Crítica | O Hobbit: Uma Jornada Inesperada
Aproximadamente 9 anos atrás, saíamos da projeção de O Retorno do Rei emocionados tanto pela história, adaptada de maneira irretocável para o cinema, quanto por ter acabado aquela épica aventura para salvar a Terra Média. O questionamento de quando viria a adaptação para o cinema de O Hobbit era constante, e problemas dos mais diversos com a produção tornaram o hiato entre os filmes ainda maior. Mas, depois de uma longa e conturbada espera, podemos finalmente apreciar no cinema mais essa aventura baseada em uma obra de J.R.R. Tolkien, dirigida novamente por Peter Jackson, com roteiro de Peter Jackson, Guilhermo del Toro, Philippa Boyens e Fran Walsh.
Para os não familiarizados com a história, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada se trata de uma aventura vivida por Bilbo Bolseiro (Martin Freeman/Ian Holm), em que ele se une ao mago Gandalf (Ian McKellen) e a um grupo de 13 anões, liderados por Thorin Escudo de Carvalho (Richard Armitage). O objetivo da comitiva é retomar o Reino Anão de Erebor e o tesouro dos anões do dragão Smaug. Nessa jornada pela Terra Média, enfrentarão os mais diversos inimigos e contratempos, desde orcs, lobos, armadilhas na floresta e tudo mais que uma boa aventura pode lhes proporcionar.
A primeira coisa a se notar é que, assim como a trilogia Senhor dos Anéis não permitia uma análise final sobre cada um dos filmes individualmente, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada também não pode ser pensado apenas como um filme único. Seu roteiro, planejamento e montagem foram para 3 filmes. Portanto, o arco dramático da história também fica à mercê de suas continuações, apesar de também ter que se comportar e funcionar de alguma forma como um filme sozinho.
Outro ponto importante, ainda sobre a adaptação, é que com O Hobbit uma lógica comum do cinema foi invertida. Como se trata de apenas um livro de aproximadamente 300 páginas, dividido em 3 filmes, nesse caso foram adicionadas personagens, passagens ou elementos, quando o natural seria que fossem retiradas ou aglutinadas. Alguns desses elementos foram resgatados de O Senhor dos Anéis, outros repensados de Silmarillion. Essas inserções, ao mesmo tempo em que podem enriquecer ainda mais esse universo de criaturas fantásticas, podem também levar ao excesso, com situações jogadas apenas pelo intento de se criar algo ainda maior do que o original. Infelizmente, é o caso desse filme.
O maior problema de O Hobbit: Uma Jornada Inesperada reside justamente na extensão de tramas, subtramas e flashbacks adicionados ou transcritos de maneira quase literal das páginas para o cinema. É nítido que os 169 minutos de exibição são muito mais extensos do que deveriam, e já suficientes para questionar a necessidade de 3 filmes para contar essa história. Apesar de contar com bons trechos cômicos, adaptados de maneira fiel ao livro – por exemplo, a chegada dos anões à toca de Bilbo -, a primeira metade do longa é um convite ao bocejo constante. Muitos são os momentos em que a trama gira em torno de si mesma sem levar a lugar algum e, para os que conhecem a obra, fica a constante expectativa para que chegue logo algum momento chave do livro, sem se importar realmente com esses elos da narrativa. Já para os que não conhecem, não posso entrar na mente de alguém nessa situação para saber exatamente, mas acredito que a experiência deve ser algo próximo à primeira leitura dos capítulos de A Sociedade do Anel em que Tom Bombadil dá o ar da graça. Ou seja, tedioso e andando em círculos.
Entretanto, se a primeira metade é em grande parte desinteressante e sonolenta, do trecho final não se pode dizer o mesmo. Todas as batalhas – que acontecem com grande frequência – são muito bem elaboradas e trazem de volta a atenção do espectador. Um dos trechos icônicos, a briga dos gigantes de pedra, nada menos do que sensacional pode definir, e o aguardado trecho mais interessante dessa parte da história, as “Charadas no Escuro”, foi brilhantemente adaptado para as telas. Vemos um Gollum (Andy Serkis) ainda mais perturbado e ambíguo. Méritos aqui tanto para a atuação de Serkis, que se mostra ainda melhor e focada na construção desse personagem. E méritos também para os efeitos visuais, que deram ainda mais brilho e vivacidade para ele, confirmando o posto como uma das melhores composições entre CG por cima de uma atuação.
Sobre o visual do filme – e nesse ponto é bom ressaltar que a versão a que assisti foi 2D normal, já que o filme tem 4 diferentes: 2D, 3D 24 FPS, 3D 48FPS e 3D Imax. Nessa versão, como já era de se esperar, todo o aspecto visual do filme é ótimo, desde a belíssima fotografia – capturando tanto os belos campos abertos da Nova Zelândia, que servem como palco para o filme, quanto cenas internas, com cenários trabalhados nos mínimos detalhes e que funcionam não só visualmente, para compor a perfeita ambientação e imersão na história, mas também dando vida à Terra Média, tornando-a novamente um personagem, talvez até o maior e mais importante personagem das histórias de Tolkien. Por mais fantasiosa que seja a história, com o bom trabalho executado em sua composição ela se torna crível.
Outro aspecto interessante é a mudança de tom das histórias. Enquanto Senhor dos Anéis é uma jornada para salvar a existência das raças da Terra Média, uma jornada dura e temerosa para seus participantes, O Hobbit, como livro, já é uma aventura mais leve, com espaço para trapalhadas, comilança e um tom infantil – tanto é que o livro de 1937 era destinado aos filhos do Tolkien. Já na adaptação, algumas trapalhadas e situações engraçadas continuam presentes, mas um tom sombrio, mais sério, foi adicionado à história. Os anões já não são tão desajeitados e dão mais importância a recuperar suas terras do que o tesouro, em contraponto ao livro. Talvez isso seja uma tentativa de aproximar O Hobbit ainda mais à Trilogia do Anel, o que não é necessariamente bom nem ruim, principalmente ao vermos apenas a primeira parte da história. Talvez a versão para o cinema exija esse tipo de mudança e isso se mostre uma decisão acertada, mas essa diferença de rumos é algo que só poderá ser avaliado com clareza no encerramento do terceiro filme. Por enquanto, o máximo que podemos fazer é relacioná-la às nossas expectativas.
No mais, O Hobbit: Uma Jornada Inesperada é um bom filme, bem apresentado como introdução à aventura de Bilbo Bolseiro, que deve agradar tanto aos mais fanáticos pela obra de Tolkien quanto aos recém iniciados nesse universo, mas ávidos por boas histórias de fantasia de capa e espada. Todavia, sua longa e desnecessária duração, aliada à falta de um encantamento subjetivo, quase “mágico”, fruto talvez do inesperado (que se faz presente nos filmes de O Senhor dos Anéis, mas no momento não desencantou em O Hobbit) faz com que essa nova trilogia comece a pelo menos um degrau abaixo da sua antecessora, algo que pode muito bem ser revertido nos próximos filmes. Mas esse é um assunto para dezembro do ano que vem.