Crítica | Steve Jobs
- “Vão te frustar quando tentar o seu melhor,
- Vão te frustar exatamente como disseram que iriam.
- Vão te frustar quando tentar ir pra casa,
- Vão te frustar quanto estiver na solidão…”
Versos de Rainy Day Women, de Bob Dylan (Blonde on Blonde).
Danny Boyle adora gente desconectada. Curte jogar o peixe fora d’água e filmar o que acontece, na esteira do que o (um dos) fundador(es) da Apple acreditava ser: “Criatividade é conectar as coisas“. Seja numa Londres de zumbis ou numa índia de underdogs, a pegada de Boyle é primeiro entender o estranho, e depois, o ninho. O maior nome da tecnologia nos anos 2000 construiu seu próprio habitat, e foi demitido de sua própria empresa por ser indomável, nas palavras do próprio comitê da companhia. O cara era inflexível, consigo e com todos em sua coleira de disciplina e utopia graças a necessidade individual de mudar o contato entre as pessoas, mas Jobs não devia se olhar no espelho como ser humano (“Tô cercado de idiotas!”), e tampouco Boyle deve ter seus amiguinhos pra conversar, de igual pra igual. Daí fica fácil perceber como as intenções se casam em mais um filme hiper-cerebral sobre um ícone que não merecia ser reduzido a suas capacidades penianas, no caso de um ator pornô. Steve Jobs não vem do entender os pilares do mundo moderno, e sim incorpora as necessidades existenciais de um cara que não se sente parte deste mundo, e mesmo assim precisa aprimorá-lo já!
Notável é o equilíbrio entre o pessoal, como a treta do gênio com sua filha, e o trabalho onde o gênio sai da lâmpada e faz acontecer, ao custo de perder o amigo, mas a piada, jamais… O filme é leve, ganhando nossa simpatia por esculpir uma selva complexa de forma tranquila e mastigada, tal o superior Margin Call faz com o mercado financeiro. Cosmos intrincados e decifrados numa tela de Cinema; distantes, ainda que avistados por uma lente de aumento onde tudo é de fato mais bonito, só que na ótica de Aaron Sorkin, conhecido por escrever diálogos destruidores no estilo pingue-pongue, a fórmula de mostrar uma personalidade cheia de camadas e mistério funciona no paralelo com a Apple, fundação egocêntrica feito criança que não quer dividir seus brinquedos, mas já começa a cansar, sem aquele frescor de A Rede Social e outros ensejos – aliás, o próprio Sorkin se trai aqui em vários momentos, percebendo que, quando a lógica de suas histórias começa a cansar, pula do exagero para a licença poética como no confronto de ideologias versus emoções, entre Jobs e sua assistente (Kate Winslet, melhor atuação do filme), num corredor abaixo de uma plateia louca por outra de suas épicas palestras.
A figura de Jobs e o interesse que surge dela jamais o sugere ser um computador humano, Steve Hardware, mas vem do que fala, uma dialética que nutre o comportamento de quem vive ao redor de um assumido workaholic, a partir de uma atuação cirurgicamente precisa de Michael Fassbender, ironicamente fora das mãos de seu mentor, Steve McQueen (12 Anos de Escravidão). Na pele do ator, o homem e o gênio sente seu Q.I. em cada batimento daquilo que parece não bater em seu peito humanoide – é nos diálogos que Fassbender nos remete ao Zuckerberg de Jesse Eisenberg, em 2010, na forma seca, introvertida e objetiva que encaram as pessoas como conquistas, e não semelhantes. Um gênio sabe que é um gênio, mas talvez genialidade ande de mãos dadas com a humildade de não admiti-la. Bill Gates, Bob Dylan e Da Vinci não nos atraem pelos seus triunfos, mas pela coragem para erguê-los, no caso, o elixir da megalomania em suas veias. “Estamos aqui para fazer a diferença no universo, se não, porque estamos aqui?”, alegava Jobs. Como diria Carl Sagan: Humildade.
Como diria a Globo: A gente vê por aqui. Um filme que sabe muito o que é, e ainda melhor: O que não pode ser. Boyle consegue nos passar o efeito unidimensional da história (pro bem e pro mal) combinando com o sentimento que temos diante de um potente notebook. Steve Jobs é isso, uma ferramenta para conhecermos os componentes de uma vida de lutas e batalhas em busca de um futuro visado por um homem que, feito Boyle e Sorkin, cineasta e escritor, sabia quem era e o que precisava fazer para chegar lá. São as decorrências do caminho até o “lá”, o El Dorado de Jobs (o reconhecimento (a duras penas) do público) que o filme aborda, e nos conduz de boa adentro dos corredores da Apple, apostando senão no carisma visionário do gênio de calça jeans para impedir o filme de ser frio tal suas invenções. O filme aposta mesmo é no caráter benéfico da tecnologia, como essa pode mudar o mundo, e acerta em cheio nisso, na abordagem direta em honrar a simetria do passado que traçou o amanhã, hoje vivido por todos nós.
Fato é, positivo ou negativo, que a biografia moderna no molde americano já foi definida pelos méritos de A Rede Social, filme fruto de quem é visionário (David Fincher) e não de quem pensa ser (Boyle), o que não é mero detalhe, ok? Steve Jobs não será referência no futuro, mas o criador do iPad merecia um bom filme em torno do que seu nome representa, sugere e fez crescer, cultivando uma era de tecnologia e tal, mas não em torno de sua ambição. Falta a ousadia do cara no filme homônimo de sua vida, os próprios funcionários que trabalharam diretamente com ele eram intimidados pelo Corleone da Apple a cada dia. Talvez é o que faltou, aqui: Um verdadeiro gênio, exigindo o máximo de todos neste bom filme, previsivelmente certinho e correto até mesmo na edição, mas é claro, celebremente aquém das várias frases inspiradoras do crânio.