Crítica | Romance Policial
A ficção, e suas vertentes variadas, se mantém como uma realidade desenvolvida em representação de um tempo ou um momento, sendo comum a inspiração em vidas específicas como matéria-prima narrativa, com muitos autores transformando seus diários ou relatos pessoais em uma obra duradora. Como a narrativa em si não apresenta nenhum método específico, o jogo é livre para o autor criar à sua maneira, e o tempo se torna responsável por eternizá-los ou enterrá-los sem sucesso – parte da angústia de ser um escritor.
Romance Policial, novo longa de Jorge Durán, parceiro de Hector Babenco em diversas produções, chega aos circuito três anos depois de sua produção, com Daniel de Oliveira no elenco em uma história metalinguística sobre a criação literária. Na trama, Antônio é um funcionário público e escritor iniciante responsável pela publicação de um único conto. Em busca de inspiração, viaja até o Deserto do Atacama, no Chile, quando se envolve com uma misteriosa mulher e um crime sem suspeitos.
A ambiguidade da produção se desenvolve desde o título, jogo narrativo que ecoa na vida da personagem e na sua procura por uma inspiração e uma história para narrar. Ao encontrar um corpo no deserto e se tornar um suspeito do crime, o escritor se torna tanto personagem de um romance policial como, ao se envolver com Florência, estabelece uma difícil relação amorosa.
A estrutura da narrativa policial, tradicional em muitos romances, é transportada para um conceito de maior drama em uma ambientação que difere da comum do gênero. Os tradicionais ambientes noturnos são modificados pela claridade evidente do deserto, local distante do ambiente urbano, uma das referências do inicio da narrativa noir americana. Uma atmosfera que mantém personagens tipificados que carregam dubiedade como a mulher fatal, o policial possivelmente corrupto e outros que parecem esconder parte de sua trajetória, amplificando o suspense.
No papel de um escritor novato, Oliveira se destaca diante de um dilema central para qualquer escritor: o conflito entre o escritor e sua obra, a busca pela inspiração e a compreensão de que parte da composição narrativa vem tanto de uma parcela de inspiração quanto de vivências externas, um tema que também se apresentou no recente Entre Nós. Uma força que cada escritor encontra na maturidade reconhecendo que é possível contar uma história sem necessariamente vivê-la. Buscando sua inspiração a todo custo, o personagem mantém as dúvidas sobre o crime pela necessidade de escrever sua história, como um leitor que se debruça sobre um livro de mistério desejando ir até o fim da narrativa.
O jogo narrativo do roteiro esconde surpresas – afinal, sem elas, a essência de um enigma seria perdida – mas mantém uma vertente dramática que explora maiores problemas nas relações das personagens, indo além da resolução de um crime. Um efeito duplo eficiente que finaliza tanto a vertente investigativa da trama como o drama por trás dela. Como a história é narrada sob o ponto de vista do escritor, com direito a algumas falas em off como uma narrativa literária, a realidade e o imaginário se diluem e ressaltam a motivação da composição do roteiro demonstrando o quão delicado é o que se considera real e palpável diante de uma ficção capaz de transformar a realidade. O efeito circular entre realidade e ficção.