Resenha | Lendas do Cavaleiro das Trevas: Jim Aparo
Seguindo os moldes da coleção anterior dedicada a Alan Davis, Lendas do Cavaleiro das Trevas: Jim Aparo volta um pouco mais no tempo e reapresenta histórias da década de 70 publicadas na revista norte-americana The Brave and The Bold. Aparo assume os desenhos da revista em 1971, substituindo Neal Adams, e ali permanece por cerca de dez anos, tornando-se um dos responsáveis pelo visual do Batman que ficou estabelecido nas décadas a seguir. O material apresentado na coleção brasileira em quatro volumes é apenas metade do que foi lançado nos Estados Unidos, embora haja rumores de que o restante seja publicado num futuro próximo.
Mas do que se trata, afinal, essa coleção? Dizer que é um compilado de histórias desenhadas por Jim Aparo seria por demais simplista. Os quatro volumes apresentam grande parte do Universo DC dessa época, bem como a forma como Batman interage com personagens tão diversos. Além disso, vemos uma grande evolução nos desenhos do artista. Se nas primeiras histórias ele praticamente emula o traço de seu antecessor, vemos no último volume uma melhora significativa em sua arte, imprimindo seu traço característico aos personagens. Além disso, é interessante notar como Jim Aparo retrata a sua época com detalhes marcantes nos cenários, roupas e objetos cênicos (como gravadores de fitas cassete, telefones de disco e gravatas com estampas espalhafatosas). Os roteiros – todos de Bob Haney, que já estava no título antes da chegada de Aparo – também refletem os problemas, preocupações e aspirações de sua época. Saem de cena as ameaças alienígenas da década anterior para dar espaço às gangues de rua, traficantes de drogas, terrorismo internacional, feminismo e Guerra Fria. Claro que o elemento fantástico ainda permeia várias histórias, mas o foco principal é uma espécie de realismo, mesmo que muito menor que os quadrinhos de hoje em dia aos quais nos acostumamos. As tramas são mais urbanas e policialescas, e até mesmo o design dos personagens adota proporções mais humanas. Batman tem um corpo atlético, mas não é uma montanha de músculos. É um detetive sagaz, mas não um computador ambulante. É um exímio lutador, mas não uma máquina de golpes violentos. É obstinado, mas não psicótico.
A personalidade do Homem-Morcego também difere muito do que já conhecemos. Aqui ele se apresenta de forma bastante heroica, mas não é de maneira alguma um ser infalível. Suas convicções, em alguns momentos, beiram a hipocrisia. Por exemplo, Batman mantém seu juramento de nunca matar, mas isso não o impede de pedir para que um policial do DPGC o faça! Nada mais controverso e fora do personagem atual, que não mata e impede os outros ao seu redor de matarem também. Outra característica que pode causar estranheza no leitor é a aceitação geral da polícia de sua autoridade super-heroica, bem como a dos cidadãos de Gotham. Batman dá ordens a policiais, caminha pelas ruas durante o dia com uniforme completo e, por várias vezes, é hospitalizado sem que alguém da equipe médica sequer pense na possibilidade de tirar sua máscara. Na história em que ele se encontra com os Titãs, há uma explicação: Batman é oficialmente o xerife de Gotham! Uma autoridade constituída legalmente. Sim, é uma explicação bastante ingênua, mas revolucionária para a época. Talvez apenas “ser um super-herói” bastasse nos anos 60 para lhe conferir alguma autoridade, mas nessas histórias setentistas isso não era mais convincente, aparentemente.
As histórias seguem um padrão: cerca de vinte páginas divididas em três capítulos, e todas autossuficientes. Não é necessário nenhum conhecimento prévio para apreciá-las, e não existe conexão entre elas. Talvez esse seja um aspecto que falte nas hqs de hoje em dia; elas se desdobram em tantas sagas, crossovers, tie-ins e spin-offs que fica difícil para um novato simplesmente escolher uma edição em banca para ler e compreender do começo ao fim. Não são histórias que alteram o status quo dos personagens envolvidos, porém são intrigantes e divertidas o suficiente para prender a atenção do leitor. Cada história apresenta o Cavaleiro das Trevas se unindo a um ou mais heróis – e às vezes, vilões! – para resolver algum mistério. No estilo que foi trazido às animações do século XXI com a série Batman – Os Bravos e Destemidos, vemos as mais variadas parcerias. Arqueiro Verde, Titãs, Metamorfo, Desafiador, Canário Negro, Mulher-Maravilha (numa fase sem poderes e com visual “kung-fu”), Homens-Metálicos, Sargento Rock, Flash, Pantera, Aquaman, Homem-Borracha, Etrigan e Coringa, entre outros, fazem parte da galeria de aliados do Batman durante os quatro volumes. Até mesmo a equipe criativa de The Brave and The Bold surge no último volume como parceiros no crime, em um exercício de meta-linguagem digno dos gibis do Bidu, de Mauricio de Sousa! As histórias ficam, em sua maior parte, em uma tênue linha entre o realismo e a ingenuidade. Batman é um excelente detetive, mas também é capaz de errar e principalmente, de aprender com esses erros.
Uma curiosidade: o personagem Eléktron, no volume 3, foi sabiamente rebatizado como Átomo! Isso é importante e – porque não dizer – corajoso, pois um erro de tradução do passado não justifica manter assim no presente. Foi o que a Panini fez com o Caçador de Marte (antes erroneamente chamado de Ajax) logo que assumiu os quadrinhos DC.