Crítica | O Amante da Rainha
Nikolaj Arcel foi roteirista da versão sueca de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, mas seu novo filme como diretor tem pouco em comum com o romance policial. O Amante da Rainha, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro pela Dinamarca, é um drama de época, clássico, embora violento a sua maneira.
Caroline é uma adolescente inglesa enviada à Dinamarca para se casar com o jovem rei, o instável Christian. Entre a loucura de Christian e a constante vigilância da corte, Caroline, ainda uma menina, vive infeliz e solitária até conhecer Johann Struensee o novo médico real. Excêntrico, Johann consegue se aproximar do rei e ajuda-lo a exercer realmente seu poder,de forma humana e moderna, além de começar um caso com a rainha. Mas O Amante da Rainha é uma tragédia e no final tanto o plano de uma nova Dinamarca quanto o romance do casal desmoronam.
O fio condutor da narrativa é uma carta que Caroline escreve aos filhos no leito de morte e é a voz dela que guia os acontecimentos. Quase todo o filme se passa dentro do palácio, ricamente decorado, mas claustrofóbico, o único momento em que há luz e ar é quando Caroline se aproxima de Johann. Essa oposição entre ambientes fechados e abertos, iluminação dourada e cinzenta, marca de forma muito clara as partes do filme: a solidão inicial de Caroline, o idílio com Johann e o sonho de uma Dinamarca iluminista e o drama final.
Da mesma forma o filme opõe iluminismo e religião: a juventude de Caroline, Johann e Christian à velhice dos membros do conselho, suas roupas claras ao preto deles e inclusive a luz com que os personagens são iluminados. A discussão de Arcel sobre o peso da religião na política e os interesses do jogo político são extremamente atuais, ainda que ele cite filósofos do século XVIII.
O Amante da Rainha se parece com uma tragédia grega, ou de Shakespeare: é a paixão dos personagens que os destrói no fim e desde o início o diretor anuncia isso. O espectador vê , devagar, o poder subindo a cabeça de Johann e Caroline se tornando menos cautelosa em esconder sua traição. O filme é tenso porque envolve o espectador no destino dos personagens, o faz gostar e torcer por eles, mesmo sabendo desde o início que o final não pode ser bom.
Arcel fez um filme clássico, em termos de cinema e dramaturgia, extremamente minuncioso e bem feito. Mads Mikkelsen (aparentemente o ator nacional da Dinamarca) dá nuances variadas ao seu Johann, mas é Alicia Vikander que brilha no filme: o sofrimento de sua Caroline é real e pungente e ela é igualmente frágil e ousada.
O Amante da Rainha é um filme longo e de pouca ação. Mas é bem filmado, muito bem atuado e angustiante como as melhores tragédias.
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Texto de autoria de Isadora Sinay.