Resenha | Um Teto Todo Seu – Virginia Woolf
A prosa de Virginia Woolf, dividida entre romances e contos, tornou-se a faceta mais conhecida da autora. Romances como Miss Dalloway e Rumo ao Farol se destacaram e pontuaram-na como modernista, fundadora de um estilo narrativo conhecido por fluxo de consciência, alinhando-se a James Joyce e Clarice Lispector como representantes deste cânone que parte da complexa linha de pensamento como base narrativa.
Exímia leitora, a britânica também foi grande pensadora de seu tempo. Íntima da palavra, escrevia de maneira compulsiva: diários, ensaios, além de sua referida obra narrativa, mantendo sempre um domínio técnico e temático sobre os assuntos abordados. A obra ensaística vem ganhando, nos últimos anos, destaque no país. Em 2006, a José Olympio lançou o breve Cenas Londrinas, crônicas sobre a cidade onde vivia. No ano seguinte, O Leitor Comum chegava às livrarias pela Graphia demonstrando a análise crítica diante da literatura. A L&PM Pocket publicou pequenos textos feministas em Profissões Para Mulheres e Outros Artigos. E nos últimos anos, três editoras voltaram-se para esta vertente, a qual Um Teto Todo Seu, publicado pela Tordesilhas, se destaca por sua contemporaneidade.
Publicado originalmente em 1929, Um Teto Todo Seu advém de duas palestras proferidas em escolas para mulheres na Cambridge University, unificadas em um ensaio coeso, dividido em seis partes. Convidada para falar a um público feminino sobre a mulher e a ficção, Woolf parte desta análise para um raciocínio longo e bem desenvolvido sobre as mulheres e a literatura.
A composição narrativa é um processo tão natural e significativo para a autora que o ensaio promove um personagem analítico fictício, capaz de ponderar a dimensão do tema com um olhar atento. Reconhecendo que parte de uma argumentação se deve à pesquisa histórica sobre o tema, o texto se inicia formulando indagações sobre o significado da mulher e a ficção para expandir o conceito em uma pesquisa, que foi realizada em obras de diversas frontes que tiveram a mulher tanto como tema como objeto de citação indireta. Em épocas predominantemente dominadas por autores, a britânica encontra uma gama diversas de opiniões sobre as mulheres, mas poucas formuladas pela voz feminina.
No estilo dentro do ensaio, a autora mantém a mesma verve de sua prosa, inserindo ponderações sobre o cotidiano entre as reflexões, dando vazão a um fluxo de consciência atento tanto ao comportamento presente, que demonstra também um subjugo à mulher , quanto à análise histórica postulada anteriormente. Apontando que a educação feminina é tradicionalmente precária em relação àquela dada ao homem e que grande autores da literatura, como William Shakespeare, talvez não tivessem o mesmo alcance se houvessem nascido com outro gênero.
A afirmativa que pauta o título da obra argumenta que a mulher, para adquirir bem estar em um trabalho sustentável, deve residir em um teto todo seu, fator que se traduz como um espaço adequado para desenvolver sua arte sem nenhum interferência, bem como garantir a si uma remuneração econômica. Woolf analisa a literatura feminina do século XIX ponderando evoluções e recuos em obras precursoras. O rigor técnico e criativo de sua filosofia de composição literária se apresenta nestas linhas ao observar que, diante de um cenário naturalmente opressor e desigual, as autoras projetariam na ficção uma camada extra de sentimento. Elemento que poderia adensar a emoção da trama, mas resultava em oscilações no apuro técnico. A luta a qual defende a autora é a procura de meios igualitários entre os sexos para que a literatura – e, em consequência, qualquer outro trabalho – possa fluir em espaço neutro, sem estímulos agressivos externos, edificando o conceito de um trabalho mental complexo que derruba, no conceito literário, o ainda persistente mito da literatura movida por inspiração ou musas divinas.
Partindo do preceito literário, campo que conhece bem, demonstra como a mulher vivia em séculos passados e como havia, em sua época, diminutos ganhos sobre o tema, sentindo na pele tais dificuldades. A lucidez desta teoria, além do esmero narrativo, destaca-se também pela data de sua composição. Woolf é mais profunda, analítica e coerente do que correntes contemporâneas sobre o mesmo assunto que, muitas vezes, falham na argumentação por não observarem a fortuna crítica do passado.
Ainda contemporâneo e desenvolvido com maestria, Um Teto Sobre Seu possui qualidade inegável ao reunir técnica narrativa primorosa com uma temática de difícil análise mas desenvolvida com coesão, conhecimento e argumentos bem delimitados.
Compre: Um Teto Todo Seu – Virginia Woolf