Crítica | Um Dia de Fúria
Um homem desesperado, sem perspectivas e que se sente desrespeitado pode ter reações mil, podendo agir passivamente, se vitimizando, aceitando os infortúnios como partes inerentes da vida ou simplesmente se revoltar e vomitar ao sistema toda a insatisfação que está presa em sua garganta e guardada em sua mente. Em Um Dia de Fúria, Joel Schumacher mostra uma história baseada nessas reações, começando seu drama pelos olhos do policial Prendergast, feito por Robert Duvall, que tenta deter o frustrado William Foster, no que talvez seja o papel mais emblemático da carreira de Michael Douglas.
O filme inteiro se baseia numa atmosfera de incômodo, a começar pelas altas temperaturas da cidade de Los Angeles, que fazem Foster suar dentro de seu carro barato enquanto vai para o trabalho. Os primeiros minutos de exibição visam colocar o espectador na mesma condição estressante e de ansiedade que o protagonista se encontra. E funciona muitíssimo bem.
A música de James Newton Howard ajuda a estabelecer a claustrofobia à céu aberto que Schumacher propõe, assim como os closes na face molhada de William. O trabalhador moderno parece estar preso, enjaulado na dita selva de pedra, com sua liberdade cerceada pelo sistema econômico vigente, dentro da mentalidade do American Way of Life. Sufocado pelas pessoas e obrigações, Foster acha que precisa ir para casa, enquanto sua contraparte, o investigador de assaltos, acha todo aquele stress engraçado.
A posição dos dois sujeitos é diferente, enquanto um vê sua carreira longa chegar ao fim para um merecido descanso, o outro não consegue se encaixar na modernidade das relações. A frustração de William passa por não se adequar a sua família ou ao seu ofício. Durante algumas tentativas de se comunicar, quando ele tenta ligar para os que lhe são (ou que deveriam ser) próximos, ele se depara com um comerciante estrangeiro, que é arrogante e mal-educado, e causa nele um rompante de impaciência e xenofobia, tudo por conta da nacionalidade coreana e sua dificuldade de comunicação.
A agressividade e intemperança do personagem são demonstradas ali, apenas como o início de força e raiva que ele dará pelo dia inteiro, como o símbolo do modelo “americano médio” que se vê ameaçado por suas próprias inseguranças e defeitos, e que prefere encarar as minorias e os estrangeiros que preenchem as ruas e estabelecimentos de seu país como os culpados por suas frustrações, e não o modelo que se encontra inserido.
Schumacher utiliza os mesmos tons saturados e alaranjados que permeavam seus filmes, como era com Os Garotos Perdidos e Linha Mortal. Isso se vê nos cenários naturais e internos, aqui combinam com a onda das temperaturas elevadas, e com o tom das chamas que vem da imagem do inferno bíblico cristão. Esse estado, entre a fantasia e o real ajudam a estabelecer um cenário onírico, abrindo a possibilidade até de leitura de que tudo o que ocorre ao longo das quase duas horas de gritaria, troca de tiros e violência gráfica não passa de um delírio de um homem que teme se tornar invisível aos olhos da sociedade.
O roteiro de Ebbe Roe Smith faz questão de diferencia-lo de supremacistas e fascistas, posicionando o sujeito na condição do trabalhador, cuja mentalidade passa por visões paranoicas e anticomunistas, mas que se enxerga como o homem comum. Schumacher acaba apresentando uma versão urbana e atrapalhada do John Rambo de Rambo: Programado Para Matar, um homem incompreendido por quem o cerca, que até conseguiu se reinserir na sociedade, mas não sendo bem sucedido por muito tempo. Ele é obsoleto, mesmo sempre seguindo as ordens e as recomendações dos seus superiores. Bill foi um homem para quem o sistema mentiu, e que foi corrompido por esse mesmo sistema, o mesmo que mói gente comum e os insere em uma lógica de “Nós x Eles”.