Top 10 – Especial Dia das Crianças
O escritor tcheco Milan Kundera afirmou, em um de seus ensaios, que o passado é equilibrado por duas forças: o esquecimento, responsável por apagar os acontecimentos; e a força da memória que os transforma. Não à toa, o passado nostálgico representa esta modificação da memória. Na infância e juventude, período de vida compartilhado por todos, o passado é visto com um olhar transformador, muitas vezes melhorado pelas memórias que o deixam mais brilhante do que o tempo vivido.
Em homenagem ao Dia das Crianças, nossa equipe se reuniu para uma lista que retorna à nossa infância e à nostalgia, relembrando filmes que marcaram nossa infância. Sem dúvida, filmes que marcam implicitamente nossa idade e a época oitentista na qual crescemos. A lista explora vertentes diferentes dos filmes oitentistas, um registro cinematográfico diferente do atual. Considerando produções juvenis ou voltadas para a família, é perceptível uma visão simultânea entre a juventude e o mundo adulto que nem sempre se molda a favor das crianças, com bandidos, tiros, problemas, vícios e outros recursos que o cinema atual evita pela polêmica. Estranhamente transformando o universo juvenil dos filmes em um universo fictício e estéril sem nenhum conflito extremo.
Seja pelo resgate da memória ou pelo registro de um cinema diferente do atual, nossa lista ressalta obras que estiveram em nosso imaginário precoce e, de alguma maneira, se transformaram em nós. Os leitores que quiserem colaborar com esta lista nostálgica, podem acrescentar seus filmes memorialísticos nos comentários.
Boa leitura.
Um Tira no Jardim Da Infância (Ivan Reitman, 1990) – Por David Matheus Nunes
Um Tira No Jardim de Infância é mais um dos filmes bizarros do diretor eslovaco Ivan Reitman. Responsável por pérolas como Os Caça-Fantasmas (as duas produções) e Irmãos Gêmeos, Reitman, de forma competente, coloca o brutamonte e astro Arnold Schwarzenegger – que até ali já tinha sido Conan, T-800, Dutch e Douglas Quaid – para dividir a tela com as mais variadas crianças, quando seu personagem, John Kimble, no encalço de um traficante de drogas, se infiltra como professor substituto numa escola de ensino infantil. Acontece que Kimble não tem nenhuma prática com crianças, mas se vê obrigado a deixar de ser o durão que sempre foi em prol do bem estar dos pequenos. O destaque fica para as várias situações constrangedoras que Kimble precisa passar junto das crianças, o que rende boas risadas. Apenas a título de curiosidade, a maioria das pessoas conhece o filme porque o viram pela televisão. A versão original legendada chega a ser bastante diferente no que diz respeito ao tom do filme (mais sério do que aparenta), além de ter algumas cenas de violência que foram cortadas na versão para a TV.
Tuff Turf – O Rebelde (Fritz Kiersch, 1985) – Por Halan Everson
Com a pior trilha sonora que um filme dos 80s pode ter, Tuff Turf – O Rebelde mostra que pra ser valente contra os arruaceiros do seu bairro você apenas precisa de uma bike veloz, Robert Downey Jr no elenco, muita garra e ser o futuro astro de uma das produções para TV mais interessantes do ano. Estrelado por James Spader, essa bela obra do cinema acompanha um garoto novo no bairro e , assim como em qualquer bom faroeste, não é só questão de chegar, mas sim marcar território e mostrar que é o cara que vai mudar a parada para os fracos e oprimidos. Sem querer estragar para os interessados, ele usa muito bem a fórmula do “estrangeiro na cidade que vai conseguindo criar muitos problemas pra si”, algo que era mais comum em westerns, transpondo para um imaginário adolescente. Em parte, podemos pensar que pelo menos os protagonistas fazem jus a assistir à obra pela qualidade de seus trabalhos. Não são atuações geniais, mas nota-se que todos estão confortáveis com roupas berrantes, e muita trilha sonora sintetizada com teclado.
Nota do autor: falei mal da trilha e a música-tema não desgruda mais da cabeça enquanto escrevo.
Conta Comigo (Rob Reiner, 1986) – Por Flávio Vieira
Baseado em um conto de Stephen King quase autobiográfico, Conta Comigo não trata apenas da amizade entre essas quatro crianças, mas a importância do meio onde elas estão inseridas, cada um em seus próprios anseios, incompreensões e rejeições, sejam elas familiares ou da própria sociedade. Rob Reiner, diretor do longa, não poupa seus espectadores, Conta Comigo, diferente de outros exemplares da época, não é leve ou abusa do sentimentalismo e da psicologia pop “breakfast club”, muito pelo contrário, o filme toca em temas delicados, e ao longo da trama amadurecemos com essas personagens, tudo isso no meio de desabafo, medo e, claro, muito companheirismo. “Nunca mais tive amigos como aqueles que tive aos 12 anos. Meu deus, quem é que tem?”
Os Goonies (Richard Donner, 1985) – Por Karina Audi
Dirigido por Richard Donner, Os Goonies é uma das grandes obras da infância que até hoje se mantém na memória de grande parte do público. O filme, que completou 30 anos em 2015, narra a história de uma turma de amigos (Mikey e seu irmão Brand; Gordo; Bocão; Dado; Andy e Stef), que, muito unidos, temem a separação do grupo com a mudança da casa dos irmãos devido a uma dívida. Ao encontrar um mapa que remete a um tesouro escondido há séculos, vão em busca das riquezas perdidas para evitar o fatídico despejo. Com roteiro de Chris Columbus, inspirado em uma história de Steven Spielberg, Os Goonies tornou-se um clássico cult devido a linguagem universal, aos elementos emblemáticos que agradam a qualquer criança (piratas, navios, caça ao tesouro, a luta entre mocinho e bandido) e ao carisma de seus intérpretes. A obra fala de descobertas, amizade, família e amor de uma forma tão cativante que é impossível relembrar a infância sem se esquecer dela.
Retroceder Nunca, Render-se Jamais (Corey Yuen, 1986) – Por Thiago Augusto Corrêa
Explorando de maneira familiar um dos desejos presentes do imaginário infantil, de se tornar um grande lutador, Retroceder Nunca, Render-se Jamais é um tradicional filme juvenil com uma mensagem simples como fio condutor. Fã de Bruce Lee, o jovem Jason Stillwell treina arte marciais e deseja uma revanche contra um grupo que agrediu seu pai. Com a ajuda do espírito de Lee, o jovem treina e anseia por uma vingança contra Ivan Krushensky, o temido Russo. Antes de ser alcunhado como Mestre, Jean-Claude Van Damme estreou nos cinemas como este vilão caricato sem muita expressão mas com forte habilidade de luta. O tradicional maniqueísmo oitentista com vilões temíveis e heróis sempre carismáticos provocam um dualismo divertido nesta produção. Além do uso do conceito fantástico para fazer de Bruce Lee um mentor espiritual, pontuando esta história no imaginário de todo jovem que admirava o lutador e sonhava em se tornar um ninja no estilo filme americano. E, claro, imperdível por ser a estreia do grande Mestre nas telas com seu famoso espacate.
Os Mestres do Universo (Gary Goddard, 1987) – Por David Matheus Nunes
Aproveitando o sucesso do desenho do He-Man na metade dos anos 80, o único filme do diretor Gary Goddard foi um prato cheio para as crianças da época, que puderam ver uma das primeiras adaptações para o cinema de uma animação de sucesso. E coube a Dolph Lundgren o fardo de viver o príncipe de Eternia. Fardo porque, analisando e comparando-o com a animação, podemos perceber que apenas alguns personagens foram aproveitados e só. Pouco da mitologia do He-Man foi usado. O protagonista está lá apenas como He-Man. Em nenhum momento vemos o príncipe Adam, muito menos o Pacato/Gato Guerreiro. O simpático Gorpo foi substituído por um irritante goblin e o que sobrou, é justamente o destaque. Lundgren está bem caracterizado como He-Man e o momento em que profere a clássica frase “eu tenho a força”, empunhando sua espada, ainda é emocionante. O sábio Mentor e a Teela estão lá, mas quem rouba a cena é o time de vilões, composto pelos horríveis Homem-Fera, Saurod (uma versão do Lagartauro), Blade, Karg, a bela Maligna e, claro, o Esqueleto, cuja caracterização é sensacional; além de imponente, o cajado é representado pela cabeça de um bode. A versão dublada do filme é recomendada, uma vez que todos os dubladores do desenho estão lá.
Gotcha! Uma Arma do Barulho (Jeff Kanew, 1985) – Por Halan Everson
Com um elenco de desconhecidos, pelo que me recorre à mente, Gotcha! Uma Arma do Barulho acompanha a vida de um jovem azarado com as mulheres vivido por Jonathan, interpretado por Anthony Edwards (A Vingança dos Nerds) que resolve visitar Paris com seu melhor amigo para recuperar os ânimos – por que não? O que pode dar errado?. O que acontece é uma trama de espionagem internacional, com níveis de perigo à la James Bond. Fugas, perseguições, cenas de tiroteio e romance, tudo isso acontecendo com um adolescente que só queria se dar bem com as mulheres, passando a impressão que é para ser engraçado. Algumas cenas e uso de trilha sonora passam esse clima divertido e descontraído, mas não é muito difícil parar de levar a sério, principalmente no dubladão. Assim como em Tuff Turf nesse filme também temos uma péssima trilha sonora sintetizada com teclados e uma música tema que consegue ser menos grudenta que a de Tuff Turf. Um detalhe muito curioso é que Jonathan em uma determinada parte do filme sempre fala o “Gotcha” na versão dublada, e sempre pensei que era uma gafe da dublagem, mas não é… É ruim assim mesmo.
Deu a Louca nos Monstros (Fred Dekker, 1987) – Por Flávio Vieira
Fred Dekker, mais conhecido até então pelo seu trabalho de direção à frente do competente A Noite dos Arrepios, se reuniu com o então estreante Shane Black (Beijos e Tiros, Homem de Ferro 3) para escrever Deu A Louca nos Monstros, de 1987. O filme é um belo exemplar dos anos 80, com toda a temática aventuresca juvenil típica dos filmes dessa década. Além disso o longa-metragem é uma grande homenagem aos filmes de monstros clássicos da Universal. Repleto de efeitos práticos e um roteiro no mínimo curioso que usava uma desculpa qualquer para realizar um crossover de diversos monstros clássicos (Drácula, Frankenstein, Monstro do Pântano, Lobisomem e uma Múmia), Deu a Louca nos Monstros ainda passa longe do politicamente correto dos dias de hoje, já que é bastante comum acompanharmos crianças fumando, discutindo sobre virgindade, praticando magia negra ou mesmo utilizando armas. Uma bela homenagem ao universo de horror clássico e que ainda arruma tempo para aplicar pequenas camadas ao que em tese seria apenas um filme infantil despretensioso.
Esqueceram de Mim (Chris Columbus, 1990) – Por Karina Audi
Segundo filme de Chris Columbus, hoje praticamente ignorado pela crítica, Esqueceram de Mim foi um grande sucesso no início da década de 1990 que alavancou o sucesso de Macaulay Culkin, o qual interpreta Kevin, o garoto esquecido em casa pela família quando em viagem para a Europa no Natal. O filme foi escolhido para integrar esta lista não pelas qualidades técnicas, que fogem, por exemplo, da criatividade do diretor Columbus vista em outras produções anteriores como roteirista (Gremlins, O Enigma da Pirâmide e Os Goonies); mas sim porque é uma produção popular que simpatizou os espectadores e traduziu uma época do cinema familiar oitentista. O filme trabalha bem com o imaginário infantil de uma criança que se vê sozinha e precisa agir com maturidade sem os pais, algo que Kevin só descobre no final, quando acredita que o seu desejo, de nunca mais ver seus parentes, era apenas uma vontade infantil. Ao longo de sua jornada, Kevin luta com bandidos, supera o preconceito contra seu vizinho Marley e percebe-se um menino bom, seguindo a proposta de finais felizes dos filmes familiares natalinos. Sob uma trilha sonora do sempre genial John Williams, Esqueceram de Mim marcou época de muitos jovens, que hoje já não se veem sozinhos em casa tomando sorvete escondidos e preparando armadilhas para possíveis malfeitores.
E.T. – O Extraterrestre (Steven Spielberg, 1982) – Por Thiago Augusto Corrêa
Após a primeira aventura de Indiana Jones, Steven Spielberg dirigiu esta produção direcionada para o âmago familiar. Dando voz às crianças como personagens principais com direito a filmá-las em ângulos proporcionais, mais baixos do que os tradicionais, destacando-as nas cenas, E. T. – O Extraterrestre explora outra vertente juvenil focada na amizade e no mistério de seres de outros planetas. A fantasia é equilibrada tanto no encantamento da relação entre Elliott e o extraterrestre como no choque de realidade adulta quando o visitante é aprisionado pelo governo e tratado como experiência. Transitando nestes temas, a obra é sensível e evoca sentimento primordiais como a construção da amizade e da lealdade, a compreensão das diferenças e, ao mesmo tempo, demonstra a selvageria do mundo adulto em paralelo com a pureza infantil, um tema sempre presente nas obras do diretor.