di e Maria Bonita pertenceram. Raça que finge ser humana nos contornos de sua feminilidade.
É de ouro porque é valiosa, é menina porque não perde sua essência – no caso, de lutadora. Se todo mulherão guarda consigo, por baixo das máscaras, a garota que só quer um abraço do pai, na história da pugilista Maggie não é diferente. A pessoa chega numa academia, mundo de macho, músculo e testosterona, e logo encontra o Blonde dos faroestes de Leone, um homem duro, frio e rabugento que ela sabe, ou sente, que vai ajudá-la a se tornar, no mundo, o que ela já é por dentro: uma campeã. Um processo de lapidação avesso à trama de um Touro Indomável, um dos melhores “filmes-boxe”, num filme mais intimista, num garimpo de personagens com méritos bastante opostos. Touro encarna o boxe; Menina é sensível; Touro tem a força de uma bomba, graças também à direção de Scorsese, que não muda nada ao longo dos anos, pro bem ou pro mal; enquanto Menina vasculha o lugar e a relevância da emoção no território da competitividade no esporte. Filme à moda antiga no qual é possível ouvir ecos reciclados do cinema ancestral de Nicholas Ray ou Howard Hawks, resgatados por Eastwood nessa semi-versão feminina de Os Imperdoáveis; a busca pelos agressores de uma prostituta vira a odisseia de uma garçonete nos palcos de Mike Tyson. Porque a luta é a mesma. Só muda o palco.