Tag: quadrinhos independentes

  • Resenha | Quiral

    Resenha | Quiral

    Houve um tempo em que se acreditava que a internet iria acabar com as histórias em quadrinhos, principalmente as de produção nacional. Com a proliferação de scans ilegais, a produção de hqs se tornaria inviável, fazendo que aos poucos o mercado fosse morrendo. Felizmente, essa fatalidade não aconteceu. Embora cópias piratas de revistas sejam encontradas facilmente pela internet, a tecnologia também permitiu que autores e leitores tivessem uma maior aproximação, o que fez com que parte do público entendesse que é preciso, sim, garantir que seus artistas favoritos possam produzir e receber por isso. Assim, é cada vez mais comum vermos sites como o Apoia.se e o Catarse hospedando campanhas de crowndfunding para quadrinhos independentes. É esse o caso do álbum Quiral.

    Com recursos captados através de uma plataforma de financiamento coletivo, Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho (responsáveis pelas excelentes Achados e PerdidosBidu – Caminhos) lançaram essa singela história de dois personagens vivendo no mesmo mundo, separados pelo tempo. A narrativa e a arte não podem ser separadas, uma servindo ao propósito da outra magistralmente. Todos os elementos gráficos, desde as cores, linhas, traços e forma dos balões de fala, estão a serviço da narrativa, ao mesmo tempo em que o texto deixa muita coisa em aberto para que o leitor possa exercitar sua imaginação.

    Quiral conta a história de dois personagens cujos nomes não nos são apresentados. Um capitão e uma mulher, apenas. Ambos viveram no mesmo lugar, mas em épocas diferentes, uma vila litorânea na qual a principal atividade econômica é a caça de monstros marinhos. A única conexão que os dois têm entre si é um diário, escrito pelo capitão e lido pela mulher no decorrer da história. As cores em tons de sépia são usadas para diferenciar as épocas, sendo o passado apresentado com cores mais escuras e o presente, mais claras. Apenas os monstros marinhos são apresentados com cores vibrantes, para realçar o elemento fantástico da história que nos é apresentada.

    Embora saibamos pouco sobre os personagens, suas personalidades nos são apresentadas tanto pelos traços da arte quanto pelas suas falas. O capitão é determinado, e carrega em suas costas o peso de seus fantasmas do passado, mas sabe que tem um dever a cumprir e que esse fardo é todo dele. Já a mulher é jovem e deslumbrada com esse mundo maravilhoso além-mar, e é movida pela curiosidade de desbravá-lo e seguir os passos do autor do diário que ela lê assiduamente. Personagens diferentes, com motivações diversas, mas com algo em comum. Não sabemos muito sobre ambos, nem suas origens ou seus rumos. Sabemos apenas que a veia heroica está pulsante nos dois.

    Mais do que apresentar uma narrativa sólida, o livro brinca com as possibilidades de rumos que a história pode tomar na cabeça do próprio leitor, que é encorajado a imaginar as motivações dos personagens, o que pensam e quais seus papéis na sociedade, através das pistas deixadas no caminho. O final em aberto pode decepcionar quem esperava um desenvolvimento mais linear da trama ou alguma conclusão sólida. Em vez disso, deixa um mar de possibilidades e muitas perguntas a serem respondidas.

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  • Resenha | Antologia Acid Jazz

    Resenha | Antologia Acid Jazz

    Formando o coletivo Baboon Comix, os paulistas da zona sul Beeau Goméz e Rodrigo Qomen, respectivamente desenhista e roteirista do grupo, lançaram em 2015 na FIQ, o Festival Internacional de Quadrinhos, uma antologia contendo três pequenas histórias. Um cartão de visitas para o público.

    A Antologia Acid Jazz se desenvolve com alta expressividade, tendo, inicialmente, a temática do jazz atravessando as três narrativas que a compõe. Desde o título, a referência é inevitável, remetendo a uma ramificação do jazz surgida na Inglaterra durante os anos 1980, onde novos artistas deram uma nova roupagem mais urbana e moderna condizente com os dias atuais, misturando jazz com hip hop, funk, soul, reggae, R&B para a criação de uma nova musicalidade. Além de uma mesma trilha sonora em comum, os personagens são quase marginais, vivendo com angústia o movimento artístico enquanto refletem sobre a própria trajetória.

    Entre bebidas e cigarros, as tramas adquirem um tom urbano. Ainda que utilizar o conceito de trama para definir as histórias seja impreciso. A obra é carregada de impressões, principalmente devido aos desenhos de Goméz, carregado de cores e distorções. O texto de Qohen tem forte influência poética, resultando em histórias curtas em que a metáfora é constante em cada frase, pautando-se na economia para que o leitor a interprete a sua maneira.

    Costurados pela memórias de três músicos, os enfoques narrativos acontecem em momentos de tormento e delírio. A reflexão e a poesia das frases se contrapõe a brevidade de cada história. Fazendo da antologia uma obra mais interpretativa.

    A concepção da obra, de acordo com entrevista dos próprios autores, foi realizada em menos de um mês, desde a composição do roteiro até a impressão. Porém, o curto período de tempo entre criação e lançamento não resultaram em uma obra de baixa qualidade. A edição é simples, mas eficiente para destacar a obra da dupla que, no ano passado, lançou uma história de maior fôlego chamada O Parricídio.

    Inserindo um forte potencial interpretativo a cargo do leitor, Antologia Acid Jazz reúne três grandes histórias, pautadas pela poesia e pela expressividade dos traços, em uma ode clara a música e aos artistas marginais que, entre um trago e um gole, vomitam pedaços do coração em um papel.

    Compre: Antologia Acid Jazz.

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  • Resenha | O Girassol e o Samurai

    Resenha | O Girassol e o Samurai

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    Desde a imigração japonesa em nosso país, no início do século 20, a conexão entre Brasil e Japão se mantém ativa, gerando bons frutos culturais. O mercado brasileiro de quadrinhos se mantém aquecido e receptivo aos diversos mangás lançados por diversas editoras e, simultaneamente, a cultura japonesa, e tal ligação com o oriente, transforma-se em material para que quadrinistas brasileiros desenvolvam suas tramas baseadas nesta rica cultura.

    Lançado pelo designer e ilustrador Eder Modanez de maneira independente, O Girassol e o Samurai apresenta uma breve história, situando o leitor sobre uma lenda folclórica em época que o sol havia sido roubado do céu e um guerreiro parte em uma jornada para resgatá-lo a procura de demonstrar seu valor perante o clã. A edição retoma um estilo popular na década de noventa, em uma era pré-internet: o formato do zine, produzido de maneira simples e artesanal. Um formato definitivo para que autores apresentassem seu projeto sem gastos excessivos na produção.

    A simplicidade da edição, composta em preto e branco, tradicional ao mangá japonês, se alinha com sua narrativa. Nesta primeira história, o autor optou por desenvolver a motivação de seu personagem central. Uma narrativa breve baseada em uma lenda, carregada de metáfora sobre a força do samurai.  Uma história folclórica que evidentemente sintetiza a base da composição de seu personagem, fundamentando argumento central de uma trama que será explorada posteriormente e deve funcionar como força-motriz para a motivação e caráter de seu samurai.

    De acordo com o próprio autor, a lenda foi inspiração para uma história que será desenvolvida posteriormente e terá o bairro da Liberdade, em São Paulo, típico e conhecido bairro oriental da capital, como cenário. Sendo esta história a introdução ao universo desenvolvido, bem como a ação inicial da personagem, uma história antes da história definitiva.

    Modanez mantém o blog Gigante Guerreiro sobre seu trabalho com maiores informações para aqueles que se interessarem na leitura. Também é possível adquirir a edição diretamente com o autor.

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  • Resenha | Perpetuum Mobile

    Resenha | Perpetuum Mobile

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    Perpetuum mobile, ou moto continuum, é o termo em latim para o sonho utópico dos engenheiros: a máquina de movimento perpétuo. Essa máquina hipotética utiliza – e reutiliza – a energia gerada pelo seu próprio movimento. Apesar da impossibilidade física de existirem – ao menos segundo as leis da física do nosso universo – há ainda quem persiga a construção de tais dispositivos.

    Neste quadrinho – lançado inicialmente por financiamento coletivo e agora republicado pela editora Mino – Martin é um eterno insatisfeito. Na cidade fictícia de San Juarez, é ele que vive em moto contínuo, em busca de uma vida que o satisfaça. Suas escolhas podem não ser as mais acertadas, mas ele continua tentando. Em busca de um novo emprego, de um novo relacionamento, de novas experiências. Mas o que fazer com essa busca incessante quando o fim do mundo chega?

    A narrativa não-linear confunde um pouco e pede uma segunda leitura. Mas, a menos que eu esteja redondamente enganada na minha interpretação, a história é um recap dos últimos meses de Martin – algo como o clichê da vida passando diante dos olhos numa situação de perigo ou naquele último instante antes da morte. Vendo por esse lado, faz sentido a não-linearidade da história, uma vez que em situações extremas é implausível que as recordações se organizem em ordem cronológica, aliás, é improvável que sequer se organizem.

    Além da narrativa não linear, há várias digressões do protagonista, que começa a conversar com um amigo imaginário – uma personificação daqueles diálogos internos que todos nós temos. Demora um pouco até o leitor perceber que é disso que se trata – mais um bom motivo para investir numa segunda leitura.

    Sobre o desenho, vale reparar como Diego Sanchez conduz o olhar do leitor. Mesmo se em alguns momentos o conteúdo seja confuso, não se pode responsabilizar a disposição dos painéis, que dá fluidez e, ao mesmo tempo, agilidade à leitura.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

    PerpetuumMobile

  • Resenha | Nós: Dream Sequence Revisited

    Resenha | Nós: Dream Sequence Revisited

    Uma das coisas mais impressionantes de ser ler histórias em quadrinhos é poder sempre acompanhar uma variedade de possibilidades na utilização da linguagem e das estruturas narrativas em seus desenvolvimentos. Quadrinistas sempre inovam e é o que Mario Cau faz em sua HQ Nós – Dream Sequence Revisited.

    “Nós” é uma história curta que brinca com a linguagem sequencial. Aproveitando o formato do álbum, o autor mescla a dinâmica de leitura de quadros juntando duas páginas como se fosse uma apenas. Usa e abusa de quadros arqueados e sequências horizontais para envolver o clima do sonho que o personagem está na história.  Esse é de fato o maior mérito de Mario Cau, que utilizou dessa técnica para dar um diferencial para uma história simples, mas significativa nos sentimentos que transmite.

    Outro diferencial do álbum “Nós – Dream Sequence Revisited” é a presença de um DVD, que contém uma motion comic com a mesma história do quadrinho – o qual não é tão impactante quanto a leitura do mesmo, mas cumpre seu papel em desenvolver a história sob óticas de linguagem diferentes – e informações sobre o autor. Alguns textos do autor contando um pouco do seu processo criativo e de como começou sua carreira, bem relevante para os mais curiosos em saber como funciona os bastidores do universo dos quadrinistas.

    Neste ponto, tomo emprestadas as palavras da professora Sandra Daige Antunes Corrêa Hitner, que introduz a HQ de Mario Cau dizendo que “a arte tem a capacidade de colocar em imagens os sentimentos mais profundos como uma espécie de arco-íris que atravessa as dores da alma e as possibilidades da vida”.

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    Texto de  autoria Pedro Lobato.

  • Resenha | Fade Out: Suicídio Sem Dor

    Resenha | Fade Out: Suicídio Sem Dor

    Certos temas precisam de uma certa sutileza na abordagem, tamanho o impacto que podem causar em algumas pessoas. Talvez um dos principais seja o suícidio, afinal, tirar a própria vida – por qualquer que seja o motivo – é algo assustador, que deixa qualquer pessoa próxima do suicida traumatizada e perplexa. Sem entrar em méritos de julgamentos de certo ou errado, Beto Skubs, Rafael de Latorre e Marcelo Maiolo criaram seu álbum de estreia para falar um pouco sobre tudo isso.

    Fade Out: Suícidio sem Dor nos apresenta Kurt, um jovem cheio de conflitos internos sobre sua vida e que queria colocar um fim em tudo se suicidando. Como Kurt (Cobain??) mesmo diz “…Eu queria terminar tudo. Sei lá por quê. Mas era isso. Acho que eu só não tinha mais vontade de estar vivo.”

    Kurt nunca se sentiu como um excluído da sociedade, não sofria de bullying e nem tinha uma mãe problemática. O ponto forte de Fade Out é justamente esse: mesmo utilizando um tema tão pouco abordado, os autores não se rendem a clichês do “jovem abandonado” pela família e pela sociedade, pelo contrário. Kurt é um cara sociável, tem namoradas, um ótimo relacionamento com a mãe, algo que por si só já não se enquadraria nos padrões de justificativas de algumas pessoas.

    Outro ponto interessante de Fade Out é sua narrativa. Logo na primeira página sabemos que o protagonista está chegando ao seu funesto momento, só não sabemos o que ocorreu para culminar naquilo, e isso é a parte mais interessante da história: acompanhar a trajetória do personagem até seu fatídico momento – mas, é claro, com ótimas surpresas pelo caminho.

    É importante ressaltar que o álbum não traz uma história depressiva sobre suicídio. Ele passa pelo tema e vai mais longe, sem falar que a narrativa é extremamente dinâmica, funcionando muitíssimo bem em uma adaptação para o cinema – aliás, Fade Out nasceu como um roteiro de cinema de Beto Skubs, que mais tarde foi transposto para os quadrinhos com a ajuda de Rafael De Latorre e Marcelo Maiolo.

    Os traços de De Latorre são de uma sutileza que se harmoniza com o roteiro de Skubs. Ao tratar de um tema “cabeludo” com esse, De Latorre tem um trabalho gráfico extremamente suave, que, por sua vez, combina perfeitamente com a paleta de cores de Maiolo: ele tinha tudo para utilizar cores que remetem a algo depressivo e triste, mas, pelo contrário, as cores dão um tom alegre e onírico à obra. Um trabalho de coesão perfeito entre os três artistas.

    Minha única crítica à hq é quanto ao uso de nomes de personagens em inglês. Não tenho nada contra isso, para mim ficaram claras as inúmeras influências à cultura pop que os autores colocam na história, mas isso acabou me tirando do foco em alguns momentos; talvez saber que a HQ era nacional tenha sido um fator primordial para me desambientar. Mas enfim, apenas encheção de saco de quem vos escreve.

    Fade Out – Suicídio sem Dor é um trabalho independente desses três autores que, acima de tudo, diz muito com pouco, sem precisar cair em dramalhões, já que a principal discussão levantada é a importância da vida, o desejo de ser útil e o valor da vida.

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