Crítica | Sonho de Rui
O início de Sonho de Rui passeia pela casa do personagem de Pedro Monteiro, que vem a ser o próprio Rui. Entre desarrumações, alimentos jogados pelos cômodos, o protagonista assiste um clássico de Chuck Norris em seu DVD player, Bradock: O Super Comando. Até a fonte utilizada nos textos que sobressaem a tela lembram as usadas nos filmes de guerra antigos que tinham o Vietnã como pano de fundo. Rui é apaixonado pela figura de ator, e não aceita que façam troça do astro, nem mesmo os famigerados Chuck Norris Facts, os memes com a força e poder do ícone dos filmes de ação.
O filme é dirigido por Cavi Borges e Ulisses Mattos, e mostra as tentativas do personagem, que é ator em tentar vender o apartamento que ganhou de herança. Seu objetivo é levantar dinheiro para financiar seu sonho de refilmar o clássico de Norris que ele havia visto antes, para isso ele tem que romper sua timidez ao tentar negociar o lugar onde mora, fazer aulas de inglês e deixar para trás a forma não musculosa que tem.
A maioria dos diálogos do filme são artificiais, parecem dublados, e essa questão anti natural conversa demais com a ambição de Rui em filmar o longa em inglês. É declarado que o sujeito tem Transtorno Obsessivo Compulsivo, ou TOC como é popularmente conhecido. A falta de manutenção do apartamento faz com que possíveis compradores, que reclamam da ferrugem dos canos e bicas e isso frequentemente é confundido com xingamento dado aos ruivos, de Ferrugem, fato que incomoda o personagem principal.
Rui é um sujeito não só tímido, mas praticamente celibatário, quando ele se relaciona com o sexo que lhe agrada ainda assim é estranho, e parte sempre da outra pessoa e não dele. O motivo de ser ruivo não explica suas inabilidades sociais, e nem sua aversão a contato humano, muito menos a dificuldade de lidar com desconhecidos. A caracterização que Monteiro produz lembra um pouco a condição recentemente alcunhada de incel, os celibatários involuntários, tendo inclusive uma postura que culpa os outros por não ter uma convivência social dita normal. O fato dele ser metódico praticamente não chega a ser cogitado como fonte desse estranhamento nos relacionamentos, nem mesmo com o excesso de formalidade pelo qual ele passa.
O roteiro de Mattos prima pela comédia, e os momentos mais inspirados são justamente esses, mas os momentos mais sérios e dramáticos são bem feitos também, e mostram um sujeito que apesar de engraçado, é bastante complicado e tem dificuldades em lidar consigo próprio e com os problemas de ordem comum. Nesse ponto, ele lembra um pouco a parceria de Fabio Porchat e Ian SBF em Entre Abelhas, que também tratava de um personagem com dificuldades de aceitação cuja motivação era nonsense e que também não tinha perspectivas de sucesso.
A raiva de Rui tem a ver com o fato de sua casa inteira enferrujar, e curiosamente a câmera de Borges registra cada vez mais suas sardas saltando no rosto, deixando claro sua condição ruiva e o que o irrita em si mesmo. O Sonho de Rui é um filme despretensioso, divertido e melancólico quando precisa, e conta com uma atuação inspiradíssima de Pedro Monteiro.
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