Crítica | Janela Indiscreta
Considerado um dos grandes filmes de Alfred Hitchcock, Janela Indiscreta se tornou um clássico do cinema principalmente pela metalinguagem que referencia a narrativa visual. Destacou-se também pela qualidade de roteiro, direção e atuação.
Com a perna imobilizada devido a um grave acidente, um fotógrafo espia seus vizinhos e começa a investigar um deles, convencido de que este praticou um assassinato.
Baseado no conto de Cornell Woolrich, o ótimo roteiro de John Michael Hayes, que trabalhou com Alfred Hitchcock em outros filmes, tem uma estrutura tão sólida que sustenta quase duas horas ambientadas quase que exclusivamente em um único cenário e utilizando apenas quatro atores.
O fato do protagonista Jefferies ser um fotógrafo comercial é a desculpa perfeita para ele viver um curioso que se interessa pelos seus vizinhos e os espia pelo zoom de suas lentes, produzindo uma das maiores metáforas da história do cinema. Nós, como ele, estamos espiando esta história pela lente do diretor de fotografia do filme, sem sequer pedirmos autorização para invadir a privacidade alheia, que no caso são os personagens. A janela “indiscreta” de sua casa também é a janela do filme, é o enquadramento do fotograma. A discussão levantada por Hitchcock vai ao ponto central sobre a ética da privacidade, questionada o tempo todo pelos personagens que cercam o protagonista.
Outro grande trunfo do roteiro é fazer com que elementos de ambientação, no caso os vizinhos, deixem de ser figurantes e se tornem personagens do filme. É bem definido o papel de cada um através da ação, dentro de seus apartamentos. Como eles não falam, cabe a Jefferies, inclusive em outra referência ao cinema, fazer o papel do espectador do cinema mudo e interpretar seus gestos. Isso provoca no personagem a desconfiança em um dos vizinhos que move a trama.
A ótima direção de Alfred Hitchcock se baseia na direção de atores com marcação visível, influenciada pela estética teatral. Hitchcock consegue dar um peso dramático aos objetos de cena que passariam desapercebidos, como o binóculo, a câmera e as lentes, além dos objetos que caracterizam as casas dos vizinhos. Destaque ainda para a câmera que passeia pela vizinhança como se estivesse pintando-a ao mostrar cada um dos moradores.
James Stewart consegue carregar a narrativa como protagonista e impressiona pelo seu carisma, apesar de uma atuação teatral e marcada. Grace Kelly, Wendell Corey e Thelma Ritter completam o elenco principal e convencem pelo bom texto.
A boa fotografia de Robert Burks, que trabalhou com o diretor em outros filmes, é visivelmente cenográfica, recortada em diversas cenas e não naturalista. Ela se destaca nas cenas em que Jefferies espiona seus vizinhos, e na sequência final. A edição de George Tomasini, também parceiro de Hitchcock em outros filmes, impressiona por ter deixado o filme com um ótimo ritmo, tendo em vista que a película se passa em um único cenário. A edição também se destaca na sequência final.
Janela Indiscreta é um dos poucos filmes que conseguiu não somente fazer referência ao próprio meio, como também levantou grandes questões acerca de tudo que envolve o processo.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.