Resenha | DC Encontra Looney Tunes
Em 2017 a DC Comics realizou uma série de crossovers com os personagens da Looney Tunes, em uma iniciativa até certo ponto natural, dado que tanto a editora quanto a marca de desenhos infantis são propriedades do conglomerado Time-Warner, e explorar produtos transmidiáticos é algo corriqueiro dentro da indústria cultural.
Havia muito risco ao se desenvolver essa ideia, visto que o tom das histórias dos super-heróis em muito se distanciou ao longo das décadas daquele empregado nas pueris animações de Pernalonga e cia. Tal risco, contudo, foi minimizado ao longo da empreitada idealizada por Joey Cavalieri e executada por uma gama extensa de roteiristas e artistas da editora das lendas.
As histórias, publicadas lá fora primeiro individualmente, saíram por aqui reunidas em um encadernado de capa cartonada, e como toda antologia, oscila bastante em relação ao nível de suas histórias, apresentando tramas mais sérias e mais descontraídas, buscando encontrar um equilíbrio para a junção dos dois universos ficcionais, de modo que todos os encontros fizessem sentido.
Dessa forma, histórias mais nonsense como as de Pernalonga com a Legião dos Super-Heróis e a maçante trama de Willie Coyote com o insano Lobo coexistem com histórias bem pensadas e contextualizadas como as do Caçador de Marte com Marvin, O Marciano; a parceria entre Mulher-Maravilha e Taz, o western de Eufrazino e Jonah Hex e a melhor história do volume, o encontro de Hortelino e Batman.
Cada história vem complementada, ao seu final, por um segmento curto de histórias ao estilo Looney Tunes, mais infantis e com maior liberdade para que os autores teçam até mesmo alguns comentários metalinguísticos interessantes, mas que no geral não tornam essa sessão objetivamente relevante ou interessante para o leitor médio, funcionando apenas como um apelo à nostalgia.
Os links executados nas histórias são em geral bem inseridos. “Melhores intenções”, de Steve Orlando, Frank J. Barbiere e Aaron Lopresti conecta o Caçador de Marte ao marciano Marvin através da sensação de isolamento, inadequação e saudades de Marte que ambos possuem, e os antagoniza a partir da perspectiva contrária que possuem acerca da Terra, concebendo um conto sobre tolerância e aceitação bem pertinente para um tempo no qual ainda tenhamos vivas discussões acaloradas e preconceituosas em relação aos imigrantes mundo afora.
Em “Melhor um diabo conhecido”, Tony Bedard, Barry Kitson e John Floyd conectam Taz e Mulher-Maravilha ao transformarem o Demônio da Tasmânia em uma criatura mitológica com a qual Diana já havia lidado anos antes, e alguém cuja ajuda era agora indispensável para que a princesa das amazonas pudesse vencer seus inimigos. Essa história surpreende por conseguir adaptar um personagem difícil como o Taz em uma sacada bem inteligente por parte da equipe criativa, adequando o personagem ao contexto visual e temático que permeia o background da heroína.
Com “Chegan’o e atiran’o”, Jimmy Palmiotti e Mark Teixeira elaboraram uma divertida e empolgante história de faroeste, unindo o estourado Eufrazino Puxa-Briga com o soturno Jonah Hex em uma aventura que envolve a corrida pelo ouro nos EUA e a ganância desmedida em uma época na qual a lei que valia era a de quem atirasse mais rápido. Em que pese a bizarra aparição de Frangolino na história – não há explicação plausível para um Frango antropomórfico e que lute boxe com outros seres humanos dentro da trama -, a história segue um ritmo típico das histórias do velho-oeste, e se valem muitas vezes das personalidades antagônicas dos dois protagonistas para criar uma dinâmica de interação aprazível e coerente com a trama.
Em “Leze por mim” temos a história que mais se destaca na antologia, o encontro entre Batman e Hortelino Troca-Letras, concebido por Tom King e Lee Weeks. Um dos grandes méritos do conto reside na perfeita interação que os autores realizaram entre os dois universos, trazendo para Gotham City os carismáticos personagens da Looney Tunes, mas transformando-os em personagens humanos, identificando-os com suas contrapartes cartunescas através da composição visual e de maneirismos verbais e gestuais, em uma demonstração de sincronia conceitual entre Weeks e King. Ao se colocar à caça do bandido Pernalonga, Hortelino se vê envolvido em um misterioso assassinato que o leva a encontrar o famigerado Cavaleiro das Trevas de Gotham City. A pegada noir da história cativa e prende o leitor do início ao fim, em mais um trabalho competente de um Tom King que à época ainda estava construindo sua jornada à frente da revista solo do Homem-Morcego.
O saldo final do projeto é positivo, dado que apenas duas histórias acabaram ficando aquém das expectativas criadas, ainda que possam agradar ao leitor que as encare de modo mais despretensioso. Contando com 248 páginas, a edição da Panini Comics chegou ao Brasil sem muito alarde em 2018, mas foi publicada em um formato ideal, com papel de boa gramatura, capa cartão e lombada quadrada.
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