Crítica | Em Três Atos
Orquestrado a partir do seu nome de batismo, o novo longa-metragem da prolífica, talentosa e veterana diretora Lúcia Murat, Em Três Atos poetiza através da dança – e da persona da histórica bailarina Angel Vianna – sobre o inevitável da vida, a face idosa da existência sobrepondo a superestimada juventude, discorrendo sobre morte, espiritualidade, sensibilidade e emoção.
A narração dos fatos é feita pela voz de Nathalia Timberg, que elucubra sobre a vida da mulher em um espetáculo ensaísta de dança contemporânea, com pedaços inteiros de textos da escritora e filósofa Simone de Beauvoir, intercalado por um drama de mãe e filha, por sua vez, contado por Andreia Beltrão. As situações em tela são tocantes e comuns, universais e cabíveis para a vida de qualquer mulher.
A exposição do elenco é magnânima, primando por focar uma tranquilidade que não necessariamente remete à calmaria na vida. É como se o caos ocorresse internamente, e no superficial as mulheres tentassem expressar sem pudor toda a dor que sentem, mas sem “contaminar” o público com estado de espírito que lhes consome, ao menos não o tempo inteiro.
O filme de Murat flerta com as duas vertentes de cinema que ela tanto se interessa, reunindo o documental e a dramaturgia sobre o feminismo, ainda que suas bandeiras passem longe de propagandear um ideal de modo gratuito. As mulheres que a diretora retrata são quase sempre profundas, plenas, reais e empáticas, e as personagens de Em Três Atos não fogem à regra. O estilo e modo de contar a história se aproximam em caráter do recente Pina, de Win Wenders, não quanto à forma, mas no mesmo estilo de focalizar em artistas que usam seus corpos como telas em branco, com propostas intimistas e bastante profundas.
A performance de Maria Alice Poppe ajuda a tornar cada movimento de Angel Vianna em algo ainda mais precioso, e a união de Beauvoir com a temática de Qualquer Coisa A Gente Muda de João Saldanha produz uma incomum e funcional mistura ideológica e artística, que faz um sentido perfeito pelas mãos da cineasta, acrescentando conteúdo e sentimento ao drama universal da orfandade e do envelhecimento.