Resenha | Odisseia Cósmica
Tanto na DC, quanto na Marvel, os anos 80 foi a época de expandir seus universos para lugares ainda inéditos. Reimaginar arquétipos já estabelecidos, como o Demolidor em A Queda de Murdock, os X-Men em Fênix Negra ou o Batman em O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller, até porque o leitor exigia algo de novo nos seus ícones favoritos das HQ’s, sem perder o tradicional brilho dos super-heróis e dos seus antagonistas que a gente odeia amar. Com a sorte de se ter um Jack Kirby criando figuras fantásticas nesse parque de diversões literário, a DC até 1988 nunca tinha aproveitado de verdade, em uma grande história realmente marcante, o temido ditador Darkseid, e a sua eterna luta contra o Pai Celestial para conseguir, de uma vez por todas, a equação anti-vida, esse conceito matemático que retira o livre-arbítrio das criaturas do universo, para que Darkseid finalmente comande a todos a seu bel-prazer.
A criatividade de Kirby era algo sobrenatural, e felizmente fez sucesso na Marvel também, reverenciada em 2017 em Thor: Ragnarok. Todo mundo sabe que DC e Marvel sempre trocaram talentos, tendo até Stan Lee escrito algumas histórias (medonhas) para a editora concorrente à casa do Homem-Aranha, Vingadores e outras joias da cultura pop. Não obstante, o roteirista Jim Starlin (criador do Thanos e sua extraordinária Saga do Infinito) sempre esteve de olho na DC, admitindo a inspiração em Darkseid para criar o genocida roxo que no cinema amamos acompanhar (e até torcer para sua vitória) em Guerra Infinita e Ultimato. Num desses intercâmbios inevitáveis dos artistas entre as duas casas (que, desde 2010, salvam Hollywood e garantem bilhões a Sony, Disney e Warner Bros.), Starlin teve a chance de ouro de trabalhar com os Novos Deuses de Kirby na épica Odisseia Cósmica, tendo que unir o bem e o mal supremo da DC para enfrentar um mal tamanho que nem Darkseid tem moral de enfrentar sozinho.
Logo após a faraônica saga das Crises nas Infinitas Terras, esse evento cataclísmico feito justamente para organizar os multiversos da DC em um universo apenas (porque os leitores já não entendiam mais nada, nos gibis mensais), Odisseia Cósmica é uma aventura paralela ao macro enredo principal da editora de Superman, Batman, Lanterna Verde e todos os outros grandes ícones clássicos. Agora, a equação anti-vida virou uma energia bestial e multidimensional, com vida própria e que ninguém é capaz de controlar em todo o seu ímpeto errante. É claro que o Lorde de Apókolips precisa se aliar ao Pai Celestial, o justo líder do planeta Nova Gênese, para recrutarem os principais heróis da DC e irem, todos juntos, atacar essa energia personificada em um manto negro humanoide que engole estrelas e planetas, numa alusão indireta ao Galactus da Marvel, numa missão suicida não-oficial a favor de um novo dia a todos.
O problema é que Darkseid jamais é confiável, e mesmo sendo o arquétipo do mal absoluto, sua ganância sem limites pode botar tudo a perder. Porém, mesmo assim, o vilão mais tirânico da DC precisa subverter, pelo menos no começo, os seus valores egoístas para garantir sua sobrevivência, e é justamente essa brincadeira de arquétipos que torna Odisseia Cósmica uma obra especial e de destaque. Do começo ao fim da história, Superman é tentado a usar as armas do inimigo por ser mais fácil, o Lanterna Verde John Stewart comete ações nada altruístas que vão lhe envergonhar pra sempre, e outros heróis amargam situações que testam tanto a sua moral, quanto seus poderes de uma forma prática – incluindo o Batman, sempre preparado para tudo, menos aqui. A energia anti-vida avança, e até diante da extinção, Darkseid prova ser o grande super vilão da DC usando até o demônio Etrigan (que serve de bucha de canhão na batalha) para tentar capturar essa energia monstruosa e de escala interestelar.
Os desenhos de Mike Mignola são um capítulo à parte. Mais conhecido pelo Hellboy, a sua maior criação, seus traços são impactantes e sombrios ao mesmo tempo, combinando com esse clima de apocalipse anunciado, e esse suspense no ar muito bem transmitido em Odisseia Cósmica. Seja nas lutas homéricas, simples diálogos (levemente expositivos) ou em momentos decisivos que garantes painéis belíssimos, de uma ou duas páginas inteiras, suas ilustrações vibram de um jeito único, dando a Darkseid um tom brutal e sádico, e ao florido e idílico planeta de Nova Gênese um visual realmente sinuoso, tal qual um Olimpo dos super-heróis. Junto da história de Starlin, ótima por si só, Mignola faz do universo DC algo bárbaro e grandiloquente através de suas imagens, em 200 páginas que parecem voar diante dos nossos olhos. Fica-nos, então, o sonho da publicação da Panini ser um dos clássicos da DC que vão ganhar os cinemas no futuro, em uma nobre adaptação, fazendo jus ao seu status de must–read.
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