Crítica | Mercenaries
Após uma trilogia inteira ser produzida, a rebarba da ideia de Sylvester Stallone em utilizar os brucutus clássicos finalmente ganha uma versão mequetrefe. Reunindo clichês, Christopher Ray, de Mega Shark vs. Crocosaurus, capitaneia a cópia de baixo orçamento Mercenaries. Já em seu início, a obra não nega fogo, seja nas cenas toscas de combate repletas de sangue artificial, cujo efeito especial é risível, seja na construção de seus personagens, com destaque para a vilã andrógina Ulrika, vivida por uma gigante Brigitte Nielsen, a qual transpira masculinidade, expondo tanta testosterona que faria Sly se tremer inteiro.
Sua personagem rapta a filha do presidente americano, resgatando o medo vermelho presente na Guerra Fria. Já que o ideal seria o de relembrar os plots dos action movies despretensiosos de outrora, a solução “lógica” para combater tal mal seria reunir um grupo de mulheres liderado por uma agente especial, Mona, da veterana Cynthia Rothrock, que separa um grupo de elite, formado por moças de especialidades diversas, que tem em comum o encarceramento em uma prisão especial: Kat Moran (Kristanna Loken), a chinesa Mei Lin (Nicole Bilderback), o antigo desafeto da chefona Raven (Vivica A. Fox) e a líder tática Clay (Zoe Bell). A recompensa para a força-tarefa seria o perdão total do presidente e, claro, a libertação das mulheres, caso a missão suicida desse certo.
As cenas de perigo são tão cretinas que, em dado momento, quando a raptada Elise (Tiffany Panhilason) tenta atacar sua sequestradora, nota-se que a faca usada por ela tem a lâmina trabalhada no plástico, algo constatado no modo que a arma enverga só de encostar na pele da inimiga. Outros momentos também são incrivelmente bem construídos, como o lançamento de uma moeda, por parte de Kat, que atinge o olho de um agressor sexual. Claramente, o feminismo é uma pauta importante dentro da trama, já que o assédio moral é combatido com unhas e dentes pelas Expendabelles.
O modo com que a Asylum conduz os seus filmes lembra muito o chauvinismo e a forçação de barra da dupla Golan e Globus e sua produtora Cannon. A crítica ao Socialismo prossegue ao mostrar uma ex-nação soviética devastada, sem organização, saneamento básico ou sinal de civilização. Lexi (Alexis Raich) é a guia do quarteto em meio ao assombrado terreno; seu amor pelos estadunidenses é exibido em cada uma das suas propositalmente tacanhas falas, compondo um patético quadro de exacerbação do american way of life. Curiosamente, o modo patriarcal implícito no modo como a política dos EUA é levada consegue conviver harmoniosamente com todo o caricato girl power do roteiro.
Curioso que, mesmo com a validação do poderio feminino ante o homem opressor, as moças ainda se valem de técnicas baratas de sedução, artifícios utilizados ao menor sinal de necessidade e executados para debochar dos autoritários e falocêntricos machos. No entanto, mesmo em meio a uma historinha mequetrefe, são possíveis plot twists, como a traição por parte de um dos integrantes do grupo – semelhante ao que ocorreu com o personagem de Dolph Lundgreen em Os Mercenários. O quebra-pau é intenso e muito mal dirigido, como a expectativa do filme pedia. A edição varia entre cenas de câmera lenta e disparos mostrados em velocidade normal, obviamente em cenas absurdamente mal montadas, compondo uma vergonha alheia sem limites.
Referências a Rambo são feitas, como ao se retirar uma bala sob a pele, que é claramente composta por uma camada de tecido, mostrando que o filme não se leva a sério me momento algum. A jocosidade predomina, mas não ao ponto de dar a volta por cima, tornando o que é ruim em algo bom até meados do filme. A pouca violência só começa a ser consertada no final, podendo, assim, corrigir a desigualdade com os elementos de onde se retiraram as referências.
As moças, munidas do senso máximo de justiça, resolvem liberar as pobres meninas, exploradas por um comércio de prostituição malvado. Kat põe armas em suas mãos unicamente para as moças serem massacradas por um dos capangas maléficos, o que é natural, já que elas não tinham qualquer preparo ou noção de como se deveria atirar.
A perseguição mostra a vilã fugindo como alguém covarde, lançando por terra qualquer possibilidade de dignidade para sua personagem, ao contrário, claro, dos atos altruístas de Clay, que arrisca a própria vida amarrando-se a uma bomba e ameaçando sua rival de acabar com tudo, até com as (remotas) possibilidades de romance entre ela e Ulrika.
Os momentos finais quase redimem toda a falta de ação desenfreadamente ridícula da fita com um duelo a três, em que se põem à frente Bell e Loken contra Nielsen, dando uma importância maior ao ícone vilanesco do que o visto com Jean-Claude Van Damme e Mel Gibson em Os Mercenários 2 e Os Mercenários 3, respectivamente. O modo como a vilã finalmente sucumbe consegue reunir dois dos maiores bordões dos filmes de ação, com uma queda de avião acompanhado de uma explosão, faltando apenas cair um piano em cima. Mercenaries chega muito perto de decepcionar os fãs do cinema tosco moleque, mas consegue equilibrar a galhofada com a esperança de que se torne uma franquia de sucesso.