Crítica | Por Uma Mulher
Parado em algum lugar entre a nostalgia das lembranças fotográficas de uma geração anterior e a descoberta de laços familiares possivelmente não conhecidos por parte dos narradores da história, Por Uma Mulher (Por Une Femme) é fundamentado em um quebra-cabeças que se pauta no pretérito para elucubrar um triângulo curioso, que tem na busca/ode pela origem de Anne (Sylvie Testud) o seu cerne.
O roteiro é contado através dos elementos da recém-falecida mãe de Anne, e passa a expor um conto sobre a Grande Guerra, remontando ao início do duradouro matrimônio entre os dois: Lena (Melanie Thierry) acabara de descobrir sua gravidez, o que deixa seu marido Michel (Benoît Magimel) obviamente preocupado. Já com a criança nascida, ele consegue expandir seus negócios, e finalmente abrir sua loja de tecidos, explorando seu belo talento e produzindo seu sustento e de sua família.
Tudo corre como manda a tradição, Michel consegue lograr êxito com seu negócio, até que a entropia adentra o seu cotidiano. Inesperadamente, seu irmão retorna de um “campo”, de onde todos achavam que não poderia sair vivo. A existência de Jean (Nicolas Duvauchelle) não era de conhecimento geral até então. Ele era um párea mesmo entre seu clã, por motivos políticos, evidentemente.
Logo Jean junta as suas forças ao seu irmão, auxiliando-o a tocar a loja. Seu passado é posto em crédito, com uma preocupação de que ele tivesse uma vida borrada ou boêmia, ligada a ilegalidades, já que para todos os efeitos, ele estava foragido. Surpreendentemente, ele acaba sendo de um auxílio valioso a Michel.
Com o desenrolar dos acontecimentos, Jean não consegue esconder seus interesses relacionados a contestação, tampouco consegue esconder sua natureza, apresentando um comportamento e carisma demasiado sedutor, cooptando até aqueles a quem “usufruir” dele seria proibido. Não demora muito para o ideal utópico vermelho cair sobre ele, fazendo-o correr perigo de vida novamente, o que obviamente enfia seus familiares também à deriva no cenário político francês, além, é claro, de explorar uma gama de sabores condenados.
Anne não se contenta em somente verificar os relatos via memorandos, e vai encontrar seu genitor, para tentar desmistificar o fato de não ter tido até então o conhecimento sobre um parente tão próximo, mas que, por falta de qualquer menção, jamais foi conhecido. A sequência de reencontro, apesar do caráter agridoce, guarda momentos um tanto vergonhosos, seja pela maquiagem forçada de Benoît Magimel, ao tentar emular um senhor geriátrico, ou por sua incômoda sensação de estar descoberto, ante a verdade inconveniente que se aproxima de ser exposta.
O ato anterior parecia excessivamente moralista para esconder as indiscrições incestuosas, sempre sugeridas e consumadas ante a câmera recordatória de Diane Kurys. O rememorar resgata as lembranças afetivas, e as tristes também, como todo álbum de fotografias, que ao registrar os momentos mais felizes, não faz esquecer o espaço em branco entre os retratos, os episódios menos glamourosos e não tão dignos de nota ou recordação. O roteiro, apesar de alguns percalços, consegue apresentar uma história bastante humanizada, que equilibra bem momentos de infidelidade sentimental, um pecado moral e condenável com a dificuldade em manter um ideal essencialmente político e social, exibindo curvas dramáticas das mais viscerais, especialmente pela fita ser conduzida em sua integridade por uma abissal leveza de espírito.