Crítica | Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom
Winter on Fire: Ukraine’s Fight for Freedom é o segundo longa-metragem documental do diretor Evgeny Afineevsky, bastante acostumado a tratar temas controversos dentro do seio familiar do americano. O filme, liberado na Netflix, em 2015, trata da controversa questão atual da Ucrânia, passando por um pequeno preâmbulo a respeito da questão política na época da União Soviética, situando seu espectador sobre as eleições de 2004, que foram canceladas e alegadas como fraudulentas por grande parte da opinião pública internacional, apesar da controvérsia a respeito da veracidade das acusações.
O documentário toma por verdade todas as acusações de fraude a respeito do antigo presidente Víktor Yanukóvytch, falando neste começo sobre a anulação do pleito em 2004 e desenvolvendo um papel heroico para os manifestantes que conseguiram sua queda, ignorando partes substanciais e importantes do fundamento em que baseia tais militâncias, sem sequer deixar claro para o público a participação do Svoboda, partido ultranacionalista de extrema-direita, que, entre muitas alegações, não aceita mestiços em suas fileiras e tem um panfleto que usa argumentos fascistas e neo-nazistas.
A nacionalidade russa de Afineevsky poderia influir em sua análise das manifestações ocorridas recentemente no país balcânico, e surpreendentemente provoca o efeito contrário do que se esperava. O mote escolhido pelo diretor é bastante favorável aos protestos que ocorreram em Kiev e demais cidades, os quais visavam uma liberdade maior para a população, que em seus brados exigia a integração da nação a União Européia; aos poucos, evoluíram para a insatisfação famigerada com o governo de Yanukóvytch, do denominado Partido das Regiões, partido político que advoga para os interesses dos russos da Ucrânia.
As câmeras não demoram a exibir os protestantes em confronto com as forças policiais, não poupando o espectador das cenas em que o povo é duramente tratado. A impressão passada pela obra é de que o grito era uníssono, e que o Euromaidan representava de fato os anseios do povo ucraniano. O que não ocorre ao longo dos noventa e seis minutos de duração é a possibilidade de travar-se um diálogo minimamente justo, já que fora do movimento não há praticamente nenhum depoimento que não seja avesso a Yanukóvytch, a seus aliados, e claro, a Vladmir Putin, cuja imagem é representada a partir de um arquétipo maniqueísta, semelhante a um vilão de histórias em quadrinhos.
É evidente, e até óbvio, que um documentário necessite escolher um viés para sua exploração, e é ainda mais natural que o enfoque seja feito a partir do viés que o seu realizador mais ache interessante, passando inclusive por suas ideologias políticas. No entanto, ignorar por completo o lado oposto causa um estranhamento na abordagem, correndo o risco de transformar o filme em um folheto propagandista.
Analisando sob o ponto de vista político, Winter on Fire não consegue traçar um quadro minimamente condizente com toda a complexidade que envolve o cenário político local e as manifestações ocorridas a partir de 2013. Em A Praça Tahrir, a própria produtora Netflix havia se inserido em assunto semelhante, ainda que a proposta neste tenha sido completamente diferente, uma vez que a diretora Jehane Noujaim se valeu unicamente de fitas gravadas pelos próprios manifestantes, fator que justifica a sua categoria de fala única. Com Yanukóvytch o caso é diferente, e a imagem passada ignora a discussão a respeito dos rumos do país, que está claramente dividido, apresentando uma estampa de igualdade e união que não condizem com a realidade.
Os dez minutos finais selam o destino dos ucranianos com possibilidades bastante esperançosas, com cenas de festejo acompanhadas de uma trilha sonora que exala docilidade, fomentando uma esperança e um sentimento de suavidade patriótico ironicamente fragmentado. A situação da Criméia, por exemplo, só é levantada após todo o desfecho narrativo do longa, citado nos pré-créditos finais, talvez aludindo a uma possível continuação que falaria especificamente deste episódio. O resultado final do documentário passa por uma incômoda fuga do complexo quadro político, ocultando informações importantes, como a proibição de partidos comunistas ocorrida recentemente, o que faz com que a sonegação dos lados políticos dos órgãos por trás das manifestações, ao menos de um modo explícito, torne-se ainda mais flagrante e vexatório. A resultante se assemelha demasiadamente a um retrato rasgado, com uma parte necessária e importante faltando, e ainda assim é louvada por grande parte dos analistas que sequer tem ciência disto.